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| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

A imprensa foi mais rápida e Flávio Rocha precisou mudar de planos de última hora. O empresário e agora pré-candidato à Presidência pelo PRB, cuja família é dona de uma holding – da qual empresa mais famosa é a loja Riachuelo –, estava em Nova York naquele começo de janeiro para participar de uma das maiores feiras varejistas do mundo. Não lhe sobrou escolha. Pediu à equipe do luxuoso hotel Mandarin, nos arredores do Central Park, para montar o cenário onde gravou um vídeo para apresentar o projeto que, originalmente, seria mostrado aos brasileiros na semana seguinte. Na filmagem detalhando os interesses de seu Movimento Brasil 200 Anos, o líder, um ex-deputado federal que se deu melhor na carreira empresarial, defende sua agenda liberal, aponta o livre-mercado como solução para a desigualdade e dispara: empresário tem, sim, que se posicionar.

A relação dos empresários com o poder público “saiu da moita” de vez. Se até poucos anos, os principais chairmen brasileiros evitavam colar seu rosto no dos políticos, hoje uma nova leva deles não só dá a cara a tapa como assume uma postura mais agressiva quanto ao poder. Tanto que poucas vezes uma eleição presidencial trouxe tamanho cardápio de outsiders vindos do setor privado. Opções palpáveis, como o próprio Flávio Rocha, que flerta há meses com a candidatura ao Executivo estadual do Rio Grande do Norte, João Amoêdo, que anunciou a pré-candidatura à presidência pelo partido Novo, e Luciano Huck, um ioiô na disputa pelo Planalto, para citar. Um efeito que remonta à eleição de João Doria para a prefeitura paulista.

“É um discurso quase como de um chamado. ‘Eles precisam e nós viemos’. O que não é bem verdade, pois a elite empresarial brasileira sempre esteve muito presente na política. É um poder paralelo”, pondera o cientista político Marcelo Reis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “O que acontece é que agora, depois da Lava Jato, essa elite precisou aparecer de forma mais clara. Mas não que isso seja uma cena. Há iniciativas realmente fantásticas e o empresariado precisa exercer seu papel de cobrança, desde que nos limites da influência”, diz.

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Não foi sempre assim. Na chegada de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002] ao poder, empresas brasileiras pareciam à vontade para defender uma agenda liberal do tucano. Com o governo Lula [2003-2011], porém, as mesmas empresas preferiram caminhar para as margens, mantendo o apoio, mas nas sombras. Tudo mudou com a política econômica de Dilma Rousseff [2012-2016]. “Eles [os empresários] saíram [de cena] porque acharam que a pauta liberalizante do Fernando Henrique Cardoso, e que o Lula manteve no seu governo, era suficiente. E acharam que o Brasil estava num caminho muito institucionalizado, indo bem, e não precisavam participar. Aí foram surpreendidos pelo governo de Dilma Rousseff, que foi destrutivo para os empresários e para a população. Com os estragos do governo Dilma, perceberam que era hora de se envolver mais”, avaliou Helio Coutinho Beltrão, empresário e co-fundador do Instituto Mises, em entrevista ao Correio Braziliense.

Para ele, “toda pessoa que tem liderança deveria tentar de alguma forma participar do debate sobre política”. “Os empresários, depois do governo Fernando Henrique, se distanciaram e delegaram 100% da política para os políticos. Não foram só os empresários, mas os líderes religiosos, comunitários, intelectuais também tiraram o pé. Agora, acho que é a hora de voltar”, defendeu.

Outro cientista político, Fábio Duarte aponta que o marco talvez tenha sido a criação do partido Novo, em 2011, de agenda liberal. A agremiação passou bons anos como a principal aposta do setor privado na política, até que a Lava Jato derrubou a solidez de qualquer relação empresa-poder. “A banda podre do empresariado seguiu pensando em financiamentos de campanhas via caixa dois após a Lava Jato. Mas ficou claro para bons empresários que havia um dever cívico a ser cumprido”, diz.

Mesmo nomes que permaneciam afastados do holofote político, como Jorge Paulo Lemann, a pessoa mais rica do país (sua fortuna é estimada em US$ 31,2 bilhões), passaram a se pronunciar. Em uma coletiva recente, após evento na sua Fundação Estudar, a organização sem fins lucrativos que mantém com outros milionários, o sócio da gigante das bebidas AB-InBev disse que os “bolsistas [de seu projeto] vão ter uma oportunidade grande de participar dessa transformação, como empreendedores, políticos ou pessoas atuantes no setor público”.

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Outros grupos apartidários intensificaram sua atuação. O movimento Mulheres do Brasil, criado em 2013, é um desses casos. No ano passado, o grupo se posicionou contra a criação do “fundão”, um fundo público eleitoral que movimentará R$ 1,7 bilhão nas campanhas. Foi uma batalha perdida, mas mostra o interesse do movimento em protagonizar. “O momento político que passamos e os desdobramentos da Operação Lava Jato fizeram com que a classe empresarial ficasse mais atenta com o Brasil como um todo”, disse à revista Isto É Luiza Trajano, fundadora e presidente do conselho de administração do Magazine Luiza. Ela divide as tarefas com Chieko Aoki, presidente do grupo hoteleiro Blue Tree; e Sônia Hess, fundadora da Dudalina. Outras milhares de empresárias dão o apoio.

Flávio Rocha não embarcou sozinho no Brasil 200 Anos. Ele veio com um time extremamente forte de empresários, com gente como Antônio Carlos Pipponzi, presidente do conselho de administração da Drogasil; José Apolinário, proprietário da Polishop; Alberto Saraiva, proprietário da rede de fast-food Habib’s; e Roberto Justus, apresentador de televisão e diretor do grupo Newcomm. No manifesto de apresentação, aquele lido em Nova York, ele admite que a “elite empresarial brasileira” tem sido omissa, quando não antagonista.

“A elite empresarial brasileira, da qual faço parte, infelizmente não tem liderado o processo de mudança para tornar o Brasil um país mais livre. Parte dela é até sócia do assalto ao Estado com prejuízos incalculáveis para a população mais carente. Isso é absolutamente inaceitável. Como cidadão, eu me orgulho da operação Lava Jato. Mas me entristeço por ver empresários envolvidos nos maiores escândalos de corrupção da nossa história. Sem uma elite comprometida com o progresso e com o avanço institucional, não vamos a lugar algum”, diz.

O grupo não atendeu aos pedidos de entrevista da Gazeta do Povo, mas em pronunciamentos anteriores, os membros do Brasil 200 admitem que o grupo deverá atuar apresentando sua pauta aos candidatos e ao Legislativo e fiscalizando e cobrando o andamento dessa implementação. O prazo é de quatro anos. A ideia é que em 2022, ano do bicentenário da independência (e daí seu nome), o país seja bem diferente deste ainda caótico 2018.

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