A recente contratação pelo ex-presidente Lula (PT) do advogado Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi atribuída nos bastidores ao bom trânsito que o novo defensor do petista tem nos tribunais de Brasília. Sob a iminente ameaça de ser preso e de ter sua candidatura presidencial barrada, Lula teria apostado nas boas relações de um “figurão” do mundo jurídico para tentar reverter sua situação desfavorável. Mas, na primeira vez que o suposto poder de influência de Sepúlveda foi testado, o resultado foi negativo para Lula.
A 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou nesta terça-feira (6) o habeas corpus preventivo pedido por Lula para que não seja preso por causa de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) no processo do tríplex.
Durante o julgamento no STJ, os ministros da 5.ª Turma fizeram questão de elogiar Sepúlveda, demonstrando o respeito que têm pelo ex-ministro do STF. Contudo, o placar – 5 a 0 contra o habeas corpus – mostrou que deferência não implica voto a favor.
Influência de figurões do mundo jurídico ocorre em outro patamar: abrir portas e ser ouvido de fato
Professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Estudos Justiça e Sociedade da instituição, Michael Mohallem afirma que a relação de proximidade ou de respeito de juízes em relação a um advogado não necessariamente vai interferir na decisão em si dos magistrados. Mas há outro tipo de influência envolvida.
“Os grandes criminalistas e juristas do país não cobram tanto [dinheiro de seus clientes] só pelas suas qualidades técnicas, mas também pela possibilidade de abrir portas nos tribunais e de serem ouvidos de fato pelos ministros [das cortes superiores]”, diz Mohallem. “Quem contrata seus serviços contrata também a capacidade que esse advogado tem de ser recebido na antessala dos gabinetes dos ministros.”
Mohallem afirma que, no caso de Sepúlveda, o fato de ele ter integrado o STF (de 1989 a 2007), chegando a presidir a Suprema Corte, pode facilitar o contato com os atuais ministros do Supremo ou os do STJ para expor seus argumentos na defesa de Lula. “E isso ocorre pela deferência ao nome dele, por respeito, por Sepúlveda ter sido um colega”, diz. “São fatos da sociologia do Direito. Não está na lei, mas acontece assim.”
As novas batalhas de Sepúlveda: habeas corpus no STF e reversão da inelegibilidade de Lula
O professor da FGV Direito afirma ainda que a contratação de Sepúlveda é um claro sinal de que a estratégia de defesa de Lula mudou. A linha de defesa de confrontação com o Judiciário – e especialmente com Sergio Moro – conseguiu pautar a discussão pública sobre a suposta parcialidade do juiz da Lava Jato. Mas não surtiu os efeitos desejados na Justiça e o ex-presidente foi condenado. “O Sepúlveda entra na defesa de Lula para ser ouvido de fato pelos ministros e para romper a antipatia da Justiça.”
Sepúlveda ainda terá chance de mostrar sua influência no julgamento do pedido de habeas corpus de Lula protocolado no STF. Além disso, seu novo defensor também tentará emplacar um recurso para reverter a inelegibilidade do ex-presidente após a condenação no TRF-4 (Sepúlveda também integrou o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE).
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Outra possibilidade é que Sepúlveda possa vir a ter voz num debate sobre temas que venham a influenciar decisões futuras relacionadas com o caso de Lula, como a revisão das prisões após condenação em segunda instância e de determinados pontos da Lei da Ficha Limpa.
Sepúlveda inclusive, no julgamento do STJ, já deixou claro que irá tentar influir na discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância, permitida pelo Supremo desde 2016. “A súmula do TRF [que condenou Lula] faz compulsiva essa execução antecipada da decisão condenatória. (...) [Mas no STF] se estabeleceu não a compulsoriedade dessa decisão condenatória, mas apenas a sua mera possibilidade”, disse Sepúlveda.
O advogado de Lula focou sua defesa na tese de que os ministros precisam valorizar a presunção da inocência. “O que se pretende é a reafirmação do princípio constitucional básico da presunção da inocência, que serve e protege qualquer cidadão, tenha ele exercido a Presidência da República ou qualquer outra função”, afirmou Sepúlveda.
“Não muda nada”, diz advogado sobre a contratação de Sepúlveda
Advogado que já teve atuação no STF, Antonio Carlos Ferreira acredita que a contratação de Sepúlveda não vai ajudar a “salvar” Lula. “Acho que não muda nada”, diz.
Ferreira afirma que os ministros do STF ou do STJ até podem receber Sepúlveda para conversar. “Mas não tem mais como questionar as provas [do caso do tríplex]. A questão agora é processual”, afirma o advogado. Ou seja, apenas erros processuais podem vir a ser questionados pela defesa do ex-presidente. E, para ele, os ministros não vão mudar seu voto apenas pela proximidade e respeito que possam vir a ter com o novo advogado de Lula. “Ele [Sepúlveda] não vota.”
Tráfico de influência nos tribunais superiores. Será?
Durante o julgamento do habeas corpus de Lula no STJ, Sepúlveda Pertence aproveitou para rechaçar a acusação de que teria sido contratado pelo ex-presidente para exercer tráfico de influência nas cortes superiores.
“A essa afirmação de que estaria exercendo tráfico de influência junto aos ministros deste [STJ] e do Supremo Tribunal Federal, eu respondo com a reputação firmada em 57 anos de atuação em Brasília, como advogado membro do Ministério Público e magistrado da Suprema Corte”, afirmou Sepúlveda. Ele destacou ainda que não visita o Supremo “há tempos”.
O próprio Sepúlveda já havia reconhecido em 2015 que a proximidade que teve com os demais ministros do STF, enquanto esteve na Corte, não se traduzia em relação pessoal e que mesmo as discussões jurídicas eram raras fora do plenário.
“Éramos onze ilhas incomunicáveis, um arquipélago de onze ilhas incomunicáveis. Realmente, na maior parte dos dezoito anos que passei [no STF], as relações pessoais eram extremamente raras. Acontecia de em certos acontecimentos sociais se encontrarem vários ministros, e aí o senso corporativo funcionava muito para que ficassem todos reunidos. (...) Mas a convivência pessoal era raríssima”, disse Sepúlveda numa entrevista à publicação História Oral do Supremo (1988-2013), editada pela FGV em 2015.
Nessa mesma entrevista, Sepúlveda diz que dificilmente os ministros do STF se reuniam antes das sessões para discutir previamente, sem entrar no mérito dos processos, pontos do julgamento.
O que diz a legislação sobre a proximidade de advogados e juízes?
A Lei Orgânica da Magistratura não proíbe a proximidade entre advogados e juízes. Mas determina que eles não podem ter relação de amizade ou de inimizade entre si. Em princípio, esse não é o caso de Sepúlveda Pertence em relação aos demais ministros do STF e do STJ.
Contudo, magistrados eventualmente podem se declarar impedidos de julgar casos que tenham como advogados pessoas que foram próximas a eles.
Nos bastidores, especula-se que a contratação de Sepúlveda possa vir a pressionar a atual presidente do STF, Cármen Lúcia, a se declarar impedida de participar de julgamentos de Lula. Isso porque ela é prima de terceiro grau do novo advogado do ex-presidente.
Cármen tem sido uma ministra especialmente crítica em relação a casos de corrupção. Já afirmou que pautar a rediscussão sobre a prisão após a condenação na segunda instância apenas por causa de Lula seria “apequenar” o Supremo. E, na abertura do ano judiciário, no início de fevereiro, alfinetou a defesa do ex-presidente ao afirmar que “é inadmissível e inaceitável desacatar a Justiça”.