Uma ideia de que deu errado no passado – e que tem como risco elevar a inflação – será implementada de novo na economia brasileira se o presidente eleito for o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT).
O professor Nelson Marconi, um dos economistas que estão ajudando o presidenciável a fazer seu plano de governo, tem defendido uma desvalorização do real perante o dólar, para ajudar a indústria brasileira a exportar. Mas a proposta tem grandes riscos: pode resultar em aumento dos preços e da taxa de juros e, mesmo assim, não resultar em geração de empregos e aumento de produção nas indústrias.
Como reflexo, a política econômica de Ciro Gomes (que se coloca como uma opção eleitoral à esquerda e flerta com alas do PT), ainda pode ajudar um segmento que eles próprios mais criticam: os investidores, rentistas e especuladores. “O Banco Central teria de fazer uma maxidesvalorização. Fica lindo para quem quer apostar contra no mercado financeiro”, avalia o analista de investimentos Ricardo Schweitzer.
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Desvalorização de até R$ 0,70 numa canetada
Em entrevistas recentes, Nelson Marconi (que é diretor da Associação Keynesiana Brasileira e doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas) afirmou que avalia que, se o dólar estiver cotado entre R$ 3,80 e R$ 4,00, a indústria nacional teria uma margem de lucro que a tornaria mais competitiva, ajudando nas exportações. Atualmente, a cotação do dólar comercial, usado em importações e exportações, gira em torno de R$ 3,30. Ou seja, um eventual governo Ciro desvalorizaria o dólar de R$ 0,50 a R$ 0,70 numa canetada.
A ideia é ainda mais questionável por surgir em um momento que as contas externas brasileiras estão em balanço favorável, com exportações superando as importações em R$ 64 bilhões este ano, e com forte entrada de investimento internacional no Brasil (chegando a quase 4% do PIB).
A própria equipe de Ciro admite que a medida iria aumentar a inflação
Essa mudança não é trivial. Ao escolher controlar o câmbio, o governo abre mão de ter como principal âncora para conter a inflação a taxa de juros, modelo que foi adotado na criação do Plano Real. Nessa formulação, o câmbio é flutuante e segue as leis da oferta e demanda internacionais, enquanto o governo pode aumentar ou elevar a taxa de juros, emitindo títulos da dívida pública, para controlar a inflação.
Nelson Marconi admite que a desvalorização artificial do real nesse patamar geraria inflação, que nos cálculos dele seria em torno de 1% acima da taxa atual. Mas economistas questionam se é apenas esse o impacto inflacionário que a medida teria e apontam para o risco de perda do controle da escalada dos preços, o que prejudicaria principalmente os mais pobres.
“Teria de ter juro mais alto, pois a inflação tenderia a subir, e uma política fiscal dura, que é difícil de acontecer no Brasil”, afirma o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Simão Silber.
O professor avalia que a desvalorização cambial pode ser uma medida positiva, mas tem de ser acompanhada por um conjunto de outras ações, como ajuste dos gastos do governo, melhorias em infraestrutura e um programa ambicioso de privatizações. “Não dá para pensar que a única coisa do problema brasileiro é o câmbio. Não pode ser visto como uma panaceia para resolver os problemas”, avalia Silber.
Porém, tanto Ciro como seus economistas afirmam serem contra a privatização de áreas que eles consideram estratégicas, como eletricidade e petróleo. Ou seja, nada de diluir o controle da União na Eletrobras – como o governo de Michel Temer planeja fazer este ano – ou privatizar a Petrobras.
Ciro e sua equipe são adeptos do desenvolvimentismo, modelo que deu errado no passado
Além de Nelson Marconi, Ciro Gomes escalou para sua equipe econômica o economista e filósofo Roberto Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard (EUA) e ex-ministro de Assuntos Estratégicos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e o economista Mauro Benevides Filho, secretário de Fazenda do estado do Ceará.
Todos eles são defensores de uma visão desenvolvimentista para a economia, que se baseia na concepção de que o Estado deve ser um dos principais agentes de promoção do crescimento econômico, por meio de seus gastos e dos investimentos em empresas estatais. Eles também defendem que a gestão de áreas como energia deve ser do governo, para preservar a soberania nacional. Durante as décadas de 1970 e 1980, algumas políticas desenvolvimentistas foram aplicados no Brasil, inclusive no controle cambial.
O analista financeiro Ricardo Schweitzer afirma que modelos similares deram errado naquele período.“É um discurso antigo. É da mesma linhagem de todos os planos maravilhosos que tivemos antes do Plano Real, em todo aquele período de hiperinflação, em que se tinha mil e uma maluquices de política cambial e industrial. É a ideia de que você tem um Estado diretor da economia, responsável por comandar a economia com uma indústria forte, em setores estratégicos, favorecendo setores da economia com um câmbio desvalorizado. Usamos isso no século 20. Chegamos a ter três, quatro taxas de câmbio. Fica uma zona”, avalia o especialista.
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Sem corte de gastos públicos, difícil de ser feito, ideia de Ciro vai naufragar
Outro ponto defendido pelo economista da campanha de Ciro Gomes é o corte de gastos públicos, o ajuste fiscal. Mas no Brasil, a necessidade de angariar apoio político de partidos no Congresso pode dificultar a redução dos gastos.
