Racionalidade e diálogo, sem intervencionismo e sem prometer soluções mágicas. Essa é a base do pensamento de Paulo Pedrosa, formulador da política energética para a campanha do candidato Geraldo Alckmin (PSDB). O técnico, com 30 anos de atividade no setor, tem como mantra a transparência e a eficiência para afastar propostas que, visando um bem a alguns, transfira custos para outros.
Em entrevista exclusiva para a Gazeta do Povo, Pedrosa expõe a visão da campanha de Alckmin sobre o setor e afasta riscos de um novo Apagão, como o que aconteceu no governo tucano em 2001, pois hoje o setor já estaria “vacinado” contra os problemas que causaram aquela crise.
Ele também defende “atenção” do governo para a flutuação do preço de combustíveis. Também critica propostas que prometem benefícios para um grupo de consumidores de energia, em detrimento do repasse desses custos para outros grupos, como as que prometem colocar painéis de geração solar nos telhados das casas com a pretensão de baixar a conta de luz, defendidos por Marina Silva (Rede) e Fernando Haddad (PT).
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“Isso pode ser positivo, mas é importante olhar os aspectos técnicos da regulação do setor elétrico, o modelo complexo de subsídios, impostos e taxas, para fazer isso de forma que todos ganhem e que (o custo) não seja distribuído entre os outros consumidores, principalmente se são os consumidores mais pobres”, afirmou.
A manutenção de políticas sociais, como a concessão de descontos e benefícios aos consumidores mais pobres, deve ser pautada pela eficiência econômica e pela análise dos resultados. Reduções da conta de luz devem ser perseguidas, mas sem artificialismos. A expansão desses benefícios também não poderia ser feita aumentando os subsídios que estão dentro da conta de luz, mas somente caso passassem pelo Orçamento do governo federal.
“Não há uma mágica. Haveria até a oportunidade de outros caminhos se o país não estivesse na situação em que está, com uma limitação fiscal muito grande. Então, no longo prazo, com uma economia estabilizada, no futuro se poderia entender em realocar custo de políticas públicas ao Orçamento Nacional. Mas essa é uma discussão impossível no cenário atual”, diz Pedrosa.
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Pedrosa coleciona passagens por todos os segmentos do setor elétrico. Trabalhou planejando usinas hidrelétricas, depois no Senado como especialista para a área energética, e ali começou a se aproximar do PSDB. Foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), indicado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e depois no segmento de distribuição elétrica, para então migrar para o comando de uma associação de consumidores de energia, de onde manteve uma atuação crítica durante os anos do governo petista.
No atual governo de Michel Temer, Pedrosa foi convidado a ser o segundo homem do Ministério de Minas e Energia na gestão de Fernando Coelho Filho, um jovem deputado federal (que até então compunha os quadros do PSB) com visão mais alinhada ao liberalismo econômico. Pedrosa ficou no ministério até abril deste ano, saindo junto com Coelho Filho que disputa reeleição como deputado federal por Pernambuco, pelo DEM.
Sobre o convite de integrar a formulação da campanha tucana, Pedrosa destaca que aceitou participar até como exercício de cidadania e sob a batuta de um grupo de pessoas com “muito espírito público”.
Veja a íntegra da entrevista:
Como deve ser o preço da gasolina e do gás de botijão? O senhor é a favor da livre flutuação dos preços seguindo a cotação internacional ou deve haver alguma política de maior previsibilidade? A criação de uma Cide para absorver as variações é uma possibilidade?
Pedrosa: Minha contribuição maior é na parte de energia elétrica, mas posso dizer que a intervenção do governo sobre preços em mercados é uma visão que historicamente mostra que isso não traz resultado, particularmente resultados sustentáveis de médio e longo prazo, o que não quer dizer que não haja um papel para os governos. O cenário de que a livre flutuação dos preços traz uma perturbação muito grande para a economia, por exemplo, torna absolutamente impossível precificar um frete que será feito nos próximos dias, isso exige atenção do governo. Essa atenção tem de ser feita, é claro, sem que isso seja uma perturbação aos agentes econômicos do mercado. Há soluções. Para evitar essas flutuações, seja promovendo avaliação de tributos, seja uma compensação ao longo do tempo. É uma questão que o próximo governo terá de enfrentar.
