As novas regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre propaganda eleitoral na internet proíbem a utilização, por parte de candidaturas, do uso de perfis falsos e robôs nas redes sociais. Mas um levantamento apresentado no último dia 3 identificou mais de um milhão de robôs seguindo os pré-candidatos à Presidência da República no Twitter. Em muitos casos, os robôs seguem mais de um presidenciável simultaneamente. Entre mais seguidos estão Alvaro Dias (Podemos), com 64,3% dos seus seguidores sendo potencialmente robôs; Geraldo Alckmin (PSDB), com 45,8%; e Fernando Collor (PTC), com 40,7%.
Os dados são do relatório “Bots ou não? Um estudo preliminar sobre o perfil dos seguidores dos pré-candidatos à presidência da República no Twitter”, produzido pelo InternetLab, centro de pesquisa independente em direito e tecnologia. O estudo informa, porém, que não é possível afirmar se houve compra de perfis por parte das equipes dos pré-candidatos. E que algumas limitações foram identificadas ao longo do levantamento estatístico, a partir da metodologia aplicada, que podem alterar de alguma forma o resultado final.
Os bots são um tipo específico de programa de computador que desenvolve atividades de forma autônoma, a partir de algoritmos. Nas redes sociais, podem ser usados em chats e para automatizar contas e perfis, incluindo os chamados perfis fakes. Isso faz com que os robôs ajam como usuários comuns, e aumentem a quantidade de seguidores de determinados perfis. Eles também são capazes de fomentar discussões e levar assuntos aos trending topics do Twitter, por exemplo, ajudando na disseminação de temas ou discussões que interessem a determinada candidatura – ou, ainda, na propagação das famigeradas fake news.
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Como foi feito o levantamento
Para fazer a análise, os pesquisadores usaram o “Botometer”, tecnologia que, por meio de inteligência artificial, calcula a probabilidade de um perfil ser totalmente automatizado. Desenvolvido pela Universidade de Indiana (EUA), o algoritmo usa características diferentes para classificar se um perfil da rede é ou não bot. A taxa de acerto do Botometer é de 86%, informa o relatório. Os casos que podem gerar erros da ferramenta, explica a pesquisa, são os perfis dúbios, em que as características de bots ou de humanos não ficam claras.
Com o Botometer, os pesquisadores coletaram dados dos perfis do twitter dos pré-candidatos à Presidência da República entre os dias 4 e 28 de junho. Para usar de parâmetro, incluíram o perfil do chef de cozinha Michael Symon, que admitiu a compra de seguidores em reportagem do jornal New York Times.
E conseguiram identificar, por exemplo, que o comportamento de novos seguidores do perfil de Alvaro Dias durante o período avaliado se assemelhava ao observado na conta de Symon. Por amostragem, informa Lucas Lago, um dos autores do relatório , a pesquisa avaliou 22 mil perfis que seguem o candidato. “[Identificamos que] todos os novos seguidores dele [Alvaro] em um certo período eram bots. A gente percebeu isso também em uma outra contra, a do Michael Symon. Verificamos que o padrão da conta dele apareceu na do Alvaro”, detalha Lago.
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Em post no Facebook, a comunicação de Alvaro Dias questiona o relatório, citando o fato de que apenas 5,5% dos 409 mil seguidores do senador e pré-candidato foram avaliados. A equipe do presidenciável lembra que o próprio levantamento informa ser impossível afirmar se houve compra de seguidores pelos presidenciáveis ou pelas empresas de marketing que trabalham para eles. Ela também afirma desconhecer qualquer compra de perfil feita pela equipe ligada ao presidenciável. O texto da equipe de Alvaro cita ainda o que a pesquisa chama de “anomalias estatísticas”, que podem representar algum tipo de alteração no resultado final.
A partir das informações disponibilizadas pelo Twitter e com o Botometer, o relatório desenvolveu um sistema que permitiu levantar o identificador de todos os usuários que seguem os presidenciáveis. Para cada perfil analisado, a pesquisa extraiu uma amostra aleatória com perfis ativos (com pelo menos uma postagem) e não bloqueados (acessíveis por qualquer um).
Os perfis pesquisados foram dos pré-candidatos Alvaro Dias, Alckmin, Fernando Collor, Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (Psol), Lula e Jaques Wagner (PT), Manuela D’Ávila (PCdoB), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoedo (Novo), Flavio Rocha (PRB), Rodrigo Maia (DEM), Paulo Rabelo (PSC) e Adilson Barroso (Patriota).
INFOGRÁFICO: Veja o número de robôs que seguem cada um dos pré-candidatos
O poder dos robôs em influenciar o debate eleitoral
“Vejo que os efeitos que podemos prever no uso dessa tecnologia [os robôs] envolvem o direcionamento do posicionamento do eleitor”, afirma Cristina Pastore, professora da Escola de Negócios da PUC-PR. Ao considerar que o público do Twitter, de forma geral, é jovem e que, no Brasil, ele ainda é pouco engajado politicamente, a especialista entende que a quantidade de seguidores ou de interações no perfil de um determinado candidato pode impressionar ou dar a impressão de que se trata do nome provável a ser eleito.
