| Foto: Mauro Horita/ MoWA Press/Mauro Horita/ MoWA Press

Já teve prefeito presenteando jogadores de seleção campeã com carro zero, como também já teve atleta vencedor dando cambalhota na rampa do Palácio do Planalto ao ser recebido pelo presidente da República após uma conquista no mundial. Copa do Mundo e eleições estão conectadas de um modo ou de outro; ainda que o amor do brasileiro por futebol e a identificação com a seleção já tenha vivido dias melhores, a história registra eleições e disputas do Mundial acontecendo no mesmo ano. O que leva à pergunta: qual a influência do torneio de futebol mais importante do planeta na disputa eleitoral?

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Do melhor ao pior cenário – seleção brasileira hexacampeã; Tite e seus comandados caindo bravamente em uma semifinal diante de outro gigante do futebol mundial; ou eliminados nas oitavas de final, depois de uma primeira fase claudicante – a interrogação que se apresenta, a pouco mais de dois meses do pontapé inicial, é que tipo de influência o desempenho dos brasileiros na Rússia pode ter no humor e no comportamento do eleitor quando, finalizado o mundial, o próximo evento de maior robustez serão justamente as eleições.

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Copa fria e sentimento de mudança

Murilo Hidalgo, diretor presidente da Paraná Pesquisas, enxerga que o tema Copa do Mundo ainda está muito frio na pauta de discussões em todo o país. O tema que ainda ferve os nervos do brasileiro, pelo menos no momento, é a lava jato e seus desdobramentos, como a prisão do ex-presidente Lula.

“A pauta do Brasil hoje é a Lava Jato, para o bem ou para o mal. A grande mídia só fala nisso”, aponta Hidalgo. Para ele, o fato de ser a Copa seguinte à disputada no Brasil e de a equipe ser formada majoritariamente por jogadores que atuam no exterior traz um distanciamento que esfria a expectativa. “O fato de não ter atleta jogando no Brasil deixa a Copa distante. Há uma frase popular hoje de que a população conhece mais os ministro do supremo do que os jogadores da seleção”, brinca.

Mas Hidalgo reconhece que é possível pensar em algum tipo de impacto causado pelo torneio de acordo com o desempenho da seleção na Rússia. Para o pesquisador, existem possibilidades diferentes que podem alterar o cenário político caso o Brasil volte com o hexacampeonato ou seja eliminado no famoso ‘mata-mata’ — ou apenas ‘mata’, já que após a primeira fase, o destino das seleções se decide em um único jogo.

“Se o Brasil ganhar a Copa, com certeza o otimismo aumenta. Agora se for um fiasco, [há a possibilidade de] descontar nas urnas”, pondera. “Acho que [uma eliminação precoce] pode aumentar ainda mais votos brancos e nulos. Já o Brasil ganhando, pode se criar um espírito de mudança”.

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O que diz a história

Wilhelm Meiners, professor e pesquisador do estúdio de economia da PUC-PR, vê que a influência do mundial nas intenções de voto do brasileiro é pequena, e volta à história para fazer essa observação. Lembra da derrota da seleção brasileira na final da Copa de 1950, no Maracanã, diante do Uruguai, considerada a maior tragédia do futebol nacional até 2014 – quando os 7 a 1 diante da Alemanha, no Mineirão, em 2014, superaram o “Maracanazo” em relevância e constrangimento – e a eleição de Getúlio Vargas à presidência naquele ano, a segunda após o Estado Novo. “[Vargas] Não era o candidato de [Eurico Gaspar] Dutra [presidente entre 1946 e 1951], mas [sua eleição] era o retorno ao passado, o sonho de um Brasil grandioso. Se a derrota brasileira afetou ou não, difícil saber”, avalia.

Dando um salto na história, o Brasil é tetracampeão em 1994, nos Estados Unidos, e o país elege Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na esteira do sucesso do Plano Real. FHC havia sido ministro de Itamar Franco e um dos arquitetos da ideia da nova moeda.