Seria a criação de um fundo?
Pedrosa: Há um conjunto de possibilidades para lidar com esse problema das flutuações de preços, até mesmo a promoção de uma maior competição no mercado, com uma diversidade de players atuando, também é um elemento que ao longo do tempo garante um preço mais competitivo e mais previsível para o conjunto dos consumidores. Essa também é uma maneira de ao longo do tempo dar mais estabilidade para flutuação dos preços.
O preço da eletricidade está pesando no bolso do consumidor. Em julho, a conta de luz aumentou 5,33%, após alta de 7,93% em junho. O impacto desse item foi de 0,20 ponto percentual no IPCA de julho, que subiu 0,33%. O que pode ser feito para o preço da eletricidade? O que acha da política de bandeiras tarifárias?
Pedrosa: O preço da energia hoje está muito mais alto do que aquilo que poderia ser no Brasil. O Brasil é um país da energia competitiva, das energias renováveis. Os leilões para a expansão da oferta de energia têm demonstrado que a competição está dando para o preço da energia valores bastante mais razoáveis e que também a distribuição e a regulação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) tem ao mesmo tempo, ao setor de distribuição, um valor adequado. O problema é que ao longo do tempo foram se acumulando nos custos da energia um conjunto de preços associados a encargos e impostos, a tributos, a problemas das tensões internas ao setor inclusive judicialização. Aí é que está o foco para se atuar para reduzir estruturalmente o preço da energia. Não poderá ser feito por mágica porque, afinal, o custo também não pode ser trazido para o tesouro muito menos jogado para o futuro de uma maneira não transparente, é justamente isso que se pretende evitar. A resposta tanto para a energia como para outros campos da economia é mais transparência, mais competição, e um ambiente de confiança para reduzir o custo de capital e atrair recursos para o setor.
Quem fala algo diferente disso está prometendo coisas difíceis? Quem fala em reduzir o preço da conta de luz, a gente deve desconfiar?
Pedrosa: Não há uma mágica. Haveria até a oportunidade de outros caminhos se o país não estivesse numa situação em que está, com uma limitação fiscal muito grande. Então, por exemplo, no longo prazo, com uma economia estabilizada no futuro, se poderia entender em realocar custo de políticas públicas ao orçamento Nacional. Mas essa é uma discussão impossível no cenário atual.
A tarifa social atende hoje 8,7 milhões de consumidores. O senhor considera esta uma política adequada? Mudaria algo?
Pedrosa: O Brasil precisa acolher o conjunto muito grande de brasileiros que vivem uma condição ainda de muita dificuldade. E a energia elétrica é um elemento importantíssimo para a qualidade de vida das pessoas. Não há nenhuma perspectiva de se fazer nenhuma alteração em políticas que têm uma importância muito grande. Agora, elas devem ser associadas a movimentos, por exemplo, que auxiliem essas pessoas a terem acesso a equipamentos mais econômicos que consumam menos energia. Afinal, o que as pessoas querem não é eletricidade, as pessoas querem frio na geladeira, luz, conforto, as pessoas querem assistir televisão, as coisas básicas com a família, que elas podem ser feitas com menos energia do que aquilo que hoje é utilizado. Você fazendo uma revisão para produtos eficientes... O universo dos subsídios no Brasil não passa por avaliações de custo-benefício. Por exemplo: um local quente que tem um consumidor usando uma lâmpada incandescente, que transforma 90% da energia que recebe em um calor, e isso em um local quente. E essa energia está sendo subsidiada, gerada muitas vezes por térmica custeadas pela CCC (Conta Consumo Combustíveis, uma conta de encargos recolhidos da conta de luz de todos os brasileiros para pagar as usinas térmicas de estados não conectados ao sistema elétrico, como Amazonas) para arcar com o que é um custo distribuído na tarifa paga pelo Brasil inteiro. Quando se olha com a lupa da eficiência econômica para o caminho de subsídios, você pode encontrar alternativas para dizer se, por exemplo, eu dou uma lâmpada eficiente para aquele consumidores e considero a redução de todo o custo da geração termelétrica cara, dos impostos pagos sobre a geração termelétrica cara, dos subsídios pagos pelo consumidor que está recebendo aquela energia toda, essa cadeia quando olhada com uma lupa em uma visão de eficiência, de custo-benefício, você pode atender o consumidor naquilo que ele quer, que é a iluminação de sua casa ao mesmo tempo que você reduz o custo para aqueles que são pagadores. Esse movimento de racionalidade, de recuperação da lógica econômica, pode ser feito em favor da sociedade e a favor dos consumidores, e não contra.
