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Manuela D´Ávila: pré-candidata a presidente foi interrompida pelo menos 40 vezes num programa de entrevistas e isso trouxe a discussão do machismo para a discussão eleitoral. | Mauro Pimentel/AFP
Manuela D´Ávila: pré-candidata a presidente foi interrompida pelo menos 40 vezes num programa de entrevistas e isso trouxe a discussão do machismo para a discussão eleitoral.| Foto: Mauro Pimentel/AFP

O machismo entrou com força na agenda pública nos últimos dias. Começou com a reprovação ao comportamento de torcedores brasileiros que estão acompanhando a Copa do Mundo na Rússia – e gravaram vídeos pedindo a mulheres que repetissem palavras degradantes. O tema viralizou e esquentou o debate até chegar à pré-campanha eleitoral. Enquanto candidatos homens, como Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT), tentam se descolar da pecha de machistas de olho no voto feminino, a presidenciável Manuela D’Ávila (PCdoB) foi interrompida pelo menos 40 vezes no programa Roda Viva, mostrando algo que ocorre diariamente com muitas mulheres. O tema incomodou – em variados graus – diferentes setores da sociedade. Mas será que é um assunto que incomoda o eleitor?

Especialistas consultados pela Gazeta do Povo avaliam que esse é um tema que entrou para ficar na agenda pública – e que pode ganhar mais espaço nos próximos anos. O machismo afeta as eleições a começar porque ainda não está naturalizada a presença da mulher em cargos públicos. Depois, porque reflete um comportamento arraigado da sociedade que ainda é mais conservadora. E reverbera nas pesquisas de intenção de votos, fazendo com que candidatos tomem mais cuidado com suas atitudes para não ficar mal na fita.

Mas, apesar de movimentar tantos mecanismos e gerar tanto zunzunzum, esse é um tema que passa batido para muitos eleitores e acaba influenciando muito pouco o resultado do pleito.

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Pesquisadora da UFPR e autora do livro “Campanhas Eleitorais para Mulheres”, Luciana Panke avalia que a tendência é de que esse debate esquente. “Significa que homens e mulheres devem ter em mente a participação feminina nas eleições não apenas como eleitoras, mas como candidatas e como mulheres que vão compartilhar esse poder”, diz.

Machismo não é prioridade do eleitor, mas o assunto pode complicar candidatos

Mas, por mais que a pauta esteja em voga no cenário pré-eleitoral, a divisão do jogo político deverá ficar mais relacionada às propostas de direita e esquerda do que para questões de machismo e feminismo.

Essa temática em nenhum momento é prioridade do eleitor, analisa o diretor do Instituto Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, com a ponderação de que o tema machismo pode, sim, atrapalhar. “Não é isso que vai decidir a eleição no Brasil. O que vai pesar é saúde, educação, economia, previdência. Mas esses [machismo e feminismo] são os temas da pré-campanha”, analisa.

Mas a tendência é de que esse debate permeie todo o período eleitoral. Para a pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM/UFRGS), Cibele Cheron, não há problema nesses temas em serem tratados de formas distintas por diferentes nichos da sociedade, com posicionamentos e opiniões variados. O ponto é que é preciso haver debate. “Quem tem medo do que uma mulher possa dizer, a ponto de não deixá-la falar? Um problema que não é visibilizado, não é combatido. Se queremos combater a desigualdade de gênero, precisamos falar sobre ele, sempre e cada vez mais”, afirma.

Marketing eleitoral ou proposta efetiva?

Por mais que não mude o resultado da eleição, nenhum candidato quer ficar com a pecha de machista. Que o diga Ciro Gomes, que viu suas intenções de voto despencarem em 2002, após uma declaração infeliz sobre o papel de sua então mulher, a atriz Patrícia Pillar, em sua campanha. Desbocado e sem jeito, Ciro disse que a função dela era “dormir com ele”. Pegou mal.

