Na semana final do primeiro turno das eleições, a campanha do candidato Jair Bolsonaro (PSL) retomou um tema relacionado à construção da imagem do deputado federal e que seus adversários usaram para rotulá-lo como inimigo dos direitos dos homossexuais. A cartilha "Escola sem Homofobia”, batizada pelo presidenciável do PSL de "Kit Gay", voltou à pauta, agora para atingir diretamente o segundo nome com maior destaque nas pesquisas, o petista Fernando Haddad.
Como o material foi lançado durante a gestão de Haddad no Ministério da Educação (MEC), entre 2005 e 2012, as contas oficiais do candidato e de seus apoiadores próximos voltaram a reforçar que Haddad seria o criador do material. A retomada do assunto surge quando nomes influentes ligados às igrejas evangélicas declaram apoio ao candidato do PSL. Essas lideranças estão preocupadas com o avanço da agenda LGBT radical contra o direito de pais e mães educarem moralmente seus próprios filhos, e com ataques às liberdades de expressão e religiosa (leia mais abaixo).
A conta oficial de Bolsonaro no YouTube, que conta com mais de um milhão de seguidores, publicou na segunda-feira (1º) um vídeo com trechos de reportagem veiculada na época do lançamento da cartilha, em 2012, junto com falas do deputado em plenário e ainda um vídeo que mostraria um dos responsáveis pela criação do material, que na época trabalhava no MEC, com Haddad.
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Com o título “Haddad, o criador do kit-gay: Vamos mudar o rumo da educação”, o vídeo já tem mais de 52 mil visualizações. Versões do mesmo material em formato compacto estão circulando nas redes sociais em contas pró-Bolsonaro e também pelo WhatsApp.
O material está sendo replicado nas redes sociais junto a hashtags como #EleSimENo1Turno e #OsPingosNosIs. Outra hashtag usada em posts compartilhados nos últimos dias sobre o tema é #ForaPTno1Turno. Em uma das publicações com essa hashtag, é exibida uma imagem de Haddad com um arco-íris e os dizeres “O candidato do kit gay. Crianças de 6 anos terão aulas de gayzismo (SIC) nas escolas?”.
O vídeo compartilhado por Bolsonaro e aliados mostra Haddad, em imagens da época que era ministro da Educação, em suposta reportagem televisiva que afirmaria que ele não deu declarações sobre a criação do kit gay. A reportagem ainda mostra uma reunião de Haddad com lideranças evangélicas, e o que seria uma declaração do então ministro, afirmando que, mesmo após ouvir as lideranças, ele não iria garantir a retirada de qualquer conteúdo da lista criada pela Comissão de Publicações do MEC. O vídeo não deixa claro sobre qual cartilha o ministro estaria falando.
Na sequência, imagens de Bolsonaro no plenário da Câmara em outubro de 2012 são exibidas, nas quais o deputado diz que Haddad “começou o kit gay”, em 12 de abril de 2010, com despacho no Diário Oficial. A declaração de Bolsonaro também não deixa claro o que teria sido criado por Haddad via Diário Oficial e as críticas do deputado se devem, naquele momento, ao lançamento da candidatura do petista à prefeitura de São Paulo.
“Atenção povo católico, povo evangélico de São Paulo. Povo paulistano. Você quer que seu filho aprenda lições de homossexualismo no Ensino Fundamental? Se quer, vota no Haddad”, diz Bolsonaro.
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Flávio Bolsonaro, candidato a senador pelo Rio de Janeiro pelo PSL, e Eduardo Bolsonaro, candidato a deputado federal pelo PSL por São Paulo, também compartilharam o vídeo. Em outra publicação de sua conta oficial no Twitter, Eduardo Bolsonaro reforça a posição de combate às ideologias de gênero, ao pedir doações para sua campanha.
“Ajude-nos a barrar a ideologia de gênero, a erotização precoce de nossas crianças em sala de aula e o marxismo cultural”. Junto com essa postagem, ele compartilha vídeo no qual reforça a mensagem contra o kit gay: “Educação é papel da família, a ser complementado pela escola. Agora, falando para crianças de cinco anos sobre ideologia de gênero, nós estamos abrindo as portas para a pedofilia”, diz o deputado.
Apoio evangélico somado à retomada da pauta do kit gay
Os ataques ao kit gay e os esforços para ligar o tema a Haddad foram retomados nos dias seguintes ao anúncio de líderes evangélicos de apoio a Bolsonaro. Lideranças evangélicas e setores da Igreja Católica têm se mobilizado contra a agenda que setores do movimento LGBT tentam fazer avançar desde a década passada. Para essas lideranças, algumas dessas propostas desrespeitam o direito que os pais têm de educar moralmente seus filhos, promovem a sexualização precoce de crianças e adolescentes e desrespeitam a liberdade de crença e de expressão.
No dia 29, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, declarou seu voto no candidato do PSL, durante transmissão ao vivo pela internet. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, no dia seguinte à declaração de apoio, um culto na sede da igreja em Brasília exibiu um vídeo contra o kit gay.
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Entre as contas que retomaram o assunto e relacionaram diretamente a Haddad está a do líder evangélico Silas Malafaia. No mesmo dia que a conta oficial de Bolsonaro no YouTube divulgou o vídeo que liga o candidato petista ao kit gay, Malafaia publicou em sua conta do Twitter: “ESSA IMPRENSA PENSA QUE O POVO É IDIOTA! É um descalabro, é de causar profunda indignação, como a imprensa está comprometida com o pai do kit gay, fantoche de corrupto, representante dos governos mais corruptos, esse é Haddad”.