Isso é uma coisa singela até. Por que não foi feita até hoje?
Pedrosa: Porque nesta complexidade do setor você perdeu a relação custo-benefício dos diversos movimentos da energia e isso é algo que precisa ser revisitado. Aí há espaço para se encaminhar uma redução da conta que todos os brasileiros pagam por esse modelo que, no fundo, pode ser mais eficiente.
O candidato Geraldo Alckmin anunciou que lançará, caso eleito, um programa para pagar metade do gasto com gás das famílias pobres, o Vale Gás. Mas especialistas avaliam que isso poderia trazer problemas, até aumento do preço do gás e irregularidades como venda dos vales. Não seria melhor apenas aumentar o Bolsa Família, ou fazer outro tipo de ação estrutural?
Pedrosa: O candidato apresentou uma proposta para enfrentar um problema que é real. Hoje há muitos brasileiros que têm tido dificuldade para pagar o gás e isso está levando em algumas situações ao uso de lenha. E isso pode estar associado a um risco para as famílias de incêndio de queimadura. A proposta foi apresentada e o foco é atender aos brasileiros que precisam ser acolhidos neste momento, enquanto a economia do país se recupera. Ao longo do tempo você pode, é claro, avaliar outras alternativas que atendam a esse mesmo objetivo.
Os candidatos opositores ao PSDB Marina Silva e Fernando Haddad anunciaram planos de contratar energia solar, como forma de baixar a conta de luz e fomentar energias renováveis. Esse tipo de política pode ser replicada pelo PSDB, caso eleito? Por que não?
Pedrosa: O Brasil é um país que tem vocação para energia solar, uma vocação extraordinária para energia solar e eólica, para as pequenas centrais hidrelétricas e para as energias renováveis em geral. E a tecnologia, particularmente na solar e a eólica, e do uso de baterias, têm apresentado muita competitividade para essas fontes, e cada vez mais elas se encontram estáveis e competitivas. Hoje, no momento atual e no desenho do setor elétrico brasileiro, quando um consumidor coloca um painel solar, aquilo gera em um primeiro momento impacto para o investimento da cadeia produtiva de energia. No segundo momento, que é muito mais grave, impacta o conjunto dos demais consumidores que não têm painel solar. Além de um certo limite isso se torna bastante pesado e você pode ter um movimento, como acontece em algumas situações, os consumidores de alta renda que têm telhados grandes e instalam equipamentos solares e os consumidores de baixa renda pagam por aquilo, pelos subsídios contidos nesse processo nas suas tarifas. Ou mesmo consumidores de baixa renda, que instalamos painéis, o vizinho que não tem painel solar poderá pagar mais caro pela energia do painel de quem está do seu lado. É impossível ou é ruim promover o desenvolvimento da energia solar distribuída para atender aos consumidores? Não, claro que não. Isso pode ser positivo. Mas é importante olhar os aspectos técnicos da regulação do setor elétrico, o modelo complexo de subsídios impostos e taxas para fazer isso, de forma que todos ganhem e que não seja distribuído entre os outros consumidores (os custos), principalmente se são os consumidores mais pobres.
