Multidões de mulheres tomaram as ruas no sábado passado (29), nos quatro cantos do país, para se manifestar contra o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) – a quem chamam, entre outros adjetivos negativos, de “machista”. Embaladas pelo slogan “#EleNão”, e apoiadas por uma expressiva parcela de homens, elas ganharam voz e holofotes. Mas ao mesmo tempo, sem tanta exposição, outra multidão de eleitoras vem dizendo: “Ele sim”.
Nesta reta final da campanha do primeiro turno, Bolsonaro vem conquistando mais intenções de voto das mulheres, eleitorado que vinha sendo refratário a ele. Hoje, o candidato do PSL já tem mais eleitoras do que seu principal adversário, Fernando Haddad (PT): 28% das brasileiras dizem que vão votar em Jair Bolsonaro contra 23% que optam pelo petista, de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (4).
A Gazeta do Povo ouviu três eleitoras de Bolsonaro, em diferentes regiões do país, para descobrir por que elas “dizem sim” ao candidato do PSL apesar de ele ser acusado por adversários de autoritarismo, homofobia, racismo, fascismo e, sobretudo no caso das mulheres, de machismo.
Muitas razões explicam a preferência delas. Algumas se sobressaem. Por exemplo: a crença de que Bolsonaro vai resolver o problema da insegurança pública. Também é muito importante a defesa que ele faz de valores que são caros para essas mulheres – princípios que elas não veem representados nem de perto pelos demais presidenciáveis e que, no entendimento delas, vêm sendo atacados pela esquerda.
Machista? Pode até ser um pouco. Mas Bolsonaro é quem elas acreditam que mais defende as mulheres
A catarinense Giovana Schmidt Voltolini, 39 anos, sócia de um escritório de contabilidade em Jaraguá do Sul (SC), até admite que Bolsonaro é um pouco machista. Mas, ao mesmo tempo, acredita que ele é quem mais olha para o eleitorado feminino.
“Dos candidatos que nós temos, Bolsonaro é o que mais tem proposta para defender a mulher. A castração química [de estupradores], por exemplo”, diz, referindo-se à proposta de Bolsonaro para punir condenados por estupro que ele apresentou como projeto de lei na Câmara dos Deputados.
Um fato que marcou a adolescência de Giovana explica por que a proposta da castração química é um importante fator para ela escolher seu candidato: uma colega de escola foi estuprada. “Não sei o que eu faria... Eu, como mulher, preferiria morrer a ser estuprada. Hoje um estuprador fica preso, mas logo está solto e vai estuprar de novo. Sou a favor, sim, da castração química para a pessoa não ter mais prazer nenhum. Ela acabou com a vida de outra pessoa.”
Giovana também já foi vítima de um assalto em casa – o que justifica outra razão para ter escolhido Bolsonaro: a proposta dele de liberar o porte de arma para o “cidadão de bem”. “Até hoje não durmo no meu quarto. O ladrão voltou três vezes na minha casa em plena luz do dia”, diz a catarinense. “Se eu estivesse armada nos dias do assalto, teria atirado. Porque só eu sei o dano que causou à minha família. Aumentei o muro, coloquei cerca elétrica, a casa está cheia de câmeras, parecendo um BBB. Se eu tivesse armada, atiraria sem titubear.”
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Professora de História em Brasília, Maria Inês Fantinate, 58 anos, concorda com a catarinense. “Acho certíssimo [facilitar o porte de armas]”, diz. Para Maria Inês, defender o porte de arma não é defender a violência. “Ele [Bolsonaro] não prega a violência. Se pregasse, aquele infeliz que tentou matá-lo em Minas [Adélio Bispo de Oliveira] não teria saído vivo depois do atentado. Seria linchado. E o que ele [Bolsonaro] defende não é jogar a arma para cima e pronto: quem pegar, pegou. Não é isso. Tem critérios [para obter o porte de arma].”
“Castração é pouco. Estuprador tinha é que ser fuzilado”
O medo de criminosos em geral, e estupradores em particular, aparece no depoimento de outra mulher entrevistada pela Gazeta do Povo. “Castração é pouco. [Estuprador] tinha é que ser fuzilado”, diz a secretária Salambô Farias, 50 anos, moradora do Rio de Janeiro nascida no Ceará. “Como é que você tem o direito de pegar uma mulher e estuprar ela? Sexo é uma coisa que acontece de livre e espontânea vontade; não porque você tem mais força do que eu, entendeu?”
