| Foto: Arte: Gazeta do Povo

Na noite de 26 de outubro de 2014, algumas horas após a divulgação do resultado do segundo turno da eleição presidencial, uma imagem ganhou as redes sociais e se tornou simbólica. O candidato à presidência pelo PSDB, Aécio Neves, aparecia ao lado de apoiadores, conferindo na televisão o resultado da apuração, que indicava a vitória de sua oponente, a então presidente Dilma Roussef (PT), por uma margem reduzida de votos. O semblante desconcertado do tucano viralizou na internet como o retrato da frustração por ter perdido uma eleição que muitos davam como ganha, dada a ascensão da campanha e a crise que já corroía o governo petista.

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Revendo aquela imagem quatro anos depois, após o encerramento do primeiro turno das eleições, em 7 de outubro, ela parece ganhar dimensão e significado ainda maiores. Mais que o retrato de um momento, o prenúncio de que um grupo político que durante mais de 20 anos foi protagonista no cenário nacional mergulharia em uma crise que hoje deixa seu futuro em aberto. De forte candidato a governar o Brasil novamente, o PSDB se tornou alvo de várias denúncias de corrupção, perdeu eleitores e teve sua representação reduzida drasticamente no Executivo e no Legislativo.

O baque maior dos tucanos, sem dúvida, foi na eleição presidencial. Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, derrotado pelo ex-presidente Lula em 2006, tinha a seu favor uma aliança com outros oito partidos, que lhe garantiram 44% do tempo de propaganda na televisão. A campanha, porém, não decolou em nenhum momento. Nas pesquisas, não ultrapassou a marca de 10% das intenções de voto. Terminou com pouco mais de 5 milhões de votos (4,76%), o pior desempenho do PSDB desde sua fundação, em 1988.

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O fraco desempenho na corrida presidencial se refletiu pelos estados na disputa por outros cargos. O estrago maior foi na Câmara Federal, onde o PSDB terá sua bancada reduzida de 49 para 29 deputados. No Senado, o partido elegeu quatro representantes, mas perdeu seis. Já entre os governadores, nenhum tucano foi eleito no primeiro turno, enquanto seis disputam o segundo. Mesmo número de 2014, quando dois já haviam sido eleitos no primeiro turno.

Tentação do poder

Tanto para analistas políticos quanto lideranças do partido, a equação que levou à derrocada do tucanato é composta por vários fatores. O primeiro deles tem origem naquela fatídica noite relembrada no início do texto. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo há algumas semanas, o senador Tasso Jereissati (CE), figura histórica do PSDB, disse que o partido “cometeu um conjunto de erros memoráveis”. Entre eles, o questionamento ao resultado da eleição de 2014 (“não é da nossa história e do nosso perfil”) e “votar contra princípios básicos nossos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT”. “Mas o grande erro, e boa parte do PSDB se opôs a isso, foi entrar no governo Temer. (...) Fomos engolidos pela tentação do poder”, reconheceu o tucano.

A mea culpa do senador é endossada por Maria do Socorro Braga, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Ao entrar no governo Temer, o PSDB apostava no desenvolvimento do país, o que não aconteceu. Pelo contrário, a crise econômica e o desemprego se acirraram e parte dessa conta está sendo paga pelo PSDB, que não conseguiu se desvencilhar dessa imagem”, observa. Questionado por adversários nos debates, Alckmin sempre enfatizava que se opôs à participação no governo.

O que mais pesou na conta do PSDB, entretanto, foi o calcanhar de Aquiles do principal adversário, o PT: a corrupção. De pedra, o partido virou vidraça ao ver representantes seus investigados pela Operação Lava Jato e denunciados à Justiça. O principal deles, justamente Aécio Neves, que de quase presidente do Brasil se tornou réu por corrupção passiva e obstrução à Justiça. “Essas denúncias atingem em cheio o partido e, com isso, quem vai catalisar o antipetismo, o sentimento antipartidos e anti-establishment é o [Jair] Bolsonaro, não mais o PSDB”, ressalta Maria do Socorro.