Portabilidade da conta de luz para todos os consumidores é algo que deve ser perseguido?
Pedrosa: É Claro. Mas precisa haver a compreensão de que portabilidade, no conceito do setor elétrico, é diferente daquele que a população está acostumada por exemplo nas telecomunicações. Se eu mudo meu celular para outra operadora, essa outra operadora tem outros equipamentos e pode me prestar um serviço mais barato e melhor. No caso do setor elétrico, é importante que os consumidores entendam que o debate seja transparente até nisso, que eles continuarão sendo atendidos pela sua distribuidora local. Então a portabilidade no setor elétrico não significará, por exemplo, a mudança na qualidade do atendimento. Alguém dizer ‘eu vou mudar por que vai faltar menos luz na minha casa’, isso não acontecerá. No setor elétrico a portabilidade será apenas nas condições de atendimento de energia e no preço. É importante que o sistema seja bem desenhado para que um consumidor que opte por um atendimento mais barato, mas com um risco maior associado, não termine exportando custo para o outro. Eu não posso querer que você pague o seguro do meu carro se eu bater, por exemplo. Ou se eu investir em ações e você investir em poupança e eu perder dinheiro, eu não posso querer que você me compense. Então, a portabilidade e abertura do mercado são muito importantes em um modelo de competição eficiente e de baixar o custo da energia, mas há um papel do governo para organizar a abertura de mercado, para que ela não se dê por um caminho em que alguém se beneficie no curto prazo e depois outros paguem por aquilo no futuro esse desenho. Essa é mais uma discussão em que há um papel importante para o governo.
O programa de governo Alckmin fala “Priorizaremos políticas que permitam às regiões Norte e Nordeste desenvolver plenamente as suas potencialidades em áreas como energias renováveis“. Como isso pode ser feito sem aumentar os subsídios e de forma “socialmente justa”?
Pedrosa: O Nordeste tem uma vocação extraordinária para energias renováveis. Há área do Nordeste de terra que são extremamente baratas, com muita insolação, e os ventos que sopram na região litoral no Vale do São Francisco são extraordinários. Isso dá ao Brasil uma condição única e os ventos são maiores do que ventos na Europa por exemplo. A vocação do Brasil, em particular do Nordeste, ao desenvolvimento da tecnologia, vai permitir a exploração desse potencial de uma maneira que tenha racionalidade econômica.
Quais erros que o próximo presidente não pode cometer e que já foram cometidos nos governos passados? E como negociar com um Congresso cada vez mais fragmentado medidas duras como reduzir subsídios?
Pedrosa: Um erro do setor elétrico é sucumbir à tentação intervencionista, a buscar com o poder que o governo tem uma solução fácil e rápida para um problema, mas sem observar o modelo geral e conceitual do setor. As intervenções terminam causando distorções, que vão exigir novas intervenções e isso gera um custo muito grande para o consumidor e para a sociedade. Então a tentação é evitar a atuação intervencionista e promover o diálogo, a avaliação técnica, e buscar soluções estruturais, que ao longo do tempo permitam que essa vocação do país pela energia se transforme em qualidade de vida, emprego, desenvolvimento e produção industrial para o país. No Congresso, o que acontece é que o governo tem de ter capacidade de comunicação para mostrar os benefícios do seu projeto. O Congresso tende a ser reativo a um conjunto de mudanças, olhando interesses pontuais que momentaneamente podem ser afetados. Mas se o governo tiver uma visão de futuro e essa visão de futuro as pessoas possam enxergar, perceber a melhoria, perceber os ganhos que a sociedade vai ter com o processo, o Congresso vai levantar essas bandeiras junto com o governo, ainda mais um governo eleito com a força do voto, em um Congresso no início de mandato, em que você terá dois terços dos senadores com oito anos de mandato pela frente e um terço do Senado e toda a Câmara com quatro anos de mandato pela frente. Esse momento inicial de governo, com respaldo das urnas, é um momento de conduzir um conjunto de mudanças para o país, que vão amadurecer ao longo dos quatro anos de governo. E aqueles que apoiaram serão recompensados pela população. Então a grande dificuldade, o grande movimento é esse de levar a discussão para pautar a discussão pelo ângulo do benefício para sociedade e isso vai trazer o Congresso para o apoio.
