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O candidato petista à Presidência da República, Fernando Haddad, passou o primeiro turno firme no discurso de que, se eleito, continuará a atuar como advogado do ex-presidente Lula, portanto, mantendo dois empregos. 

Acontece que a Lei 8.906, de 1994, que trata do estatuto da advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estabelece em seu artigo 28, no primeiro inciso, que a "advocacia é incompatível, com as seguintes atividades: chefe do Poder Executivo" e outras. 

Em uma interpretação literal da legislação, compreende-se que, caso eleito, Haddad não poderia continuar defendendo seu padrinho político. 

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Para o advogado Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as funções não são conciliáveis. "O advogado deve, inclusive, entregar a carteira para anotações da incompatibilidade", explicou e completou: "Haddad é um prisioneiro do preso", referindo-se a Lula. 

Visitas de advogado 

Entre o fim de junho até a segunda semana de outubro, Fernando Haddad esteve 16 vezes na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba para visitar seu cliente Lula e aconselhar-se sobre a campanha eleitoral que assumiu em seu lugar. As visitas frequentes ficaram desimpedidas após o ex-prefeito de São Paulo renovar sua carteirinha na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e assumir uma vaga na defesa de do líder partidário, papel que, segundo diz, pretende manter mesmo se vencer a disputa ao Palácio do Planalto neste ano. 

"Sou, com muita honra, advogado do presidente Lula e vou às segundas-feiras [visitá-lo] porque ele está injustamente preso. A sentença que o condenou não para de pé. Não apresentaram uma única prova contra ele e eu não vou descansar enquanto ele não tiver um julgamento justo. Inclusive no exterior. Porque na ONU (Organização das Nações Unidas) já se prevê um julgamento no primeiro semestre do ano que vem do seu caso, de mérito, pela perseguição que ele vem sofrendo", afirmou o ex-prefeito de São Paulo no debate promovido pelo SBT no dia 26 de setembro. Falou o mesmo em diversos discursos que fez em atos públicos de campanha pelo país no primeiro turno. 

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Desde que passou para o segundo turno da eleição, porém, Haddad visitou Lula na prisão apenas uma vez, no dia seguinte à votação do primeiro turno. Lula está preso em Curitiba cumprindo a pena de 12 anos e um mês imposta em segunda instância na Lava Jato. 

Artifício 

Assumir a defesa do ex-presidente foi uma das formas que Haddad encontrou para se aproximar de Lula e contornar a blindagem interna no próprio PT, que vinha de nomes como a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, e os ex-ministros Gliberto Carvalho e Jaques Wagner. Advogado, Haddad agora entra e sai da prisão quando bem entende. E passou a ser mais fonte do que alvo dos recados do patrono petista. Natural para o seu papel de candidato. 

Para além de ser uma estratégia, ser advogado de Lula e falar sobre isso aos eleitores tem servido na tática de aproximar as imagens de ambos e melhorar a transferência de votos, a primeira intenção do PT quando da substituição da chapa. 

Debate 

Para cientistas políticos, o discurso de Haddad não passa de parte da trama política para atrair votos. "Haddad montou toda sua estratégia eleitoral sob a premissa de que ele é Lula e como tal isso só se ampara em simbolismos discursos que sejam inteligíveis aos eleitores", afirmou Creomar de Souza, analista político e professor de relações internacionais e ciência política na Universidade Católica de Brasília. 

Também cientista político, o diretor da consultoria Pulso Público, Vítor Oliveira, concorda que o principal objetivo é "maximizar o apoio do eleitorado lulista". Porém, pondera as consequências de se ter um presidente advogando. "Institucionalmente, não deveria haver vínculos. Qualquer declaração neste sentido não é crível, uma vez que geraria tantos constrangimentos a uma presidência que simplesmente seria deixada de lado", ressaltou. 

Valdir Pucci, que além de cientista político é advogado, menciona "consequências políticas" da afirmação reiterada de Fernando Haddad, mas também destaca outro ponto: "se ele não estará interferindo na ação de outro poder: o Judiciário". 

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"A questão do ex-presidente é com a Justiça e cabe a ela resolver. Quando Haddad afirma que se dedicará à defesa de Lula, ele manda um recado ao poder Judiciário que o Executivo pode intervir nessa questão, já que fala como chefe de outro poder", afirma e completa: “Até acho possível ele defender o Lula quando presidente, só não acredito que isso seja correto. Ao se portar como advogado de defesa ele pode criar um problema com o Judiciário e diminuir o cargo de presidente." 

Há, porém, quem discorde de todas essas análises. O professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Benedito Tadeu César disse acreditar que "Lula é um preso político" e que "defendê-lo seria uma tarefa política". "Cabe, inclusive, ao presidente da República, por determinação Constitucional, conceder indulto aos condenados. Fazê-lo a um preso político, é um dever de um presidente da República, mais do que uma opção", considerou. 

Tadeu César lembrou o Comitê de Direitos Humanos da ONU que pediu, em meados de agosto, a possibilidade de Lula exercer seus direitos como candidato. Isso significava, na prática, ser solto e fazer campanha. O caso do ex-presidente deve ir a julgamento até o meio de 2019. Haddad diz que pretende acompanhar pessoalmente. 

"A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o caso Lula sairá no início do próximo ano, no início, portanto, do mandato do próximo presidente da República. Caberá a ele acatar a decisão de um órgão internacional de direito ao qual o Brasil está subordinado por decisão soberana e voluntária de seus poderes Legislativo e Executivo, assumida e ratificada pelos representantes eleitos do seu povo", finalizou o especialista.

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