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Lavagem de roupa suja

Pode-se dizer que um dos focos desse tsunami que varreu o PSDB na eleição é um terremoto que há alguns meses começou a abalar as estruturas do partido. Os estragos vieram a público com a apuração dos votos e, ao que tudo indica, deverão ditar um novo rumo para a sigla a partir de agora.

As rusgas internas se tornaram visíveis no ano passado, quando os tucanos se desentenderam sobre a participação no governo Temer e também quando Aécio Neves, envolvido em denúncias de corrupção, insistiu em permanecer na presidência nacional do partido, a contragosto das principais lideranças. “Ali o partido mostrou que era muito dividido. Depois, acabaram colocando um perdedor para ser candidato à Presidência, o que acentuou ainda mais essa divisão. O resultado foi esse desempenho nas urnas”, avalia o cientista político David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

Durante a campanha para o segundo turno, novos episódios de lavagem de roupa suja vieram a público. Sob o comando de aliados de João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, o diretório paulistano expulsou 17 filiados, entre eles o ex-governador Alberto Goldman. Eles foram acusados de fazer campanha para o atual governador, Márcio França (PSB), adversário do tucano no segundo turno. Durante reunião da executiva nacional em 9 de outubro, Doria e Alckmin discutiram, com o ex-presidenciável rechaçando acusações de que seria “traidor” e “covarde”.

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Em entrevista coletiva após a reunião, Alckmin, que ocupa a presidência nacional do PSDB, não comentou as divergências, afirmando por diversas vezes: “Não faço política pela imprensa”. Sobre o desempenho nas eleições, disse que se essa foi uma disputa “totalmente atípica, em que todos os partidos estão enfraquecidos”. Quanto ao futuro da legenda, adiantou apenas que, após o segundo turno, vai procurar fazer um “trabalho maior de aproximação com a sociedade civil”.

A história: das origens na esquerda à nova direita

Já faz algum tempo que o PSDB é um partido alinhado à direita, especialmente durante os governos do PT, em que foi a principal voz da oposição. Mas as raízes da legenda estão na esquerda, ou, como os próprios fundadores se declaravam, centro-esquerda. Fundado em 1988, o PSDB nasceu da insatisfação com o governo José Sarney de um grupo de lideranças políticas que incluía nomes como os de Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa, ex-governador do Paraná.

Tanto havia essa proximidade com a esquerda que, nos dias atuais, chama atenção a coligação pela qual o partido disputou sua primeira eleição no Paraná. Em 1990, José Richa concorreu ao governo do estado pela Frente Paraná Democrático, que tinha como aliados o Partido Comunista Brasileiro (PCB, que mais tarde daria origem ao PPS) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A postura centrista, porém, acabava pesando, o que fez com que a sigla ganhasse a fama de estar sempre “em cima do muro”.

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O ponto da virada se deu em 1993, quando Itamar Franco assumiu a Presidência após o impeachment de Fernando Collor de Mello. Junto com outros partidos, o PSDB ingressou na base de apoio ao novo presidente, enquanto o PT, principal força de esquerda, optou por fazer oposição. Meses mais tarde, Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério da Fazenda, onde implantou o Plano Real, que recuperou a economia após anos de crise. O plano catapultou a candidatura de FHC à Presidência pelo PSDB, que encontrou no PFL (hoje DEM) o principal aliado. A aliança deu certo e, com ela, FHC venceu duas eleições no primeiro turno.

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Com o fim do segundo mandato de FHC, os tucanos não conseguiram eleger seu sucessor. Lula bateu José Serra em 2002, iniciando um período de 14 anos do PT no poder, encerrados em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff. Ao longo desses anos, o PSDB foi o principal interlocutor da oposição, defendendo bandeiras familiares à direita, como o estado mínimo, o direito à propriedade e o liberalismo econômico.

A julgar pelo rumo que o partido vem tomando, a tendência é de uma guinada ainda mais à direita nos próximos anos. João Doria é tido como o nome mais forte para assumir o comando do PSDB após as eleições, principalmente se vencer a disputa pelo governo de São Paulo. Além de já ter declarado apoio à candidatura de Bolsonaro no segundo turno, Doria tem feito discursos mais duros na área de segurança. Outro nome em ascensão no partido também já manifestou apoio a Bolsonaro: Eduardo Leite, candidato ao governo do Rio Grande do Sul.

