O real impacto da estratégia petista de esticar a corda e insistir no nome de Lula na chapa presidencial ainda não pode ser medido. Mas já se sabe que as consequências vão além das eleições e atingirão diretamente o partido e a presidente da legenda Gleisi Hoffmann.
A senadora foi, a todo instante, a mais aguerrida defensora da manutenção da candidatura de Lula até o último minuto. Como todos os demais, até mesmo Fernando Haddad que, na terça-feira (11), assumiu a cabeça da chapa. Contudo, por ela, o PT teria descumprido a ordem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, ao barrar a candidatura do ex-presidente em 1º de setembro, determinou que a troca ocorresse em 10 dias.
Foi essa insistência dela que levou ao atraso de quase três horas, na terça, no anúncio oficial da troca da chapa à militância, que aguardava desde cedo em frente a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso.
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O imbróglio que desencadeou no atraso começou por volta do meio-dia, quando lideranças petistas se reuniram em um hotel no centro de Curitiba. Publicamente, eles aprovaram a substituição de Lula pelo ex-prefeito de São Paulo. Contudo esse aval já havia sido dado pelo ex-presidente que é, na verdade, quem dá as cartas no partido. O encontro serviu para que Haddad e Gleisi, que estiveram na PF na segunda (10) e naquela manhã, dessem alguns recados do ex-presidente aos demais correligionários.
A Gazeta do Povo falou com pessoas que acompanharam, se não toda a reunião, ao menos parte dela. Os relatos são unânimes: há clara divergência entre os dois. Houve um momento de maior tensão, quando a presidente do PT sugeriu que o partido descumprisse a ordem do TSE de substituir o ex-presidente e seguisse até o fim com recursos, "afinal tem a ONU", em referência à recomendação do Comitê de Direitos Humanos da entidade para que Lula pudesse se candidatar e fazer campanha.
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Haddad, advogado por formação, apoiado por outros nomes presentes na reunião, retrucou trazendo a discussão para o Judiciário brasileiro, lembrando que a decisão da ONU não foi considerada suficiente pelas Cortes até o momento.
"Ele, com aquele jeito calmo, mas muito seguro e formal de falar, defendeu o Lula, disse que os recursos para libertá-lo precisavam continuar, mas que o projeto eleitoral do partido, a legenda como um todo, não poderia ser colocada em xeque", contou um dos presentes.
"Todos queremos salvar o Lula. Mas o PT é maior que isso, precisa ser. Se não é, tem que se tornar. Precisamos nos erguer nessa eleição, ou não sei como será. Tem que haver um limite", desabafou um dirigente petista.
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Passado esse momento, Gleisi e Haddad voltaram para a PF. O ex-prefeito de São Paulo chegou a se reunir com Lula. Mas esperaram, por ideia da presidente do partido, o fim do dia. Isso porque os advogados em Brasília informaram que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, com quem estava um dos recursos que poderia liberar Lula para concorrer, decidiria aquele caso até o fim da tarde.
Ao saberem da recusa ao pedido do petista, só então Gleisi e Haddad deixaram a PF e falaram aos militantes, em Curitiba. Já passava das 17h30 – o ato, inicialmente marcado para 14h, foi remarcado para 14h30 e, depois, para 15h. Havia militantes no local desde o dia anterior.
Enfraquecida
Esse discurso de enfrentamento e combate, de certa maneira considerado agressivo por integrantes da cúpula partidária, muitas vezes também autoritário, têm gerado incômodo e uma avaliação de imprudência. Em Haddad e na vice da chapa, Manuela D'Ávila (PCdoB), mas também no entorno dos dois. E vem ganhando corpo dentro do partido. Há uma ala minoritária do PT que fala em tirar Gleisi da presidência do partido. Esse discurso não deve ter voz, por enquanto.
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O que tende a crescer, na avaliação de dirigentes da legenda, é o trabalho para não reconduzi-la ao cargo. Uma nova eleição para a presidência do PT ocorre no segundo semestre do ano que vem.
Até lá, claro, muitas peças ainda precisam ser colocadas no lugar. O resultado da eleição presidencial é uma delas. Também a sua própria candidatura. Já abalada por denúncias da Lava Jato, com votação decrescente em seu estado nos últimos anos, tudo o que Gleisi não quer nesse momento é perder o foro privilegiado e ficar fora do Congresso Nacional.