Recém filiado ao PSB e pré-candidato a presidente da República pelo partido, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa ficou conhecido como o “xerifão” do combate aos corruptos na corte, o juiz linha-dura do mensalão – o esquema de compra de votos no Congresso durante o primeiro governo do ex-presidente Lula (2003-2006). De acordo com pesquisa Datafolha publicada neste domingo (15), o ex-presidente do STF aparece em terceiro ou quarto colocado na disputa pelo Palácio do Planalto. A depender de quem são seus concorrentes, ele detém entre 8% e 10% das intenções de voto.
O conhecimento do brasileiro em relação a ele, contudo, não vai muito além disso. Mas, afinal, quem é o verdadeiro Joaquim Barbosa? O ele pensa? A resposta a essa pergunta pode surpreender muita gente.
Durante o julgamento do mensalão, em 2012 e 2013, Barbosa passou a imagem de ser “antipetista”. Ele era o relator do caso no STF e se posicionou a favor da condenação à prisão de alguns dos principais expoentes do PT. Foi acusado por integrantes da sigla de ser conservador e de direita. Nada mais equivocado. Barbosa é de esquerda (ou ao menos de centro-esquerda) na economia. E “progressista” no campo dos costumes.
Joaquim Barbosa foi um eleitor do PT: votou em Lula e em Dilma
A legenda que escolheu se filiar, o PSB, é o Partido Socialista Brasileiro. Na prática, a sigla não é “socialista” – mas transita na centro-esquerda do país, como Barbosa. Ele não quer “destruir” o capitalismo. Mas acha que o Estado deve interferir para corrigir seus erros. Autodefine-se como um “social-democrata clássico ao estilo europeu”.
“O capitalismo é isso aí. Nós temos que encontrar meios de mitigar os seus efeitos deletérios e saber aproveitar o seu lado bom, o lado criativo, da inventividade, do empreendedorismo sadio”, disse numa entrevista de 2016 ao apresentador de televisão Jô Soares.
Barbosa – o que talvez surpreenda a muitos – também foi um eleitor do PT. Numa entrevista de 2012 ao jornal Folha de S.Paulo, disse que votou em Lula no segundo turno das eleições de 1989 (no primeiro turno escolheu o pedetista Leonel Brizola). Voltou a votar em Lula em 2002. E até mesmo em 2006, quando o escândalo do mensalão já havia estourado. Em 2010, optou por Dilma Rousseff.
“Eu não me arrependo dos votos, não. As mudanças e avanços no Brasil nos últimos dez anos [governos do PT] são inegáveis”, disse Barbosa na entrevista concedida dois anos antes de o escândalo da Petrobras vir a público.
Ex-ministro criticou o “impeachment tajabara” e se referiu a Temer em tom que faria inveja aos petistas
Mas a Lava Jato, que criou as condições políticas para o impeachment de Dilma, tampouco fez o ex-ministro do STF concordar com a saída da petista da Presidência, em 2016. À época, Barbosa usou as redes sociais para criticar a destituição de Dilma e o recém-empossado governo Temer. Usou um tom que faria inveja a qualquer petista.
“Não acompanhei nada desse patético espetáculo que foi o ‘impeachment tabajara’ de Dilma Roussef. Não quis perder tempo”, afirmou Barbosa. Sobre o governo que tomava posse, disse: “É tão embaraçoso! De repente, forças políticas altamente conservadoras tomaram o Brasil. Tomaram tudo! Dominam o Congresso. Cercam o novo presidente (um político que pode ser comparado aos velhos ‘caudilhos’ latino-americanos). Eles conduzem a mídia, incluindo as emissoras de TV. Mas sabem de uma coisa? Eles não têm votos. Esperem um par de anos!”.
Mensalão “separou” Joaquim Barbosa do PT
A simpatia de Joaquim Barbosa por ideias que também são defendidas pelo PT não é de espantar. Afinal, ele foi indicado para o STF por Lula logo no início de seu mandato presidencial, em 2003, não apenas pelo simbolismo de ser o primeiro o primeiro negro a compor o tribunal. Barbosa naturalmente se alinhava com teses defendidas pelo partido. Inclusive o combate à corrupção que marcou o discurso petista antes de chegar ao poder.
Foi justamente nesse ponto que Barbosa e o PT se distanciaram. O PT mergulhou nos esquemas de corrupção do mensalão e do petrolão. E o então ministro do STF virou algoz do partido no primeiro caso.