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O cientista político David Fleischer minimiza a mudança de postura dos tucanos. “Para eles o importante é ganhar a eleição, isso é mais importante do que um pensamento ou uma ideologia”, diz. O que é necessário, na sua opinião, é encontrar novas lideranças que possam dar um norte à sigla. “Alguns caciques do partido perderam a eleição e, consequentemente, devem perder espaço na direção. Hoje o PSDB está acéfalo.”

“O PSDB é um partido que pouco renovou nos últimos anos, ele precisa tentar formar novos quadros e atrair novas lideranças”, acredita a professora Maria do Socorro Braga. Para ela, o caminho mais recomendável aos tucanos é ir ao encontro da sociedade. “Não só o PSDB, mas a maioria dos partidos têm grandes oligarquias no controle e se afastam da sua função, que é representar a população. Eles acabam ficando distantes da sociedade e criando ilhas. A partir de agora, é necessário que tenham outra dinâmica.”

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O escândalo Beto Richa

A crise que se abateu sobre o PSDB também se estende ao Paraná, com contornos ainda mais dramáticos. O partido vem de oito anos à frente do governo estadual, tendo conquistado duas vitórias esmagadoras no primeiro turno. As coisas para o lado tucano, porém, começaram a azedar a partir de 2016, quando se tornaram mais fortes as denúncias de envolvimento do então governador Beto Richa em casos de corrupção, como as operações Publicano (que investiga esquema de propina na Receita Estadual), Quadro Negro (desvio de recursos na educação) e Lava Jato.

Mesmo com os escândalos, Richa ainda se mantinha como um nome forte na disputa para o Senado, bem pontuado nas pesquisas de intenção de voto. Isso até o dia 11 de setembro, quando o ex-governador foi preso, acusado de participar de um esquema de superfaturamento e propina em um programa de manutenção de estradas rurais. Solto quatro dias depois, manteve a candidatura e teve desempenho pífio: 377.872 votos (3,73%) e a sexta colocação.

Em uma entrevista coletiva concedida um dia após o primeiro turno da eleição, Richa creditou a derrota à sua prisão, tida como “arbitrária, ilegal e injusta”, mas também reconheceu o mau desempenho do PSDB de forma geral. “A eleição teve uma grande onda de mudanças. Novos nomes foram privilegiados e muito voto de protesto. Não se imaginava uma renovação tão grande. Alguns partidos tiveram grande prejuízo, o nosso também”, lamentou.

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Prejuízo esse traduzido em números. No Paraná, o partido não conseguiu eleger nenhum deputado federal e, na Assembleia Legislativa, viu sua bancada ser reduzida de cinco para três representantes. Um dos que permanecerão é o atual presidente da Casa, Ademar Traiano, que também é vice-presidente estadual do PSDB e não mede palavras para resumir o quadro atual. “O nosso desempenho foi pífio. O partido mostrou que está com um discurso ultrapassado e não está sintonizado com o que a população deseja”, afirma.

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A exemplo de Jereissati, Traiano classifica como “um grande erro” a participação no governo Michel Temer, que fez com que o partido em nenhum momento demonstrasse independência. Quanto ao escândalo Beto Richa, é visto como preponderante na votação da legenda. “Todos os problemas surgidos durante a campanha foram determinantes para que os votos acabassem se transformando nesse tsunami, que acabou tendo reflexo em todas as candidaturas”, avalia.

No Paraná, Traiano também evita fazer maiores prognósticos sobre o futuro do PSDB. Alegando que o partido nesse momento está “estraçalhado”, o deputado diz que é necessário aguardar para fazer uma análise mais profunda. “É preciso mudar alguns conceitos. Não sei, por exemplo, se atuar junto aos municípios, liberando recursos, é o melhor caminho para os deputados; parece que não. Talvez seja necessária uma sintonia mais próxima com entidades e com a população diretamente”, acredita. “Até porque as eleições que virão serão totalmente diferentes, teremos cláusula de barreira e não haverá mais coligações proporcionais. Então, quem não tiver um partido forte não vai formar bancada.”

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]