Uma emenda aprovada pelo Congresso obrigará sites a suspender, sem decisão judicial, a publicação de conteúdo denunciado como “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato”.
O trecho da censura está na parte da reforma política que trata de propaganda eleitoral na internet por candidatos ou partidos.
Segundo o texto, a publicação deverá ser suspensa “em no máximo vinte quatro horas” após a denúncia feita por qualquer usuário de internet ou rede social em canais disponibilizados pelo provedor para esse fim.
A suspensão deve ocorrer, segundo o texto, “até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.
A proposta, aprovada nesta quinta (5), será enviada para avaliação de Michel Temer, que decidirá sobre a sanção do texto. O Planalto ainda não informou se o presidente pretende vetar algum ponto, incluindo, por exemplo, o da censura.
Verificação sobre autoria
O autor da emenda aprovada é o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Áureo (SD-RJ). Procurado pela Folha, ele disse que não se trata de uma censura, mas de uma medida para “evitar uma guerrilha com fakes”.
Na visão do deputado, o trecho obrigará que redes sociais, como o Facebook, por exemplo, façam uma verificação sobre a autoria de comentários feitos nas redes de candidatos. Ele argumenta que trechos caluniosos serão submetidos à análise da rede social, que terá um prazo de 24 horas para verificar se o perfil é verdadeiro ou falso. A eliminação das postagens, segundo ele, só ocorrerá se não for provada a autenticidade do autor.
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“A única coisa que a gente quer é que o Facebook tenha agilidade do que tem na lei”, afirma. “É um crime já [fazer comentários com perfis falsos]. Isso pode mudar o resultado de uma eleição. A diferença é que queremos agilidade porque se ficar provado que o autor não é verdadeiro, aí já passou o resultado das eleições”, diz o deputado.
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) criticou o texto aprovado. “Sob forma de censura e inócua. Ninguém controla internet. Precisamos aprender a viver num mundo em que a gente não controla”, disse.
Repercussão no Congresso
Relator da reforma política na Câmara, o deputado Vicente Cândido (SP) defendeu o artigo. Disse apenas que ele precisa ser usado com “lisura” e “decência”.
“A imprensa gosta da liberdade absoluta, que não existe no mundo. Liberdade existe com regra, com punição, com limites. As redes sociais hoje viraram uma faca de dois gumes, como diz, ela é boa para construir e boa pra destruir. Então temos que ter regramento. Não vejo nenhum problema dessa regra que votamos pela madrugada [na Câmara]. Só que precisa ser bem aplicada, com lisura e com decência.”
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que estuda ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) se o presidente Michel Temer não vetar o trecho que permite que conteúdo seja retirado do ar.
“No meu entender isso é censura clara. Isso é o preço de ter sido votada a matéria às pressas. Essa inobservância não apenas do Senado, mas também dos deputados que votaram na madrugada em relação a esse tema e ao crivo da própria imprensa. No meu entender essa matéria é flagrantemente inconstitucional”, disse.
Entidades criticam proposta e pressionam Temer
Entidades como ANJ (Associação Nacional de Jornais), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) criticaram a emenda que permite censura.
Para a ANJ, que repudiou a iniciativa em nota conjunta com a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas), “a medida aprovada pelo Congresso é claramente inconstitucional, por se tratar de censura”.
O Marco Civil da Internet, lembram as três organizações, prevê que suspensão ou retirada do ar de informações e opiniões só pode ocorrer mediante decisão judicial.
“As associações condenam o discurso do ódio e a disseminação de informações falsas, no ambiente da internet ou fora dele, mas assinalam que o combate a esses males só pode acontecer dentro da legalidade”, diz o texto.
A Abraji, em comunicado, afirmou que “o Brasil não vive o fantasma de práticas tão explícitas de censura desde o fim da ditadura militar”.
Para a associação, os termos da proposta abrem margem para que simpatizantes e apoiadores de uma candidatura denunciem as postagens em redes sociais de pessoas que apoiam adversários.
“Sites como o Facebook não teriam escolha senão suspender as postagens. O resultado seria um deserto informativo”, disse a Abraji.
Ao se manifestarem contra a medida, as entidades pressionaram o presidente Michel Temer a vetar o ponto da reforma que prevê a censura. O texto será enviado para a avaliação dele, que decidirá sobre a sanção integral ou com vetos.
ANJ, Abert e Aner disseram esperar que o presidente, ao impedir a autorização para suspensão de conteúdo, “restabeleça a plena liberdade de expressão” no país.
A Abraji, que considera a aprovação do dispositivo “uma grave ameaça ao regime democrático”, diz que somente o veto “pode garantir a liberdade de expressão na internet no pleito de 2018”.
O Palácio do Planalto ainda não se manifestou se o presidente pretende vetar algum item da proposta, incluindo, por exemplo, o da censura.
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