Ele tampouco poupa o PT e os outros grandes partidos do país por terem se envolvido em casos de corrupção. Numa entrevista do ano passado à rádio CBN, disse não saber “como os três maiores partidos do Brasil [PT, PSDB e PMDB] ainda terão coragem de lançar candidatos” nas eleições de 2018.
Pré-candidato do PSB critica os partidos. Mas terá de governar com eles
Não são de hoje as críticas de Joaquim Barbosa aos partidos brasileiros. Em 2013, ainda como ministro do STF, Barbosa disse que as siglas brasileiras eram “de mentirinha” e não tinham “consistência ideológica e programática” – com raras exceções. “Querem o poder pelo poder.”
Na mesma ocasião, ele fez duras críticas ao modus operandi do sistema político nacional. Disse que o Congresso “é inteiramente dominado pelo Poder Executivo”. Joaquim Barbosa sugeriu a adoção do voto distrital para melhorar a representatividade no Congresso. No voto distrital, o país é dividido em distritos, cada um com o mesmo número de eleitores. O distrito elege um único deputado – que passa a ser o representante daquela minirregião do país.
Mas o fato é que, se Barbosa se eleger presidente, terá de governar com os partidos e o Congresso escolhido pelo sistema que ele critica. Um Parlamento que pode ser tão ou mais conservador do que o atual.
Pouco conciliador. Irascível. Sem papas na língua. Para alguns, até mesmo autoritário
Há vários indicadores de que a relação de um Joaquim Barbosa presidente com os parlamentares possivelmente seria tensa. Não apenas por suas posições duras quanto ao fisiologismo partidário.
Agora que está no PSB, já vem sendo aconselhado a se “entrosar” mais com os integrantes do partido. Trocando em miúdos: Barbosa enfrenta resistências dentro da própria sigla que escolheu porque mantém relação quase que exclusiva com a cúpula da sigla.
O ex-ministro do STF é pouco conciliador e negociador. Sem papas na língua. Para alguns, ele até mesmo tem tendências autoritárias. No Supremo, irritava-se com facilidade com colegas que discordavam de suas posições. A ponto de ter discussões ríspidas com outros ministros durante os julgamentos. Não aceitava receber advogados em seu gabinete por entender ser essa uma prática inapropriada.
Joaquim Barbosa também brigou com a imprensa quando ela foi crítica em relação a ele. Em março 2013, chamou um repórter do jornal O Estado de S.Paulo de “palhaço” e disse ainda para ele “chafurdar no lixo”. O jornal havia solicitado ao STF, dois meses antes, dados sobre passagens aéreas usadas pelos ministros da corte. O tribunal, à época presidido por Barbosa, omitiu as viagens dele na resposta ao veículo de imprensa. Em maio ficou claro por que: o então ministro havia feito 19 viagens custeadas pelo Supremo num período em que estava licenciado – o que foi exposto em reportagem do Estadão assinada por três repórteres, um deles o que havia sido xingado pelo ministro.
Barbosa pediu desculpas. Mas o caso não apenas reforçou sua reputação de ser irascível. Levantou dúvidas sobre o efetivo respeito dele à liberdade de imprensa. E manchou sua imagem de magistrado ético no trato com os recursos públicos.
Joaquim Barbosa defende o ativismo judicial, quando o STF assume a função do Congresso
O período em que Barbosa esteve no STF, até 2014, foi marcado pelo crescimento do chamado ativismo judicial – quando a Justiça estabelece normas legais que não foram votadas pelo Congresso.
Muitos analistas consideram que essa prática não é muito diferente da submissão do Legislativo pelo Executivo que Barbosa critica. Em vez do governo, passa a ser o Judiciário que se sobrepõe ao Congresso, em nome de suposta omissão do Parlamento em relação a determinados assuntos do cotidiano do país.
Joaquim Barbosa elogia o ativismo do STF. “O Supremo soube estar à frente de seu tempo, à frente da sociedade brasileira, que é conservadora em muitos aspectos”, ressaltou na entrevista do ano passado à rádio CBN.
O ex-ministro citou ainda alguns julgamentos como exemplos do progressismo do Supremo que ele defende: o reconhecimento da união homoafetiva, a Lei da Ficha Limpa, a autorização do aborto de fetos anencéfalos e o fim do financiamento de campanhas políticas por empresas.
Desses casos, apenas a Lei da Ficha Limpa foi votada pelo Congresso; o Supremo reconheceu sua constitucionalidade. Todos os demais foram decisões do STF que acabaram por criar uma espécie de lei não votada pelos parlamentares.
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