A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva suscitou o debate sobre se um político preso pode ser candidato às eleições. No caso do petista, a questão deve ser julgada apenas em setembro pela Justiça Eleitoral. Mas há outros casos semelhantes. Um deles chama a atenção: o do empresário rural Antério Mânica, hoje com 63 anos, que foi eleito prefeito de Unaí, Minas Gerais, pelo PSDB, em 2004, fazendo campanha da cadeia. E que venceu com mais de 70% dos votos.
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Mânica foi acusado de ser o mandante dos assassinatos de três fiscais do trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho, no rumoroso caso que ficou conhecido como a "Chacina de Unaí", que ocorreu em janeiro de 2004. Na época, ele ficou 16 dias seguidos preso. E ainda se reelegeu em 2008.
Somente em 2015, 11 anos depois, Mânica foi julgado por um júri popular, em Belo Horizonte (MG). Foi condenado a 100 anos de cadeia. Mas entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, e está em liberdade até hoje.
O caso de Mânica foi citado pelo ministro Gilmar Mendes quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou e negou o habeas corpus para manter Lula fora da cadeia. Mendes falou do caso do fazendeiro como um exemplo dos problemas da Justiça.
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“Esse crime reprovável em Unaí. Onde o reconhecido mandante foi condenado a cem anos de prisão e ainda está solto. Vai para a casa em seguida. É algo incompreensível. Incompreensível para o senso comum e para o senso técnico”, disse Gilmar Mendes.
Antério Mânica ainda mantém influência política na cidade. O atual prefeito de Unaí, Branquinho, do PSDB, foi eleito com seu apoio. Branquinho é um antigo aliado de Mânica, de quem foi vice-prefeito.
“ Minha participação é zero nesse trem horroroso”, diz Antério Mânica
A vida segue normal para Antério Mânica em Unaí, cidade de 90 mil habitantes e a 600 quilômetros de Belo Horizonte. Ele permanece como rico produtor rural de soja, feijão, milho e gado. Em 20 minutos de conversa com a Gazeta do Povo, negou de “pés juntos” ter sido o mandante do crime e afirmou que não está usando recursos protelatórios na Justiça. Seu advogado é o renomado Marcelo Leonardo, de Belo Horizonte, que atuou em vários casos do mensalão e advoga também para Andréa Neves, irmã do senador Aécio Neves.
“O povo diz que fiz, mas não fiz um recurso protelatório. Por quatro vezes pedi para ser julgado no TRF e o Ministério Púbico pediu para não me julgarem. Primeiro, fui inocentado por 4 a 3, no júri popular. Mas o juiz, por causa de um quesito, voltou a votação e me condenaram”, conta Mânica.
“Minha participação nesse crime é zero. Não tenho nada a ver com esse trem horroroso. Eu falo que alguém só vai entender se alguma injustiça bater na sua porta. Quem não me conhece pensa que a gente é um monstro. Ao contrário de quem me conhece. É só perguntar nas ruas de Unaí. Estou aqui há 40 anos. É um trem de doido.”
O ex-prefeito conta como foi a campanha. Ele disse que foi preso a poucas horas do impedimento de se prender candidatos. Na primeira vez, durante a campanha, ficou preso 16 dias e, depois de eleito, mais dois dias. Dois habeas corpus o tiraram da prisão e permitiram sua diplomação e posse.
‘O povo quer que eu volte’
“Minha prisão foi um trem armado. As pesquisas, feitas pelo Ibope mesmo, mostravam que eu tinha 70% dos votos. Até hoje saio nas ruas as pessoas me ‘atacam’ (abordam). E dizem: ‘Antério, você tem que voltar. Precisamos de você. Foi o melhor prefeito dessa cidade’. Tenho até dificuldade de andar nas ruas. O povo quer que eu volte, mas chega, vou cuidar dos meus negócios”, contou o fazendeiro.
A decisão de flexibilizar a prisão em segunda instância, que a defesa do ex-presidente Lula tanto deseja, se sair pode beneficiar Antério Mânica mais para frente. O fazendeiro falou do caso de Lula. Diz que no seu caso foi divulgado tanta mentira que ele fica com o "pé atrás" em relação ao que publicam sobre Lula.
“Cada caso é um caso, lógico. Não sei dizer que tudo que foi dito sobre ele é verdade. Precisa analisar mais a fundo. Qualquer coisa as pessoas saem gritando nas ruas, nas mídias sociais. Sai cada absurdo. Mas alguma coisa contra o Lula deve ter. Não é possível!”.
Mânica se queixa que, no seu caso, quem o investigou - a Polícia Federal e a Polícia Civil mineira - não o indiciou.
“O juiz que me prendeu por ofício e cinco dias depois o Ministério Público me denunciou.”
Na conclusão da conversa, empresário diz que sempre que voltam a tocar nesse assunto da Chacina de Unaí com ele "é um trem que bate na cabeça da gente". Diz que foi alvo de mentira e invenção.
“Como diz o outro: tem mais Deus para dar do que o Diabo para tirar.”
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