O PSDB participa do governo de Michel Temer, e o senhor foi o n° 2 no MME no pós impeachment. As medidas iniciadas no setor energético durante o governo Temer terão continuidade caso Alckmin seja eleito? Cito a reforma do setor (CP 33) como principal exemplo. A judicialização se reduziu, mas ainda é um problema.
Pedrosa: Primeiro é importante dizer que eu fui desafiado por um ministro novo e desconhecido no setor, que era do PSB, para compor a equipe dele. Fui desafiado como um técnico do setor e aceitei isso como uma aventura pessoal e profissional, por acreditar no ministro que dizia ‘você sempre foi pedra, é seu momento de ser vidraça’. Vamos trabalhar para melhorar esse setor, ele estava empoderando um grupo de pessoas e essa é uma atitude até de cidadania. Muitos colegas me estimularam e muitos se juntaram a esse projeto como Luiz Barroso (ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética) e equipe do ministério. O setor tem profissionais maduros, das mais diversas correntes políticas, e isso dá muita força para o setor para que a gente possa com essa integração e esse diálogo ajudar o país dando os rumos do setor e a minha atuação no governo foi absolutamente apartidária. Fui chamado como técnico do setor, o que eu sou há 30 anos. Fiquei orgulhoso por ser convidado a contribuir com a campanha do candidato Alckmin, que reúne um grupo de pessoas com muito espírito público e competência técnica e de gestão, pessoas como o Luiz Felipe D´Ávila (coordenador da campanha tucana) e o Meirelles (João Carlos de Souza Meirelles, secretário de Energia de São Paulo).
Continuaria com as reformas caso o Alckmin seja eleito?
Pedrosa: No fundo, o país vive um momento de uma certa encruzilhada. Não há um caminho para o país que não seja fazer o que é certo. Mesmo que você se desvie do caminho para fazer o que é certo na economia nacional, por exemplo, isso significa imprimir dinheiro e gerar inflação e lá na frente vamos ter de convergir de novo para o caminho do que é certo. O próximo presidente da República terá muito pouca liberdade em relação ao que pode ser feito para o setor e o país. Não estão fortalecidos para, por exemplo, navegar por uma aventura no setor de energia, com o esgotamento da capacidade de financiamento do governo, com o esgotamento da capacidade das estatais, com as novas tecnologias que estão se impondo, ele não tem caminho que não seja fazer o que é certo: criar um ambiente de investimentos, atrair investimentos, promover a eficiência, e essa discussão foi pautada por uma simples compreensão do processo pelo governo as discussões estão pautadas e haverá continuidade delas no próximo governo.
Qual deve ser a solução para a usina nuclear Angra III, que já custou R$ 12 bilhões e ainda pode custar mais R$ 15 bilhões, parada pela Lava Jato?
Pedrosa: É um dos problemas mais complexos a serem tratados no setor de energia. A grande dificuldade será encontrar uma alternativa que não traga ônus adicional desnecessário a um conjunto de consumidores e promova uma referência eficiente para energia nuclear, até porque Angra III é importante, mas talvez para o país estrategicamente seja mais importante a discussão sobre o papel da energia nuclear. Então, uma discussão adequada sobre Angra III significa que o país continuará discutindo alternativa da energia nuclear, que pode ser um fator importante para nossa matriz energética no futuro.
O plano de governo de Alckmin fala que deve ser perseguido o “Combater o desperdício, reduzindo o número de ministérios e cargos públicos e cortando despesas do Estado, bem como mordomias e privilégios”. O que está sobrando no setor elétrico? A manutenção de empresas estatais (Petrobras e Eletrobras, além de suas SPEs) é um exemplo? E a EPE, poderia ser incorporada ao Ministério? E a atuação das agências reguladoras? O que deve ser mantido e o que deve ser corrigido?
