O apresentador de televisão e empresário Luciano Huck cancelou a visita que faria nesta quinta-feira (9) a Curitiba para a festa de inauguração de uma hamburgueria, da qual é sócio, por receio de ser alvo de uma “chuva” de ovos. Os organizadores da “ovada” afirmavam se tratar de um protesto contra “a ostentação do hambúguer gourmet (...) simbolizado no playboy almofadinha”. Mas o contexto é bem mais político: Huck voltou a entrar nos últimos dias na lista de possíveis candidatos a presidente em 2018.
Ainda é cedo para saber se o apresentador vai realmente entrar na disputa pelo Planalto. Mas pelo menos já se pode apostar, sem grande receio de errar, que muitos ovos vão voar pelos ares do Brasil até as eleições. Afinal, as manifestações de hostilização e ridicularização de políticos, vulgarmente conhecidos como escracho, estão cada vez mais frequentes – um sintoma da perda de seriedade da vida pública nacional e também um indicador do risco de o país inviabilizar sua convivência social, entrando numa espécie de “guerra” de todos contra todos.
A política é a arte de discordar pelas palavras e pelos gestos. Quando você não garante o exercício da política pela palavra, vai apelar para os gestos – que podem ser de força ou de ridicularização
Bolsonaro, Doria e Lula: ovadas vão da direita à esquerda
Num comunicado, a hamburgueria Jeronimo informou que Luciano Huck sabe de sua responsabilidade diante da sociedade e dos frequentadores do Shopping Estação, onde fica o empreendimento. A empresa explicou que, para evitar tumultos ou desconfortos, o apresentador cancelou sua visita a Curitiba. O protesto contra Huck, organizado pelas redes sociais, tinha 1,7 mil interessados e cerca de 250 pessoas confirmadas até o início da noite desta quarta-feira (8).
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Huck não é nem mesmo o primeiro presidenciável a virar alvo de uma ovada – protesto que não enxerga ideologia, atingindo da direita à esquerda.
Em agosto, manifestantes contrários ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), promoveram uma “chuva de ovos” durante uma visita do tucano a Salvador (BA). No mesmo mês foi a vez de Jair Bolsonaro (PSC) ser hostilizado por uma mulher que quebrou um ovo no peito dele, em Ribeirão Preto (SP).
No ano passado, pessoas que protestavam contra o ex-presidente Lula (PT) lançaram um ovo na sede do Instituto Lula, onde ele estava. Quando o petista deixou o imóvel, debaixo de vaias e xingamentos, o carro que o conduzia foi “estapeado” por um dos manifestantes.
Quando as palavras calam, restam a violência e a ridicularização
“A política é a arte de discordar pelas palavras e pelos gestos. Quando você não garante o exercício da política pela palavra, vai apelar para os gestos – que podem ser de força ou de ridicularização”, afirma Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp.
Segundo Romano, é isso que vem ocorrendo no Brasil. As “ovadas” e as hostilizações contra políticos apenas refletem a interdição do debate público de ideias e projetos. Sem a palavra, restam a violência ou a zombaria como instrumento de manifestação política.
O professor da Unicamp explica que foi a própria classe política que causou a perda da seriedade das instituições. Ele cita como exemplo a sessão da Câmara dos Deputados que decidiu em 2016 pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Deputados se xingaram, se agrediram e tiveram outras condutas vergonhosas. “O parlamento brasileiro se transformou num verdadeiro circo”, diz Romano.
Segundo ele, outras instituições que deveriam zelar pela civilidade, como o Supremo Tribunal Federal (STF), também têm sido palco de desrespeitos. Frequentemente, ministros do STF acusam uns aos outros e trocam ofensas em plenário.
Luciano Huck reforça a ideia da política como encenação
Romano acredita que as supostas pretensões eleitorais de Huck intensificam a perda de credibilidade da esfera pública brasileira. Huck apresenta na televisão um show. Sua possível candidatura, desse modo, reforça a ideia de que a política é encenação, um teatro, e não algo sério.
Para o professor da Unicamp, a ovada contra Huck pode ser interpretada de duas formas: como uma manifestação legítima contra a manipulação da política por uma celebridade ou tão somente como mais uma expressão da degradação do espaço público nacional. “É difícil julgar”, diz Romano.
O risco para o país: o fim da convivência política
Roberto Romano vê um risco grave para o país diante da perda de seriedade da política: o convívio público se tornar impossível. “Isso ocorre quando ninguém acredita mais na palavra dos outros e nas instituições.” Seria uma espécie de “guerra social”.