Salambô diz sentir-se “muito insegura” no Rio. Assim como a catarinense Giovana, ela já foi vítima de criminosos. Recentemente, foi roubada dentro de um trem lotado. Levaram parte de seu salário de R$ 1,2 mil. “O cara abriu minha bolsa e pegou meu dinheiro. Eu não vi.”
O discurso pesado de Bolsonaro contra a criminalidade, aliás, é o principal motivo alegado pela secretária do Rio para votar no candidato. “Ele vai estar lá com as três Forças Armadas. Como que não vai ter poder para fazer [reduzir a criminalidade]?” Ela garante que Bolsonaro vai entrar “em sua mira” se não resolver a questão da insegurança pública.
Salambô defende ainda uma solução de “força” para reduzir a criminalidade. Para ela, Bolsonaro terá não apenas que endurecer o Código Penal, mas também “ordenar” que os parlamentares alterem a Constituição. “Tem que pegar essa Constituição que tá aí e dizer para esse pessoal que tá no Congresso: ‘A Constituição tem que ser isso, isso e isso’. É muita brechinha que tem [a favor dos criminosos]. É muita doideira.”
Briga com Maria do Rosário é emblemática: embora Bolsonaro tenha dito que não a estupraria, suas eleitoras o defendem
Além das supostas brechas legais beneficiariam os bandidos, é evidente o mal-estar das eleitoras de Bolsonaro com aquilo que seus apoiadores chamam de “direitos humanos para criminosos” – uma agenda associada por elas à esquerda. Isso se expressa na defesa do candidato, por exemplo, no episódio em que ele disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia – fato que “rendeu” a Bolsonaro um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação ao estupro.
O caso é ainda mais emblemático porque deixa transparecer o que, na visão de eleitores de Bolsonaro, é uma contradição da esquerda: a defesa do feminismo ao mesmo tempo de outras pautas que elas entendem serem contrárias às mulheres.
“Bolsonaro não deveria ter se expressado daquela maneira [no bate-boca com Maria do Rosário]. Mas quem nunca, no calor de uma discussão, não falou uma m...? Tem gente que fala coisa muito pior, mas ninguém fala nada”, diz a catarinense Giovana. Além disso, para ela, Maria do Rosário não é feminista. “Sabe que eu não gosto dessa mulher? Acho que ela é uma vergonha para as mulheres. Acho um absurdo você falar em feminismo, ser mulher e defender um estuprador. Não tem cabimento.”
Giovana faz referência a Champinha – adolescente que, em 2003, estuprou e matou a jovem Liana Friedenbach e que também assassinou o namorado dela. À época, caso ganhou grande repercussão nacional. A briga entre Bolsonaro e Maria do Rosário começou justamente quando ele concedia uma entrevista na Câmara Federal em que defendia a redução da maioridade penal para 16 anos por causa do caso de Champinha. A deputada é contra essa proposta e interrompeu a entrevista de Bolsonaro.
“A deputada invadiu a entrevista dele sem ser convidada. Provocou”, diz a professora brasiliense Maria Inês. “Eu vi na declaração dele, de que ela não merece ser estuprada, até algo respeitoso. Ele é provocado o tempo inteiro. E é um ser humano e está suscetível a reações. Pegam muito no pé dele. Tudo que envolve ele ganha uma dimensão desproporcional.”
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Salambô concorda: “Se eu chego para você e digo que vou te dar um tapa na sua cara, você vai fazer o quê? Ele não foi machista. Ele respondeu a ela o que ela falou para ele. As pessoas é que deturpam as coisas”.
Oposição de grupos de esquerda a valores da família e da religião impulsiona votos em Bolsonaro
A oposição de grupos de esquerda a valores tradicionais do brasileiro – sobretudo familiares e religiosos – também explica a adesão de mulheres a Bolsonaro, que personificou no imaginário popular a imagem do defensor do conservadorismo.