O novo tripé econômico proposto pelos estrategistas de Ciro pode ir por água abaixo sem corte de gastos (o que na visão de Marconi ajudaria a reduzir o custo da dívida pública para o governo e seria fundamental para constituir reservas que permitiriam ao governo comprar ou vender dólares para atuar no controle da cotação cambial).
“[A desvalorização cambial] não pode ser feita chutando o pau da barraca. Em que contexto seria palatável? No qual o país estivesse em uma política de abertura da economia. Com um programa gradual, de redução de impostos de importação. Isso por si só já acaba depreciando o câmbio. Com mais gente querendo importar, o preço do dólar aumenta. Mas isso é um processo gradual, esquematizado. No momento atual, essa abertura teria de vir em acordos regionais. Mas isso demora, não se abre amanhã as portas para a importação. Tem de fazer uma séria de reformas internas, em infraestrutura, tem de ter reforma tributária. Dentro desse contexto, acho que faz sentido”, avalia Silber.
As propostas da equipe de Ciro Gomes ainda trariam outros efeitos danosos para os brasileiros, como o encarecimento de produtos importados fabricados no Brasil que dependam de partes ou de matérias-primas importadas, sem contar a redução da credibilidade do país no mercado internacional, reduzindo o fluxo de investimentos.
“Ele [Ciro] diz que vai desvalorizar o câmbio para favorecer a indústria nacional. Mas aí ele prejudica o importador e todo o consumo doméstico. Você tem uma transferência de renda de todos que produzem e consomem domesticamente, pois o valor da produção em moeda forte acaba se desvalorizando, e isso é transferido aos exportadores. O valor do nosso trabalho é reduzido em favor da indústria. Isso tem um efeito de inflação. Marconi afirma que esse impacto inflacionário é de 1%, mas não acredito nisso”, afirma Schweitzer.
Ciro faz críticas a Dilma, mas adota princípios e propostas parecidos com as políticas da petista
Apesar de se declarar um “desenvolvimentista sem medo de ser feliz”, segundo entrevista concedida à Folha de S.Paulo, Marconi criticou medidas do governo Dilma Rousseff. Ele afirmou que o mercado foi “negligenciado” nos últimos anos e que Dilma cometeu erros.
Por outro lado, em um aceno para agradar alas da esquerda, Marconi afirmou ser favorável à tributação sobre herança e sobre lucros e dividendos.
Segundo Schweitzer, propostas na linha da equipe econômica de Ciro Gomes têm grande apelo popular entre alguns grupos, mas apresentam soluções apenas de curto prazo e trarão problemas no futuro. “Essa visão acaba sendo muito atrativa para a classe política. Sempre oferece uma solução de curto prazo, como para gerar empregos, dizer que fizemos algo agora, para ganhar a eleição no ano que vem. Eles prometem o milagre e o efeito de longo prazo fica na mão do coitado que estiver na cadeira quando a bomba estourar. O tempo da economia é diferente do tempo da política”, conclui o analista de investimentos.
Nelson Marconi esclarece sua visão sobre economia
Procurado pela Gazeta do Povo, Nelson Marconi explicou sua visão sobre o tema em nota, que reproduzimos na íntegra abaixo. Para ele, é importante que as indústrias exportadoras brasileiras tenham a mesma margem de lucro que suas concorrentes internacionais:
“A história ensinou que exportar bens industrializados é fator chave para o avanço tecnológico e o alcance do nível de renda per capita dos países mais ricos. Além de estimular a criação de empregos, a produção de bens industrializados destinados ao mercado externo gera inovações e leva outras empresas, mesmo as que só vendem no mercado interno, a se modernizarem para continuar competindo e ofertando bens e serviços com a mesma qualidade que os exportadores, porque os consumidores começam a notar as diferenças. Esse processo de modernização, associado à crescente produção, estimula o crescimento e o enriquecimento das economias. A ampla maioria dos países ricos possui uma pauta de exportações bastante concentrada em manufaturados. Por que não seguir o mesmo rumo, então?
Para os empresários investirem em estratégias direcionadas às vendas no mercado externo, é fundamental que haja estabilidade nas previsões sobre seus ganhos futuros oriundos das exportações. O sinal de que um empresário é competitivo no exterior é a equalização de sua margem de lucro com a observada para seus concorrentes. E uma variável que influi fortemente sobre essa equalização é a taxa de câmbio. Os empresários têm que acreditar que o nível dessa taxa, sobre a qual o BACEN (Banco Central) intervém atuando no mercado de divisas e futuro, não cerceará a sua competitividade e rentabilidade nas vendas ao exterior. O nível da taxa de câmbio também deve contribuir para evitar as importações que só ocorrem quando a moeda se encontra valorizada (não se trata de defender uma economia fechada, mas de impedir um cenário em que a nossa indústria, por mais competitiva que fosse, não conseguisse concorrer).
Uma valorização de nossa moeda neutraliza rapidamente um ganho de produtividade que pode ter demorado anos para ocorrer. Por isso não se pode brincar com a taxa de câmbio, e deve-se administrá-la de forma a garantir a competitividade de exportadores e mesmo daqueles que só atuam no mercado interno e concorrem com os importados. A previsibilidade nos ganhos leva os empresários a ampliarem a produção, seus investimentos e os empregos; garantir a viabilidade dessa estratégia será um componente muito importante da retomada consistente do crescimento econômico da economia brasileira. À medida que os investimentos forem reaparecendo, a produtividade se elevará e o próprio nível necessário da taxa de câmbio para tornar o país competitivo será cada vez menor”.
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