Nas redes sociais, também são utilizadas reportagens antigas sobre o tema, de forma a induzir o leitor a ter um entendimento errado das publicações. Em uma das publicações encontradas pela Gazeta do Povo no Twitter que relaciona Haddad ao kit gay, é compartilhado o link para uma reportagem com o seguinte título: “Haddad afirma que o ‘kit gay’ será reformulado e lançado até o fim do ano”. Porém, a suposta informação conta em notícia que teria sido publicada em um portal de notícias evangélicas replicando suposto conteúdo noticioso originalmente publicado em maio de 2011.
A vinculação do kit gay a Haddad por Bolsonaro não é algo novo. Por causa da cartilha, Haddad virou a “estrela” do gabinete de Bolsonaro. De 2011 até março deste ano, o deputado do PSL manteve cartazes com o ex-ministro petista colados no vidro da entrada do gabinete, com menção ao kit gay.
O que há na cartilha
A cartilha “Escola sem Homofobia” tinha como objetivo oficial orientar professores do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio a combater a homofobia nas escolas. Entre diversas abordagens, os materiais promoviam a ideologia de gênero e a sexualização precoce de crianças. O documento foi elaborado por ONGs ativistas LGBT, a partir de recursos liberados por emenda parlamentar na Comissão de Legislação Participativa do Congresso Nacional.
A cartilha era parte de uma iniciativa mais ampla do Ministério da Educação, o Projeto Escola sem Homofobia, gestado a partir das diretrizes lançadas no Programa Brasil sem Homofobia, de 2004, e da I Conferência Nacional de Políticas Públicas para a População LGBT, ocorrida em junho de 2008, sob coordenação da Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República.
Ideologia de gênero é um conjunto de teorias que tentam separar o que se chama de “identidade de gênero” do sexo biológico dos indivíduos. Segundo o caderno de propostas da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ocorrida entre 24 e 27 de abril de 2016, em Brasília, identidade de gênero seria “uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros)”. Segundo o mesmo documento, a teoria queer “propõe a desconstrução das identidades sexuais via discurso”."
Na cartilha “Escola sem Homofobia”, é possível ler que “o que se vê hoje é, pode-se dizer, produto de uma construção social, algo que constituiu uma parte crucial da organização da desigualdade social” e que “a noção de identidade de gênero nos possibilita perceber que não é pelo simples fato de possuirmos genitais de um ou de outro sexo que automaticamente nos identificamos como pertencentes a este ou àquele”.
“As identidades de gênero são, portanto, as maneiras – sempre diversas entre si – que o indivíduo tem de se sentir e de se apresentar para si e para os demais na condição de mulher ou de homem ou, em muitos casos, como uma mescla de ambos, sem que se possa inferir desse processo uma conexão direta e inescapável com o sexo biológico”, afirma ainda.
O documento ataca ainda concepções morais e religiosas sobre a personalidade humana, ao dizer que “essa visão de pecado é manipulada para controlar o desejo espontâneo das pessoas por outras do mesmo sexo, reforçando o que já vimos anteriormente quando tratamos da visão heteronormativa da sociedade”.
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Em um dos vídeos de apoio citado na cartilha, a animação “Medo de quê?”, um menino aparece deitado em sua cama. Ele vê imagens de mulheres de biquíni enquanto se masturba, mas acaba pensando em um colega do sexo masculino. Em seguida, o protagonista da animação compra revistas de pornografia masculina e, mais tarde, os dois meninos começam a namorar.
Em outro vídeo, “Boneca na Mochila” em que uma mãe está preocupada com o fato de a escola ter encontrado uma boneca na mochila de seu filho, um psiquiatra aparece em um programa de rádio afirmando que “o troca-troca nessa idade entre dois meninos só expressa o desejo que eles têm de descobrir o seu corpo e o corpo do outro. Na realidade, durante toda nossa educação, nós ficamos proibidos de tocar os nossos genitais”.
Mais adiante, o mesmo médico afirma que “essa ideia de que a criança precisa da referência masculina dentro de casa é um mito, porque, na realidade, a referência masculina e feminina existe no mundo, ela existe em todas as partes, não é necessário que ela exista dentro de casa”.
Em outro vídeo, chamado “Encontrando Bianca”, um adolescente chamado José Ricardo está inconformado com o próprio sexo, vai à escola vestido como menina e com as unhas pintadas de vermelho. Quer ser chamado de Bianca, inclusive na hora da chamada, e lamenta não poder usar o banheiro feminino.
Em novembro de 2017, a Gazeta do Povo publicou, com exclusividade em língua portuguesa, o mais importante estudo sobre ideologia de gênero na medicina: “Disforia de gênero, condições médicas e protocolos de tratamento”, de Michelle Cretella, médica e presidente do American College of Pediatricians (ACPeds). O estudo aponta para os perigos de mudanças bruscas na compreensão médica sobre o fenômeno da disforia de gênero sem pesquisas sólidas que as recomendem.
Segundo o filósofo Ryan Anderson, autor de um livro sobre o tema, "no centro da ideologia de gênero está a radical afirmação de que sensações determinam a realidade. A partir dessa ideia surgem demandas extremas para a sociedade lidar com afirmações subjetivas da realidade”.
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