“É meu sonho de consumo ter o Bolsonaro como presidente? Não. Mas para mim é o candidato que vou votar por meus princípios éticos morais e cristãos”, diz Giovana. “Não acho que o Bolsonaro defenda os valores da família. Acho que cada família tem seus valores”, justifica a catarinense. “Mas ele foi o único candidato que vem defendendo e barrando algumas coisas que estavam em votação [no Congresso] e de coisas que não sabemos... Essa questão de ideologia de gênero... Concordo que cada um deve defender o seu, mas não se pode impor nada a ninguém, pois tira a liberdade da pessoa. E o Bolsonaro, nesse ponto, sempre esteve à frente. O kit gay também... Temos que cuidar com o que vem junto. Vi uma vez em Jaraguá as fotos do kit gay que falava de disfunção erétil para crianças. Como se vai mostrar isso para as crianças?”
Para a catarinense, lecionar sobre esses assuntos nas escolas é tirar o direito dos pais de educar os filhos. E defender essa posição não é ser preconceituoso. “Se teve uma atitude de preconceito, precisa ser condenado de acordo com o que diz a lei porque isso é um absurdo”, diz Giovana. “Não é o gay, não é o gordo... São seres humanos. A gente tem que parar com isso de dividir.” A catarinense diz, por exemplo, não se incomodar em ver crianças sendo adotadas por casais homoafetivos – desde que eles respeitem a sexualidade da criança “da mesma forma que um casal hétero” respeita.
A professora Maria Inês acredita que a posição de Bolsonaro sobre esses assuntos não é bem compreendida e que ele é acusado injustamente de ser preconceituoso. “As pessoas não entendem o que ele fala. Eu entendo perfeitamente. É muito claro. Mas distorcem tudo. Não o considero homofóbico. Ele mesmo diz ter amigos gays. Não o considero racista. Nunca me passou essa imagem. O seu sogro, o Paulo Negão, é um negro. O problema é que o rotulam demais.”
Feminismo e aborto também catapultam voto em Bolsonaro
O feminismo radical, defendido por alguns grupos de esquerda e que se choca com os valores cristãos, também ajuda a explicar a decisão de voto em Bolsonaro. Giovana conta que, quando era jovem, dizia ser feminista porque entendia que o feminismo era uma forma de defender a mulher. “Mas não gosto de fanatismo. (...) Não gosto desse feminismo que entra nas nossas igrejas e faz xixi em cima do nosso Cristo”, diz, referindo-se a uma ação do grupo feminista Femen numa igreja em Paris (França), em 2013.
“Quando falto com respeito com você, não tenho direito a mais nada. Na nossa igreja sempre vai ter alguém para te acolher. O preconceito para mim vem muito mais do lado de lá do que de cá. Na nossa igreja não tem condenação para menina que é lésbica ou menino que é gay”, que é católica praticante.
Outro tema caro à vertente majoritária do feminismo – a defesa do direito das mulheres decidirem se querem abortar – também ajuda a explicar o voto de parte do eleitorado feminino no candidato do PSL. Como Bolsonaro é visto como um defensor dos valores tradicionais da família, ele capta os votos de quem rejeita esse tipo de feminismo.
“Se bate um coração, é vida”, diz a contadora Giovana – que abre uma única exceção para o aborto legal: em casos de estupro. “Como sou cristã, acho que Deus faz tudo com um propósito. Pode ser que a criança veio para evitar algo que poderia ter sido bem pior. Uma criança é uma alegria.”
Falar sobre aborto é um assunto delicado para a catarinense. Casada, ela tem o desejo de ser mãe, mas não consegue engravidar. E inclusive já teve um aborto espontâneo. “Tive um aborto com quatro meses [de gestação]. Estou tentando engravidar há nove anos, desde quando eu me casei. Mas, depois do aborto, nunca mais engravidei”, relata com emoção.
Aliás, a primeira palavra que Giovana disse à reportagem para explicar as razões por que vai votar em Bolsonaro foi “aborto”. O segundo motivo citado: “legalização de drogas”, que tanto Bolsonaro quanto a catarinense são contra, mas que parte da esquerda é a favor. Por sinal, ela faz trabalho voluntário num grupo de jovens que enfrentam problemas por causa do uso de entorpecentes.
Medo de o Brasil virar uma Venezuela e elogio à ditadura: a rejeição à esquerda
A rejeição à esquerda também é forte entre as eleitoras de Bolsonaro. “Não gosto de partidos condizentes com o socialismo. Distribuição de renda, taxação de fortunas... Isso nunca deu certo em lugar nenhum. É uma utopia. PT, PCdoB, jamais. Sou cristã e católica. Se eu me filiar em partido comunista serei excomungada pela igreja. A igreja condena o comunismo.”