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Para Hidalgo, esse é o exemplo mais emblemático da discussão sobre machismo no âmbito eleitoral. Há quem aponte o episódio como fundamental para a derrocada daquela candidatura. “Atrapalhou muito, mas em momento algum tirou a eleição do Ciro. Não foi o fator decisivo, apesar de que ele vivia um momento bom da campanha que, a partir daquela fala, acabou”, analisa.

Agora, Ciro quer usar na campanha depoimentos de suas ex-mulheres. Mas essa estratégoa é questionável. A professora Luciana Panke lembra que a declaração de 2002 foi reflexo do pensamento do político, que também é avalizado como “normal” por uma boa parcela da sociedade. “Tentar reverter esse tipo de papel é uma estratégia de campanha que uma hora vai dar errado. Porque ele é assim. Não adianta mostrar que o homem está batalhando por igualdade e respeito da mulher se, de repente, na cabeça dele lugar de mulher não é na política.”

Da mesma forma, trazer uma candidata a vice mulher, como especulado por apoiadores de Jair Bolsonaro, não é garantia de uma plataforma pró-mulher. Para Cibele Cheron, esse tipo de medida pode melhorar posições nas urnas se as campanhas fizerem um uso estratégico desses fatores para convencer os eleitores. Mas, para ela, o ponto principal é que “o machismo não tem preferências ideológicas. Há machismo nas ações de candidatos e de candidatas – claro que, nas de alguns, mais do que de outros”, avalia.

Ou seja: esse falatório de campanha sobre o machismo agrada a um determinado público ao mesmo tempo em desagrada outro. No caso da disputa à Presidência, a internet tem sua influência, mas não necessariamente vai refletir em intenção de voto.

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Maioria no eleitorado, minoria na representação

O tema de políticas para mulher está em alta – seja porque há sensibilidade para a causa ou porque os candidatos estão de olho no voto do eleitorado feminino. Embora as mulheres sejam a maioria do eleitorado – 52%, de acordo com dados do TSE –, a participação delas em cargos eletivos é baixa. E esse momento de mudança de agenda temática também passa pela participação de mulheres candidatas e eleitas para cargos públicos. Para esse ano, há a mudança da aplicação e gestão de custos – além da cota de candidatas mulheres, há uma verba reservada para elas.

Para Polianna Santos, advogada e professora de direto eleitoral da PUCMG, a baixa representatividade de mulheres não é culpa de outras mulheres. “Elas ainda não têm ou não tiveram espaço suficiente na maioria dos partidos. Não adianta sermos maioria do eleitorado se não estivermos pau a pau no que diz respeito à representatividade entre os candidatos”, aponta.

Na Câmara Federal, das 513 vagas, só 55 são ocupadas por mulheres. No Senado, são 12 senadoras para as 81 cadeiras. O Brasil fica na 154.ª posição no Mapa das Mulheres na Política da ONU e da União Interparlamentar, de 2017, que analisou informações de 174 países.

Eleitorado feminino não é homogêneo: interesses delas são distintos

Além disso, o eleitorado feminino é pulverizado: as pautas e interesses das mulheres são distintos e o “voto feminino” não é uma constante. Para Cibele Cheron, elas não fazem parte de um bloco monolítico e, embora o machismo prejudique a todas, as demandas de uma mulher branca, escolarizada e de classe média são diferentes das de uma mulher negra, de baixa escolaridade e pobre. Assim como profissionais liberais, indígenas e mães também têm reivindicações específicas. “O fato de sermos mulheres nos aglutina em algumas demandas comuns, mas não nos homogeiniza”, resume.

Na hora de escolher um candidato, ainda que muitas mulheres procurem votar em outras mulheres, nem sempre conseguirão eleger a sua candidata ou uma comprometida com a defesa de direitos e demandas das mulheres no espaço público. Para cargos do legislativo, há o fator quociente eleitoral. E mulheres candidatas que também reproduzem machismo. Por isso, é importante a participação política constante, de base, para que mulheres possam exercer sua cidadania plena.

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