Pedrosa: O plano de governo dá um conjunto de balizamentos gerais e diretrizes e encaminhamentos. É uma primeira etapa, um compromisso com o país, mas obviamente não é um plano executivo de ação que vá no nível do detalhe. Eu tenho conversado muito com um grupo de profissionais que apoiam o candidato Alckmin na construção do programa de governo, o secretário Meirelles, por exemplo, liderando esses movimentos. O que existe é uma visão comum de fortalecimento das agências reguladoras, de fortalecimento da EPE, da governança do setor, cada um no seu papel, cada um fazendo aquilo que é sua atribuição, e dentro do possível com alguma autonomia, pois esse diálogo desses diversos órgãos... A agência e o ministério, a EPE, que tem uma solidez muito grande técnica. Esse processo de diálogo, mesmo com algum atrito, o que é natural, é muito importante para qualidade técnica das decisões do setor e isso será respeitado.
Na campanha, há alguma demonização das agências. Precisa ser feito alguma mudança nas agências como fim das indicações políticas para os diretores?
Pedrosa: Uma coisa importantíssima é você cuidar das estruturas e das instituições. A ANEEL - e eu participei de uma direção que criou muitos desses mecanismos e tenho orgulho profissional de ter feito isso - A ANEEL tem mecanismos, como a reunião pública de diretoria, todos os processos disponíveis na internet, reuniões transmitidas também pela internet e acompanhadas pelo mercado, voto colegiado na qual cada diretor é obrigado a formar sua convicção sobre o assunto e se manifestar, uma procuradoria independente e uma área técnica. Eu acho que há um amadurecimento muito grande no setor elétrico, críticas que eu escuto sobre o conjunto das agências reguladoras não podem ser transplantados para agência do setor elétrico diretamente. O quadro dos diretores indicados é um quadro de profissionais do setor e eu acho que com diálogo, clareza de objetivos, e clareza em relação às políticas públicas que serão implementadas, haverá um alinhamento muito grande desses órgãos todos do setor, para construção de um projeto nacional. Eu tenho confiança de que a estrutura nossa institucional é um benchmark do país, é um benchmark global, e vai ser um elemento facilitador desse processo de mudanças que o setor precisa. E é claro, é sempre importante aperfeiçoar os mecanismos de indicação, mas a demonização para o caso do setor elétrico não nos ajuda a enfrentar uma agenda necessária de futuro.
O que o senhor pensa do regime de partilha para campos do pré-sal? Devemos ter regras diferentes de licitação entre pré-sal e pós-sal? E a cessão onerosa? A alteração no projeto de lei pode atingir um contrato já firmado no passado. O que deve ser feito sobre o tema?
Pedrosa: Brasil tem na verdade três regimes. O regime da cessão onerosa, e esse é um regime que não se pretende repetir, é uma exceção, que refletiu um determinado momento, uma visão sobre o país, sobre o óleo, sobre a Petrobras, que não está mais presente. Tem também a Partilha e a Concessão. Eu acho que agora nós temos que ser muito pragmáticos para dizer o seguinte: este é um bom momento para indústria de petróleo, os preços estão subindo e o Brasil é extremamente competitivo com a nossa geografia, particularmente na plataforma marítima. É um momento em que a gente precisa aproveitar esse potencial para ajudar a recuperação da economia brasileira. O mundo do petróleo não depende da economia brasileira em si, ele olha para o resto do Globo. Então, por exemplo, a recuperação da indústria petroleira do Brasil está muito associada à recuperação da economia como um todo. A indústria do petróleo olha para o mundo e o mundo está favorável, então usar o petróleo e o nosso potencial para devolver ao país este momento é uma oportunidade. Relembrando que a era do petróleo vai acabar. Se a gente não utilizar esse potencial e essa riqueza para guarda para o futuro, ele pode não valer nada. A discussão é: será que é o momento de fazer uma perturbação, para rediscutir os modelos, ou é o momento de pegar essa estabilidade, aquilo que já é conhecido, já vem funcionando, e dar seguimento? Essa discussão o governo ainda empreenderá, mas a minha visão é de que temos de olhar o horizonte de quatro anos e buscar alternativas porque este é um caminho importante para a recuperação da economia brasileira, dos empregos e da arrecadação dos governos.