Oito anos depois, a seleção brasileira voltou a vencer uma copa, a de 2002, disputada no Japão e na Coreia, e o eleitor conduziu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto. “Em 2002 o Brasil ganha a Copa, em 2001 houve a crise do apagão. A Copa não mudou o cenário, e o partido do governo perde o posto para Lula”, lembra Meiners. José Serra era o candidato de FHC.

“Dilma já enfrentava dificuldades em 2013, com os movimentos de junho daquele ano, sobretudo durante a Copa das Confederações, uma reação popular quanto às construções da Copa, superfaturamento, promessas de obras que não se cumpriram”, recorda o especialista. “O Brasil perde a copa, a Dilma se reelege, mas com o país dividido”, sustenta.

Diante dos exemplos registrados ao longo dos anos, Weiners vê que a influência dos destinos da seleção na decisão a ser tomada diante da urna é praticamente irrelevante. O que acontece em uma Copa do Mundo, de algum modo, afeta o humor dos torcedores, mas como diz o professor, a vida segue.

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“Hoje grande parte das pessoas não dá bola para a Copa, não gosta de futebol. A diversidade do Brasil é muito grande, talvez o futebol não tenha mais a audiência que teve. Já foi o tempo que o Brasil parava quando a seleção jogava, o que não quer dizer que não tenha quem se emocione”, pondera.

Muito além da Copa e Eleições

Flávio de Campos, professor do departamento de História da USP, vê uma relação muito mais estreita entre política e futebol, que se intensificou depois das Jornadas de Junho de 2013, as manifestações que pipocaram naquele ano pelo país, tendo início em um protesto em São Paulo contra o aumento do valor da tarifa do transporte público.

Coordenador do Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) destaca que, ainda que não exista uma relação de causa e efeito – exemplo: Brasil ganha a Copa ou perde de modo vexatório, o humor do brasileiro melhora ou piora e se reflete nas eleições –, Campos aponta um entrelaçamento entre política e futebol. “Não temos que analisar uma Copa do Mundo, mas dados em série. Esse processo vem desde as Jornadas de Junho de 2013, e se articularam à agenda esportiva brasileira, Copa das Confederações, Copa e Jogos Olímpicos [realizados em 2016 no Rio de Janeiro]”.

Virou Fla x Flu

Campos cita como exemplo a estética de torcida organizada que grupos participantes das manifestações adotaram nas Jornadas de Junho, com faixas, bandeiras, baterias semelhantes às das torcidas, e gritos de guerra, alguns inspirados nos entoados nas arquibancadas – “pula, sai do chão contra o aumento do busão”; “se a Dilma não acordar, olê, olê, olá, o Brasil vai parar”; ou mesmo o “ei, Dilma, vai tomar no c...”, ouvido em manifestações contra a presidente e sobretudo na abertura da Copa do Mundo, na Arena do Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo, quando Dilma fez a abertura do torneio.

“Naquele momento se formou uma cisão na torcida. Se construiu uma torcida, vermelha e preta, de setores da esquerda que não estavam na política lulista, mais grupos autonomistas, anarquistas, que tinham à sua frente eventualmente os black blocks”, avalia. “Durante a Copa se formou uma torcida verde e amarela, ligada à oposição ao lulismo, que se constituiu em 2013 e rivalizou com a torcida vermelha e preta, e assumiu as manifestações de junho”, constata. Para ele, foi essa torcida, a que adotou a bandeira brasileira e a camisa da seleção, que ficou nas ruas, acionada nas grandes manifestações pelo impeachment de Dilma.

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“[Então] Existe sim uma vinculação [de política e futebol] que não é só eleitoral. Ela não se resume às eleições. As eleições são parte da política. O futebol é tão importante no Brasil que talvez a maior crise política nos últimos anos tem essa expressão de torcida organizada”. Ou, como virou comum tratar discussões políticas, sobretudo nas redes sociais, virou Fla x Flu.