“O conceito psicológico da heurística, ou informações que funcionam como atalhos mentais, pode explicar como acontece a atribuição de significado. A partir deste viés, o eleitor pode julgar de forma mais favorável as propostas do candidato, por exemplo, uma vez que já o rotulou como favorito”, aponta.
Lago também entende que, de modo geral, a busca por mais seguidores pode ter como meta validar determinado perfil como alguém relevante – no caso de um pré-candidato, alguém fundamental para o debate eleitoral. Outra ideia está na potencialização do discurso. “Quando você fala alguma coisa, se vários bots retuitarem isso ou usarem uma mesma hashtag, isso gera certa projeção no Twitter, e pode conseguir [chegar aos] trending topics.”
Assim, diante do mar de links, tuítes, retuítes e mensagens diversas via redes sociais em período eleitoral, o sinal de alerta precisa estar ligado o tempo todo. “Minha recomendação aos eleitores é que busquem fontes confiáveis e procurem não se deixar envolver tão emocionalmente por conteúdos em redes sociais”, sugere Cristina.
Ela entende como fundamental que o eleitor se alimente de veículos de informação com credibilidade, e que se posicione, confronte opiniões e investigue se fatos relatados em mensagens e sites ocorreram de fato. “Não estamos falando de celebridades em busca de seguidores para se tornar famosos; estamos falando de possíveis deputados, senadores e presidente decidindo o futuro de nosso país por quatro anos”.
Estudo do Departamento de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) divulgado em agosto do ano passado apontou que o uso de contas automatizadas se converteu em uma “potencial ferramenta para a manipulação de debates nas redes sociais, em especial em momentos de relevância política”. Segundo a análise, “ao interferir em debates em desenvolvimento nas redes sociais, robôs estão atingindo diretamente os processos políticos e democráticos através da influência da opinião pública”.
Durante as eleições de 2014, o levantamento analisou tuítes sobre o debate eleitoral entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), e identificou grande hostilidade nas conversas. Segundo a análise da FGV, os bots foram culpados por grande parte do comportamento hostil: contas falsas e robôs chegaram a motivar 11,34% das discussões.
Nem todo perfil automatizado é falso
Comprar perfis é algo relativamente simples. Uma busca na internet gera uma série de sites que anunciam a venda, alguns até com cupons de desconto e oferta de “plano de seguidores no twitter”. Mas os bots não são necessariamente perfis “do mal” usados apenas para inflar o número de seguidores de um usuário da rede ou mascarar algum outro tipo de informação.
Muitos dos perfis automatizados são utilizados para gerar informações automáticas ou mesmo para entretenimento. Lago lembra que nem todo bot é um perfil falso. Alguns, como o Fátima, ou @fatimabot, da agência Aos Fatos, e o @ruibarbot, do Jota, que informa sobre atrasos em processo no judiciário, são usuários automatizados e enviam informações úteis aos usuários no Twitter.
O Twitter permite a criação de perfis automatizados. Na página dedicada às regras de automação, o microblog deixa claro que é permitido rodar campanhas que respondam automaticamente aos usuários que interagirem com o conteúdo oferecido. Mas proíbe o abuso e a violação à privacidade do usuário, o envio de spams e mensagens não solicitadas por usuários da rede. Consultado pela reportagem, o Twitter informou que não comenta pesquisas produzidas por outras instituições.
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O problema está no bot cuja intenção não é necessariamente informar. “É um pouco difícil dizer exatamente [como eles atuam], mas existem vários robôs no Twitter que vão te seguir se você usar uma hashtag específica, por exemplo”, explica Lago. “Quando você vê algumas hashtags nos trending topics, se você usa uma delas, pode ser que um robô venha a seguir você.”
Um bot pode, por exemplo, seguir três mil pessoas no Twitter, com apenas uma delas tendo pago para ser seguida. Com isso, o robô vai retuitar todo o conteúdo gerado no microblog pelo usuário que pagou pelo serviço. Os outros perfis, o bot segue aleatoriamente. “É uma forma de mascarar essa compra e até de [fazer ] o Twitter não perceber quem é bot. É uma forma de gerar um comportamento mais humano”, esclarece. O especialista explica ainda que alguns deles podem estar programados para varrer a rede social e encontrar palavras-chaves e assim seguir determinados usuários.
O risco de uma conta real no Twitter virar um bot é raro, mas pode ocorrer. “Isso pode acontece se em algum momento você deu autorização para algum aplicativo ou site seguir pessoas em seu nome”, explica Lago. Algo assim poderia ocorrer se houvesse um caso semelhante como o da Cambridge Analytica que, por meio de um aplicativo de teste de personalidade no Facebook, varreu informações do perfil de quem fez download do app e da lista dos amigos do dono do perfil. “Não dá para vender o ato de seguir alguém”, diz Lago.