Os resultados das eleições de 7 de outubro mostram que a política brasileira está de cara nova. Tanto no pleito do Executivo quanto no do Legislativo, uma tendência notada foi a da renovação: velhos políticos ficaram de fora e muitos eleitos ocuparão cargos públicos pela primeira vez.
Na esfera nacional, a Câmara dos Deputados terá uma renovação de 47% de seus integrantes – a maior em 20 anos – e o Senado Federal terá 46 novos nomes a ocupar suas cadeiras, uma renovação histórica de 85%. Em muitos estados, as taxas de renovação das Assembleias Legislativas também foram altas, como se observou, por exemplo, no Rio Grande do Sul (56%), em São Paulo (55%), Santa Catarina (55%) e Bahia (53%).
Da esquerda à direita, muitos dos velhos caciques foram excluídos do cenário político pelos eleitores. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG) ficou em quarto lugar na disputa ao Senado. Alguns de seus principais aliados e defensores durante o processo de impeachment, como Lindbergh Farias (PT-RJ), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Eduardo Suplicy (PT-SP) e Roberto Requião (MDB-PR), tampouco se elegeram.
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O mesmo ocorreu com muitos de seus opositores, que ganharam destaque no governo do presidente Michel Temer, tais como Romero Jucá (MDB-RR), Eunício Oliveira (MDB-CE), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Cristiane Brasil (PTB-RJ).
De outro lado, muitos candidatos jovens, estreantes na política, disputaram uma eleição pela primeira vez e obtiveram votações expressivas. Em São Paulo, por exemplo, entre os mais votados estão nomes como Joice Hasselmann (PSL), de 40 anos, com 1,078 milhão de votos; Vinícius Poit (Novo), com 32 anos e 207 mil votos, e os integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri (DEM), 22 anos e 465 mil votos, e Arthur Mamãe Falei (DEM), 32 anos e 478 mil votos. No Ceará, o youtuber André Fernandes (PSL), de 20 anos, recebeu 109 mil votos e quebrou dois recordes: o deputado mais jovem e também o mais votado da história do estado.
Em comum, eles têm o fato de serem personagens muito conhecidos na internet, além de outra característica que até há pouco tempo seria considerada incomum: serem jovens e assumidamente de direita – contrariando o adágio cuja origem costuma ser atribuída ao político francês Georges Clemenceau: “Qualquer homem que não é um socialista aos 20 anos, não tem coração. Qualquer homem que ainda é um socialista aos 40 anos, não tem cabeça”.
Nova ordem política é reflexo de pêndulo global
Para o estrategista político Márcio Coimbra, mestre em ação política e coordenador do programa de pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, o fato de as jovens lideranças políticas se alinharem mais à direita denota um momento histórico em que há um pêndulo global para direita, com líderes mais conservadores.
“Na década 1980 houve um momento mais conservador, com lideranças importantes como Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Reino Unido). Depois houve um período de predomínio de centro-esquerda, com Bill Clinton (EUA) e Tony Blair (Reino Unido) e agora há o retorno de líderes de centro-direita, embalados pela fadiga do sistema anterior”, explica.
Na América Latina, uma onda de governos de esquerda que se iniciou na virada da década de 1990 para a de 2000, marcada também pelo populismo, está agora sendo substituída por uma nova onda à direita. Para ele, no Brasil, Jair Bolsonaro foi quem melhor soube se posicionar para aproveitar essa onda. “Ele fez melhor que os outros, viu a onda, posicionou sua prancha e se encaixou na onda”, compara o professor.
Coimbra defende a tese de que há um movimento cíclico na política brasileira, que se renova a cada três décadas, quando o material político do sistema anterior começa a apresentar sinais de fadiga. “A cada 30 anos a gente tem uma eleição de um insider com pinta de outsider”, diz. Na análise do professor, a tomada do poder por Getúlio Vargas pôs fim à dinâmica da política do café com leite, sepultando a República Velha, que por sua vez havia terminado com o período imperial.
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Três décadas depois os erros de Jânio Quadros acabaram por levar os generais ao poder em 1964. O período militar, por sua vez, foi sendo enfraquecido, passando pela redemocratização e tendo como pico de mudança a eleição de Fernando Collor em 1989. Após a queda de Collor, o sistema se estabilizou novamente com o Plano Real e funcionou por 20 anos, até o começar novamente a enfraquecer.
“A fadiga da Nova República começa em 2013, com as manifestações populares que não tinham uma direção clara, seguiu com a disputa apertada entre Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014, continuou com o impeachment de Dilma e com as eleições municipais que trouxeram nomes de fora da política, como João Doria em São Paulo e Alexandre Kalil em Belo Horizonte”, analisa Coimbra. “O pico desse processo é a eleição de 2018, marcando o início de um novo período, de viés conservador”, diz.