O Brasil voltou a despachar usinas térmicas fora da ordem de mérito [as mais custosas sendo acionadas antes das menos custosas], algo que tínhamos tentado reverter de 2016 para cá. O que está sendo feito de errado no planejamento energético brasileiro e deve ser alterado?
Pedrosa: Eu não tenho acompanhado as reuniões do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, reunião dos agentes do setor para apontar riscos e problemas do fornecimento elétrico no país) e portanto não tenho opinião sobre o que é certo ou errado nas decisões. Há um conjunto de pessoas competentes nas instituições que estão suportando essas decisões. Eu acho que, olhando para o futuro, essa série de leilões que estão sendo feitas e essa combinação dos diversos energéticos é para dar segurança e modicidade à oferta de energia no Brasil aproveitando a complementariedade entre as diversas fontes e seguindo uma agenda, como aquela da CP 33 (Consulta Pública 33, o processo de reforma do Setor Energético).
A gestão atual do Ministério de Minas e Energia planeja realizar um leilão de usinas térmicas no Nordeste, o que é criticado por deslocar outras fontes e ainda gerar custo nesse deslocamento. Os senhores são favoráveis à política de leilões? Avalia que este leilão deve ser realizado? O que deve ser alterado no planejamento do setor para aprimorar a definição de leilões, inclusive os de reserva?
Pedrosa: Agora será feita uma audiência pública e eu acho que isso é muito bom. É importante que a gente tenha soluções que tragam um melhor resultado global para o país e que elas sejam alinhadas. Por exemplo, nós vamos investir em linhas de transmissão para aproveitar a complementaridade entre as regiões e por esses caminhos chegar a modicidade tarifária, ou nós vamos por um caminho de entender que as regiões têm vocações para serem autônomas energeticamente: são linhas diferentes. Eu acho que é importante que a gente seja transparente com a sociedade e que esse mecanismo das audiências públicas, das consultas públicas que tem sido utilizado ele é muito bom e permite que a inteligência distribuída no mercado se apresente, questione, duvide, conteste, pondere, argumente, e isso ajuda o setor a buscar decisões de menor custo global.
O Apagão ocorreu na gestão do ex-presidente do PSDB, Fernando Henrique Cardoso. O que foi feito errado e por que isso não se repetirá?
Pedrosa: No setor elétrico, como na economia, as questões que acontecem, elas não são decorrentes de ações de curtíssimo prazo. A economia, se está mal hoje, não é algo que foi feito hoje, mas sim causa de efeito de anos de problemas que foram se acumulando. O Apagão do Fernando Henrique decorre de um conjunto de fatores, um deles foi uma demora de décadas de aprovação de uma lei de concessões. Houve um grande vazio durante anos, uma contenção dos investimentos e um ciclo climático ruim, o que levou a um processo muito ruim e que teve de haver uma intervenção do governo para gerenciar a crise. Aliás, a intervenção foi, dentro de uma situação extremamente ruim, um momento em que o governo conseguiu se impor e ajudar o país a vencer um momento de dificuldade da melhor maneira possível. Hoje o setor tem um conjunto de mecanismos que protegem de algo como o que aconteceu lá atrás agora com a participação dos consumidores a reação da demanda, redes inteligentes, sinais de preços corretos. A gente começa a avançar para uma era diferente, em que as vacinas internas do setor, o chamado metabolismo da eficiência, vão nos dar mais segurança para que a gente não enfrente mais situações como essa.
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