Salambô Farias vai na mesma linha: “Ele [Bolsonaro] não vai deixar o Brasil virar uma Venezuela, igual a todos os outros políticos vão fazer, com o povo na pobreza, catando comida no lixo para comer”.
Por vezes, a rejeição à esquerda assume a forma de saudades da ditadura militar (1964-1985), que é defendida por Bolsonaro. É o caso da professora Maria Inês: “Eu cresci no governo militar. Não tinha os problemas que temos hoje”.
Curiosamente, ela muito bem poderia ter sido contrária ao regime dos generais. Seu pai, Luis Fantinate, foi um dos fundadores do antigo e badalado restaurante Piantella, localizado na Asa Sul de Brasília, um reduto de políticos no passado – em especial, os da oposição aos governos militares.
O pai de Inês esteve à frente do restaurante entre 1977 a 1986, um período de muitas mudanças do país, da distensão do governo militar e da transição para a Nova República. Maria Inês ajudava o pai; ficava no caixa do Piantella. Por ali, passaram, Ulysses Guimarães (que tinha uma mesa cativa no restaurante), Teotônio Vilela, Roberto Freire, Miro Teixeira e outros opositores da ditadura. A articulação da campanha das Diretas Já teve capítulos dentro do restaurante. Por tudo isso, Luis Fantinate chegou a ser homenageado numa sessão na Câmara, numa iniciativa de Miro Teixeira, do velho e opositor MDB.
Mas nem isso a fez simpática à esquerda, associada à luta contra a ditadura. “Meu pai dizia que o regime não era problema para quem gostava de trabalhar. E dizia que nem viu a ditadura passar.” Aliás, das muitas histórias e lembranças que têm do lugar, a professora tem uma predileção ligada aos militares: um jantar oferecido a dona Dulce Figueiredo, ex-primeira-dama do país, casada com o último presidente-general, João Figueiredo. “Sempre tive uma admiração pela dona Dulce.”
Eleitoras não alimentam expectativas muito grandes na economia, mas tem esperança de mudanças na política
Bolsonaro, defensor dos militares, era a escolha natural de Maria Inês. “Tenho confiança no que ele fala. Nos passa sensação de segurança. Não ilude ninguém, não diz que será fácil governar. Como ele mesmo diz, apesar de ter o Messias no nome, não é um salvador da pátria. Ele sabe que vai pegar um bomba. É o homem certo na hora e no lugar certo”, diz a professora brasiliense.
A catarinense Giovana também é realista com suas expectativas a respeito de um governo Bolsonaro, especialmente em relação à possibilidade de o país voltar a crescer. “Independente de quem entrar como presidente, não vai mudar muita coisa na economia.”
Mas todas depositam suas esperanças numa mudança radical ao menos na política e no combate à corrupção. “Bolsonaro, hoje, é um dos poucos candidatos que não têm rabo preso com partidos. Juntar PMDB, PP, PSDB é a maior maracutaia que tem”, diz Giovana. “Ele pode ser o que for, mas não é um corrupto”, afirma Maria Inês.
A imagem de incorruptível não é fortemente abalada nem mesmo diante dos comportamentos questionáveis do candidato no trato do dinheiro público. Por exemplo: no caso do auxílio-moradia que ele recebia como deputado federal, apesar de ter imóvel próprio em Brasília. “Ele [Bolsonaro] disse: ‘Eu recebo auxílio-moradia porque é de lei’. Não tá errado, não. Quem tá errado é quem fez essa lei”, contemporiza Salambô Farias.
“Se a gente cavar de outros candidatos, vamos achar muito mais coisas”, afirma Giovana ao se referir à funcionária fantasma do gabinete de Bolsonaro na Câmara, a Wal do Açaí. “Não estou minimizando. Se teve imprudência e erro, tem que dar um jeito ali. Apesar de que ela se demitiu para não prejudicar ele.”
Metodologia da pesquisa citada na reportagem
A pesquisa Datafolha que mostra Bolsonaro à frente nas intenções de voto entre as mulheres ouviu 10.930 eleitores em 389 cidades do país na quarta (3) e quinta-feira (4). A margem de erro do levantamento, contratado pelo jornal Folha de S.Paulo e pela Rede Globo, é de dois pontos percentuais. O nível de confiança é de 95%.
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