Na análise de Coimbra, o sistema instituído pela Constituição de 1988, que busca promover o desenvolvimento por meio de uma maior intervenção do Estado na economia e na promoção de políticas sociais, é um modelo que está se esgotando. “É por isso que quando tanto Jair Bolsonaro quanto Fernando Haddad falam em promover uma nova Constituinte. Ainda que essa ideia nos cause arrepios institucionais, ela faz sentido neste processo”, avalia.
“Não há povo que goste mais de capitalismo que o brasileiro”, diz analista
Surfando na onda do liberalismo econômico, discurso que levou muitos parlamentares ao Congresso Nacional, Bolsonaro abandonou um histórico de posicionamentos mais intervencionistas e passou a adotar um discurso mais liberal, defendendo a redução do Estado e a privatização de empresas estatais.
Para o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG e autor do livro A Ciência da Política, os serviços providos pelo Estado são tão ineficientes que as pessoas preferem, quando possível, utilizar serviços privados, como escolas ou serviços de saúde, bem como viver em condomínios fechados e usar transporte individual – ainda que nem sempre o discurso acompanhe essa preferência.
“Não existe talvez povo que goste mais de capitalismo que o brasileiro – há uma fuga do Estado, por conta da ineficiência dos serviços”, avalia Gianturco. Para ele, a maior crise econômica da história brasileira causada pelos últimos governos é um fator que explica a atual preferência pelo liberalismo econômico, uma vez que as pessoas estão buscando respostas em outros modelos.
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Para tentar compreender a influência de momentos de crise econômica nas eleições, os economistas Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch analisaram os resultados de 800 eleições gerais, em 20 países desenvolvidos, no período de 1870 a 2014. A conclusão que chegaram é que, nos períodos que se seguem a tempos de crise ou de estagnação econômica, as eleições costumam ser mais polarizadas e os eleitores são especialmente atraídos por propostas políticas de direita, além de frequentemente culparem minorias e estrangeiros pelos efeitos da crise. Segundo eles, em média, partidos radicais aumentam suas votações em 30% em períodos pós-crise econômica nos países analisados.
Para além do aspecto econômico, a solução proposta pela direita abraça um conservadorismo em relação aos costumes na sociedade. A exemplo do que ocorreu com a última eleição presidencial nos Estados Unidos, na qual Donald Trump venceu ao focar sua campanha na defesa do americano branco de classe médio, que se sentia excluído do discurso político, um fenômeno parecido parece ocorrer no Brasil. Para Márcio Coimbra, a direita tem sido mais capaz de entender e de absorver os anseios e desejos de “uma maioria silenciosa” e não apenas de “minorias barulhentas”.
Por que a adesão à agenda da direita é tão grande?
O descolamento do discurso da esquerda progressista da realidade concreta da maioria dos brasileiros pode ser apontado como uma razão que contribui para a adesão à agenda da direita.
Em outubro de 2017, exatamente um ano antes das eleições de agora, o jornalista Rodrigo da Silva, autor do Guia Politicamente Incorreto da Política Brasileira, escreveu em seu Facebook um texto que hoje poderia soar como profecia: “A gente mora num puxadinho da África subsaariana. Nós ainda sequer conseguimos resolver boa parte dos problemas que nos atormentavam no século dezenove. Mas a julgar o que realmente importa no nosso debate público, o que gera discussões acaloradas pelas mentes mais brilhantes deste país, nascemos todos em algum canto tropical perdido da Noruega. 73% dos brasileiros não são plenamente alfabetizados na língua portuguesa. Se você parar, no entanto, para ouvir o que se discute nas nossas universidades, vai jurar que está preso a uma convenção do partido Democrata. Genderqueer, slut shaming, gaslighting, mansplaining, male tears. Não é muito difícil perceber as consequências dessa baboseira toda. Gravem bem: a nossa elite intelectual realiza um esforço estupendo para conduzir Jair Bolsonaro ao posto mais alto da República. E o pior, vai demorar alguns bons meses ainda até se dar conta disso”, escreveu no ano passado.
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“Quanto mais protagonismo nós damos aos problemas enlatados do primeiro mundo, quanto mais fingimos que o que realmente importa por aqui são discussões aleatórias sobre os limites de expressão da arte ou o que pensa um bando de narcisistas da zona sul do Rio de Janeiro – gente esquizofrênica o suficiente para acreditar que governa o país do apartamento da Paula Lavigne – maiores são as apostas no ticket de Bolsonaro”, completou Rodrigo da Silva à época.
