O estado de conservação das rodovias federais piorou neste ano: 23.467 mil quilômetros da malha rodoviária do país, ou 41% do total analisado, receberam as classificações “regular”, “ruim” ou “péssimo” em levantamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). E o Brasil está longe de conseguir virar o jogo da qualidade das estradas. Os investimentos são insuficientes até para manter as rodovias existentes.
Esse será um dos desafios do próximo presidente na área de infraestrutura. Com pouco dinheiro e um orçamento apertado, ele terá de criar formas de expandir a malha e manter as rodovias que já existem. A retomada de obras paradas também será um desafio.
O levantamento do DNIT mostra que, do total de 57,3 mil quilômetros de rodovias federais, 59% receberam avaliação boa dentro do Índice de Condição da Manutenção (ICM). Do total, 18% das rodovias estão em estado regular, 10% são consideradas ruins e 13%, péssimas. No levantamento anterior, do primeiro trimestre de 2017, 67,5% das rodovias estavam em bom estado; 21%, regular; 7%, ruim; e 5%, péssimo.
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O DNIT diz que a piora na qualidade da malha rodoviária é reflexo da queda nos recursos que o Ministério dos Transportes destina ao setor, que caíram 28% em quatro anos, passando de R$ 9,66 bilhões entre 2011 e 2014 para R$ 6,97 bilhões de 2015 a 2018. Como resultado, recursos para manutenção e conservação das rodovias foram reduzidos em 22%.
Se falta dinheiro até para manter as vias existentes, a expansão acaba ficando para depois, apesar de este ser o modal que mais transporta cargas no país, com fatia de 65% do total.
As propostas dos candidatos
O plano de governo de Jair Bolsonaro (PSL) lista os problemas no setor de transportes e afirma que os investimentos devem ser aumentados. Porém, não são listadas as prioridades, apenas os problemas. Também não fica claro o modelo de financiamento, se seria através de leilões para a concessão à iniciativa privada, com pagamento de pedágios, ou mantendo grande fatia de investimentos públicos no setor.
O candidato tenta dar atenção ao assunto e colocará a infraestrutura em destaque, criando um superministério unificando as atuais estruturas do Ministério dos Transportes e do Ministério de Minas e Energia. Para comandar a pasta, especula-se que será escalado o general da reserva Oswaldo Ferreira, um especialista em construção de rodovias e que comandou operações para garantir obras em áreas de difícil acesso.
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Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Ferreira foca muito suas propostas na área de rodovias. Diz que o atual orçamento desse setor é baixo e defende a concessão de obras para a iniciativa privada.
O plano de Fernando Haddad (PT) é mais completo e fala em dar prioridade ao investimento em transportes “limpos”, como ferrovias e hidrovias. As diretrizes de um governo petista nessa área falam claramente em aumentar as parcerias com a iniciativa privada: “Expandir a parceria com o setor privado com foco no usuário, por meio de medidas como o aperfeiçoamento dos marcos regulatórios da área de transporte e do mercado privado de crédito de longo prazo, para ampliar a infraestrutura com modicidade tarifária”.
Porém, o plano também fala em manter as estruturas de governo fortes. “Fortalecer as instituições federais para retomar as funções de planejamento e de regulação, aperfeiçoando o aparato de gestão na área de transporte que compõe o Sistema Nacional de Transporte (DNIT, VALEC, EPL etc.) e construindo um novo modelo para a INFRAERO, as Companhias de Docas e o setor aquaviário”, aponta o plano petista.
Falta investimento
O Banco Mundial aponta que a lacuna de investimento no setor de infraestrutura de transportes (incluindo outros modais) é de 1,91% do PIB do país. “O Brasil investiu menos de um terço do que seria exigido nessa área ao longo dos últimos anos, e o investimento reduziu-se a 0,54% do PIB em 2015”, aponta a entidade no estudo “De volta ao planejamento: como preencher a lacuna de infraestrutura no Brasil em tempos de austeridade”, de 2017.
Para suprir a lacuna de investimentos nesse setor, o Banco Mundial aponta a necessidade de aportes de US$ 352 bilhões em dez anos, o que demandaria um aumento de US$ 235 bilhões no nível de investimento realizado nos últimos anos. Entre 2006 e 2015, o investimento em transportes ficou próximo a US$ 118 bilhões, segundo a entidade, a preços corrigidos para valores de 2015.
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Outro problema são as obras paradas. Apenas para retomar as 173 obras de rodovias que estão inacabadas seriam necessários investimentos de R$ 8 bilhões, de acordo com levantamento divulgado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Com baixo investimento e sem a manutenção adequada sequer para manter a qualidade da malha, aumentam os custos para o setor produtivo, o que se reflete em menos negócios no Brasil e no chamado “custo Brasil”. O grupo de estudos do setor de infraesturura Projeto Infra 2038 avalia que os custos logísticos representam 11,6% do PIB no Brasil, contra 8,7% nos Estados Unidos.
Uma redução pequena no custo que os transportes têm para o setor produtivo teria grande impacto na geração de negócios. Uma redução de 1% no custo de transporte aumentaria as exportações em quase 5% para os produtos agrícolas, em 4% para a indústria e em 1% para a mineração, segundo o Infra 2038.
A situação das estradas e rodovias brasileiras também é pior do que a de outros países com o mesmo nível de desenvolvimento. Dados apresentados pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) creditados ao Fórum Econômico Mundial listam o Brasil na 103.ª posição em ranking de qualidade das estradas, em um grupo de 137 países analisados em 2017.
“Tais posições são incompatíveis com o tamanho da economia brasileira e, principalmente, com sua arrecadação pública”, destaca a ABCR.
Problemas e soluções
Os concessionários rodoviários listam a falta de parcerias público-privadas e privatizações no setor como um dos entraves para a expansão da malha rodoviária.
“Por que o país continua a mercê de visões corporativistas e equivocadas? Por que os programas de concessão de rodovias não são uma política permanente de estado, deixando de ser ferramenta para uso político e circunstancial de governos? O fato é que, tecnicamente, estamos regredindo em infraestrutura logística. Ou assumimos de vez que o setor privado é o parceiro para reverter esse quadro dramático, desenvolvendo rodovias mais seguras e eficientes, ou continuaremos com perdas econômicas e de vidas nas estradas deste país”, afirma a entidade, em relatório divulgado em setembro deste ano.
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O projeto Infra 2038 lista três principais problemas para a expansão do setor de transportes: a estagnação do investimento devido a dificuldade em avançar ou finalizar o processo de concessões; a ineficiências na contratação e execução de obras, com alocação inadequada de riscos entre público e privado nos contratos de concessões ou de obras; e o uso ineficiente das rodovias, que deveriam ser substituídas por ferrovias, por exemplo, em transportes de longa distância.
Como soluções, o Infra 2038 sugere medidas que facilitem a concessão das rodovias ao setor privado.
“A revisão da lei de licitações (8.666/93) se encontra em discussão no Congresso Nacional e é imperativo que fortaleça a transparência, mas que inclua mecanismos modernos de contratação que permitam considerar não apenas o custo, mas a qualidade dos projetos e dos oferentes. No aspecto de contratos, é essencial o equilíbrio de riscos adequados especialmente os relacionados à demanda e aspectos socioambientais, nem sempre possíveis de transferir ao privado”, afirma o grupo.
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