Já faz alguns meses desde que a atriz Luana Piovani anunciou, em seu canal de YouTube, que vai deixar o Brasil, porque o país “não oferece dignidade”. A mudança de Luana diz muito sobre o comportamento do brasileiro, sobretudo nesse ano eleitoral. Há um desalento com a situação do país – que começa com a falta de emprego, uma economia que só patina e culmina com problemas de segurança e falta de acesso a serviços básicos de qualidade. Mas a mudança também esbarra nas dificuldades do processo de imigração e, em muitos casos, fica só na vontade.
Não é só Luana que pensa em deixar o Brasil. Em 2017, foram entregues 21.701 declarações de saída definitiva do país para a Receita Federal. É a maior quantidade de brasileiros que deixaram o país nos últimos anos e significa um crescimento de quase 120% nos últimos cinco anos – em 2013, eram contabilizadas 9.887 declarações de saída definitiva. Desde 2015, a recessão impulsionou a “fuga” de brasileiros que tentam buscar vida nova, ainda que começando do zero, em um novo país.
A atriz já vem anunciando há mais tempo, ao menos desde fevereiro, que planeja se mudar “até 2019”. Agora, diz que está na “vibe” da mudança, olhando tudo com olhos de quem está deixando o país. O destino escolhido poderia ter sido os Estados Unidos ou Uruguai, mas a atriz acabou optando por Portugal – o novo queridinho de muitos brasileiros, também pela facilidade do idioma. “O fato de ter a mesma língua ajuda muito, mas o fato de o seu diploma não ser reconhecido por lá atrapalha geral. No meu caso, eu não preciso de diploma para trabalhar como atriz. Eu posso fazer teatro, televisão”, respondeu a uma seguidora, que é advogada e contou que também gostaria de se mudar para Portugal.
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Esse movimento de brasileiros indo para Portugal também se faz notar pelo volume de dinheiro enviado para o exterior. Dados de transferências pessoais do Banco Central (BC) mostram um crescimento impressionante nas remessas enviadas para fora. Em 2010, durante todo o ano foram movimentados US$ 957,3 milhões – cerca de US$ 65 milhões foram enviados para Portugal. No ano passado, os brasileiros enviaram US$ 2,1 bilhões para fora, sendo US$ 154,2 milhões para Portugal.
E a comunidade brasileira em Portugal é a mais representativa entre os imigrantes. De acordo com dados do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2017, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, órgão do governo português, eram 85.426 brasileiros vivendo no país no ano passado. Além disso, houve um aumento de cidadãos italianos indo morar em Portugal, sendo que quase um quinto desses imigrantes são brasileiros com nacionalidade italiana. “A nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente, tendo aumentado 5,1% em relação a 2016, invertendo assim a tendência de diminuição do número de residentes desta nacionalidade que se verificava desde 2011”, diz o relatório. Em 2011, o brasileiros curiosamente lideravam o grupo de estrangeiros em Portugal que preferiam voltar aos países de origem.
Apesar de já ter escolhido o país em que deseja morar, a atriz não tem um plano de trabalho definido. “Quando você mora em um lugar que te dá as coisas básicas para viver, é melhor passar justo lá do que passar justo aqui”, avalia. Luana diz que, se precisar, pode virar vendedora de loja ou até mesmo investir na carreira de boleira. “Claro que isso não vai me trazer o dinheiro que eu gasto hoje, mas a gente se adequa”, pondera. E ainda justifica os motivos da mudança: “o fato de você não ter que ter medo de morrer de uma bala perdida, porque a gente vive num país e em uma cidade onde bandido atira e policial revida. E aí quem tá no meio que se dane. Ou que seu filho possa morrer por causa de uma bicicleta, de um tênis ou por causa de uma surra na saída de uma festa”, avalia.
A segurança – ou a falta de – é apontada como um dos principais fatores para deixar o país. Pudera: em 2016, 62.517 pessoas morreram assassinadas no Brasil, o que representa uma taxa de 30,3 mortes a cada 100 mil habitantes. Esse número corresponde a 30 vezes o índice da Europa, de acordo com o Atlas da Violência 2018, produzido pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para se ter uma ideia, dados do Banco Mundial apontam que em 2016, a Síria registrou 44,3 mil mortes – em um país que está em guerra.
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Em Portugal, o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2017 apontou que a criminalidade geral aumentou 3,3% no país, principalmente por causa do crescimento de crimes de moeda falsa, incêndio florestal e burlas para vendas e aluguéis pela internet. A quantidade de homicídios voluntários consumados, como é classificado em Portugal, também subiu: foram 82 casos registrados em 2017, contra 76 em 2016. Isso significa que em um dia no Brasil morrem duas vezes mais pessoas assassinadas do que em um ano inteiro em Portugal.
O curioso é que Portugal viveu uma crise econômica ainda mais aguda que a brasileira. Na esteira da crise global de 2008, a zona do Euro também foi atingida e Portugal foi um dos países mais afetados. Precisou, inclusive, de ajuda financeira – foram quase 80 bilhões de euros vindos da União Europeia em 2011 – e um pacote de austeridade que incluiu aumento de impostos, cortes no setor público e também redução de serviços básicos.
Em 2015, Michel Temer, então vice-presidente do Brasil, declarou que o ajuste fiscal de Portugal era um exemplo para o Brasil, após um encontro com o vice-primeiro-ministro português, Paulo Portas. Na época, o Brasil já discutia seu ajuste fiscal no Congresso. De lá para cá, o país até conseguiu aprovar o teto de gastos públicos, mas sem reforma da Previdência, a medida não deve se sustentar por muito tempo.
O “milagre” da recuperação econômica portuguesa é colocado em xeque por especialistas, por estar muito calcado no consumo e dependente de fatores externos, como o turismo e a boa fase global. Mas, por enquanto, a austeridade deu resultado por lá. E medidas para controlar os gastos públicos precisam ser discutidas pelos candidatos que estão de olho no Palácio do Planalto, aqui. Não adianta prometer a criação de empregos, retomada da economia e mais investimentos em saúde, educação em segurança quando o Estado está quebrado. Sanear as próprias contas é o primeiro passo para tentar frear a debandada de brasileiros que, assim como Luana Piovani, só veem perspectivas em recomeçar a vida no exterior.
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