Andrei Dillon Soares, especialista em políticas públicas e gestão governamental, faz questão de se afirmar como uma pessoa de esquerda e diz que irá votar em Fernando Haddad no segundo turno das eleições. “A esquerda tem na igualdade e na proteção de vulneráveis uma bandeira central, o que a leva a focar esforços na inclusão e proteção de segmentos vulneráveis – mulheres, povos tradicionais, indígenas, população LGBT, entre outros. Tal esforço permite que o Estado focalize políticas públicas em quem mais precisa, aumentando a eficiência da ação estatal: quão mais vulnerável é uma população, maior será o retorno por real investido. Mesmo que criticadas, cotas para negros respondem a dados científicos mostrando que essa população tem menos acesso à universidade”, diz.
Mas ele faz uma autocrítica: “O problema é que essa lógica virou excludente, ofuscando atenção a segmentos às vezes mais vulneráveis que a média. O sofrimento de homens e meninos, por exemplo, virou tabu para a esquerda. O programa de governo do Haddad menciona mulheres 30 vezes, cinco delas em um contexto de segurança pública. Isso não é ruim e enfrentar a violência contra a mulher é fundamental. Não há uma única palavra sobre violência letal contra homens, ainda que 56.409 deles tenham sido assassinados em 2016, contra 4.635 mulheres”, explica Soares, que cursa um mestrado na área de violência contra homens.
“Assim, não surpreende que homens de periferia se voltem à direita: vivem em meio à violência, têm uma chance de serem assassinados 13,3 vezes maior do que uma mulher. Mas a esquerda os ignorou até agora na eleição. Não é surpreendente que não votem nela – é inevitável. E só será revertido se as palavras ‘homem’, ‘menino’ e ‘masculino’ deixarem de ser tabu na esquerda”, completa.
Segurança, um problema concreto que estava sendo pouco explorado pelos políticos
Justamente a questão da segurança é o ponto central da campanha de Jair Bolsonaro à presidência e o tema que pautou a escolha de muitos eleitores também nas eleições legislativas. Em todo o Brasil, houve um aumento de 25% de ex-policiais eleitos parlamentares, chegando a 15 deputados federais e 40 estaduais.
Pelo Partido Social Liberal (PSL), partido de Bolsonaro, 12 dos 52 deputados eleitos pela legenda declararam aos tribunais eleitorais pertencer a profissões ligadas à área da segurança. “É um fenômeno que remete ao conceito da Pirâmide de Maslow, que diz que primeiramente às pessoas se preocupam com as necessidades básicas, como a alimentação e a segurança, antes de pensar em problemas culturais e imateriais”, explica Adriano Gianturco, professor de Ciência Política do IBMEC-MG.
E como a segurança é um problema muito concreto no Brasil e que estava sendo pouco explorado no debate político, essa lacuna foi preenchida por Bolsonaro, que ao migrar para o PSL, fez com que o partido, que em 2014 conquistara apenas uma cadeira na Câmara dos Deputados, elegesse em 2018 a segunda maior bancada, com 52 deputados, atrás apenas do Partido dos Trabalhadores (PT), que elegeu 56 parlamentares.
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Para além dos movimentos cíclicos, de uma lacuna de representatividade por parte das maiorias e de uma reação pendular ao domínio da agenda de esquerda nos últimos anos, o estrategista político Márcio Coimbra também chama atenção para o sentimento de indignação geral em relação à corrupção, tema que praticamente monopoliza o noticiário político nos últimos anos.
O sentimento anticorrupção enfraqueceu também partidos tradicionais como o MDB, o PSDB e o PTB, agremiações que mais tiveram reduzida sua bancada no Parlamento nestas eleições, e também reforçou candidaturas de jovens e de outsiders da política.
Neste novo cenário político, bandeiras suprapartidárias como a redução de privilégios e gastos dos próprios parlamentares podem unir esquerda e direita. Um caso interessante é o da Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG). Três jovens vereadores – Mateus Simões (Novo), Gabriel Azevedo (PHS) e Áurea Carolina (PSol) –, em que pese defenderem posições distintas no espectro político, não raras vezes atuam em conjunto no enfrentamento aos antigos políticos que dominam a Câmara Municipal.
Para dar exemplo, abriram mão de regalias e de parte das verbas de gabinete e costumam denunciar manobras políticas antigas como registrar presença e depois sair do plenário para não haver quórum para votação, liberando os parlamentares do trabalho. Talvez a bandeira da ética faça com que, no processo de renovação da política, a dicotomia entre a esquerda e a direita seja menos importante do que a postura republicana de tratar a representação democrática com seriedade e correção.