Pensando especificamente nos resultados a serem registrados nos gramados da Rússia, Campos entende que a conquista do hexacampeonato mundial , ou mesmo uma eventual derrota para uma seleção tão forte quanto a brasileira, em um ‘jogo bem jogado’, pode transformar Tite “no maior cabo eleitoral que este país pode ter”. O que deve leva-lo a ser disputado por candidatos. Mas quanto às intenções do eleitor, ele não acredita em mudanças em virtude do resultado no mundial.

“Caso o Brasil vença, acho que não muda muito, porque já estamos em uma polarização tremenda, um clima de pessimismo muito grande”, aponta. “Se a gente vai para a Copa do Mundo com esperanças de vencer, as nossas esperanças em relação às eleições presidenciais praticamente não existem. Estamos muito abatidos, qualquer que seja o resultado”.

Copa e política

O Brasil tem história no uso político da Copa do Mundo. O general Emílio Garrastazu Médici, presidente do país entre 1969 e 1974 e responsável pelo governo mais repressivo já observado no país, era o líder do executivo quando a seleção brasileira voltou do México com o tricampeonato, em 1970. Com a vitória, o governo militar, que já enfrentava dura resistência por parte de grupos armados de esquerda, distribuiu os slogans “ninguém segura este país” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”, na esteira do desempenho da seleção liderada por Pelé, e comandada por Zagallo. Que havia substituído o jornalista e comentarista esportivo João Saldanha, o que mantém até hoje suspeitas de que Saldanha, filiado ao então PCB (partido comunista brasileiro) e opositor declarado à ditadura, teria sido retirado do cargo a pedido de Médici.

A economia mundial crescia, e o país se beneficiava com o bom momento, a ponto de ver os investimentos estrangeiros aumentarem e sua economia crescer 10% ao ano. O que se refletia em aumento da oferta de empregos na indústria, e a classe média tinha condições de comprar carros. Somada à conquista do tri no México, surgiu a percepção de que o país vivia um “milagre econômico”.

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O então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, aproveitou a ocasião para dar de presente à seleção 25 Fuscas zero quilômetro, bancados com dinheiro público. Segundo informou o jornal Folha de S.Paulo à época, cada veículo trazia sobre o porta-malas uma dúzia de rosas vermelhas, e no para-brisa traseiro, o emblema da concessionária e um adesivo com o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

O presente rendeu ao ex-prefeito e ex-governador de São Paulo e deputado federal afastado um processo que durou 36 anos e que o considerou como responsável por lesar os cofres públicos sem benefício ao município. Maluf impetrou uma série de recursos e foi considerado inocente.

Em 2002, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, recebeu jogadores e comissão técnica no Palácio do Planalto, após a conquista do pentacampeonato mundial disputado no Japão e na Coreia do Sul. A cerimônia de premiação ficou mais conhecida pelas cambalhotas que o volante Vampeta, então jogador do Corinthians, protagonizou ao descer a rampa do Planalto.

Disputada no Brasil, a Copa de 2014 se transformou em um ralo de escoamento de dinheiro público com as obras superfaturadas das arenas construídas ou reformadas para o torneio. Em janeiro daquele ano, levantamento da consultoria KPMG apontava que, dos 20 estádios mais caros do planeta, 10 estavam na lista dos utilizados no país para o torneio.

Segundo números do Ministério do Esporte, o Brasil gastou R$ 8,333 bilhões em construções e reformas das 12 arenas utilizadas no mundial de 2014. Desse montante, R$ 3,815 bilhões foram financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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Os estádios construídos e reformados para o torneio se tornaram alvos de investigações da Operação Lava Jato. No ano passado, a Procuradoria Geral da República (PGR) solicitou ao relator da operação no Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fachin, que encaminhasse a outras instâncias as petições envolvendo os estádios Mané Garrincha (Brasília), Maracanã (Rio de Janeiro), Arena Amazônia (Manaus), Arena Pernambuco (Recife) e Arena Castelão (Fortaleza). Um inquérito que corre em segredo de Justiça, também no STF, investiga possível prática criminosa associada à construção da Arena Corinthians, tendo como base delações de cinco executivos ligados à Odebrecht.