É uma ironia de alto significado o julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva estar ocorrendo em Porto Alegre. A capital gaúcha foi, por quatro mandatos, uma espécie de cartão postal do PT nacional. Era uma vitrine em termos de administração.
O tipo de gestão adotada por Olívio Dutra, Tarso Genro e Raul Pont mesclava eficiência nos serviços prestados com realização de obras pela cidade. Os radicalismos partidários, na maior parte do tempo, passaram ao largo da prefeitura. A principal bandeira das administrações petistas se chamava Orçamento Participativo, instrumento de discussão com a população que virou case internacional e projetou a cidade externamente.
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Nas campanhas eleitorais, Porto Alegre propiciava uma guerra de bandeiras nos carros entre os que votavam no PT e os que apoiavam outros candidatos. No auge das administrações petistas, a cidade era tomada pelas bandeiras do partido.
Também nesses 16 anos de poder, o PT aparelhou a prefeitura e se infiltrou nas regiões mais carentes da cidade por meio do Orçamento Participativo, fazendo ainda, sempre, a maior bancada na Câmara de Vereadores. Era forte a hegemonia e a ocupação de espaços.
A vitrine de Porto Alegre ajudou na eleição de Olívio Dutra (ele que foi o primeiro prefeito do ciclo petista na capital) ao governo do Estado em 1998, derrotando Antônio Britto (PMDB), que buscava a reeleição. Nesse momento, com o comando da prefeitura da capital e do governo do estado, o PT chegou ao seu auge no Rio Grande do Sul. Porto Alegre virou a grande referência da esquerda.
Não por acaso, em 2001, abrigou a primeira edição do Fórum Social Mundial, evento criado para fazer contraponto ao Fórum Econômico Mundial, em Davos. Outras três edições seriam feitas em Porto Alegre: em 2002, 2003 e 2005. Este último já estava enfraquecido politicamente em razão da derrota do PT na eleição para a prefeitura de Porto Alegre em 2004, pleito que encerrou a hegemonia de 16 anos.
O PT perdeu a eleição de 2004 antes de estourar o escândalo do mensalão, que ocorreu um ano depois. O principal motivo da derrota na prefeitura foi o desgaste natural de quatro gestões. As bandeiras, os adesivos e os bottons sumiram das ruas. De admirado, o PT passou a rejeitado por boa parte da população porto-alegrense, o que resultou no fracasso daquele ano.
Preocupado, no final de 2003 (o ano anterior à eleição), o então presidente nacional do PT, José Genoino, chegou a chamar a deputada federal Maria do Rosário para pedir-lhe que evitasse uma prévia ainda mais desgastante. Rosário concordou. O deputado estadual Raul Pont, então, concorreu. Na campanha, a pedido de Genoino, Pont diminuiu o tom das críticas que vinha fazendo à administração do presidente Lula e, em especial, ao seu adversário interno, o poderoso chefe da Casa Civil José Dirceu, que seria atingido no ano seguinte pelo escândalo do “mensalão”. O deputado estadual criticava em especial a política de alianças.
Em entrevistas após a derrota, líderes petistas faziam diferentes diagnósticos do fracasso eleitoral.
“Deixamos de encantar “, disse Cristóvão Buarque, então senador petista pelo Distrito Federal.
“O importante são as lições que vamos tirar “, afirmou Genoino.
“É uma derrota eleitoral, não política”, procurou amenizar o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, uma vez que o PT, efetivamente, perdeu para uma frente antipetista formada por 12 partidos, que na ocasião faturava o desgaste natural da administração de 16 anos.
Dois anos antes, em 2002, o PT já não havia conseguido se manter no governo do estado. Tarso Genro, que havia sido eleito prefeito pela segunda vez em 2000, decidiu disputar a prévia petista contra Olívio Dutra (então governador) para saber quem seria o candidato ao governo. Ganhou a prévia e acabou renunciando ao cargo de prefeito para concorrer ao governo. Porém, Tarso perdeu a eleição. As próprias avaliações internas do PT consideraram à época que a renúncia ao cargo de prefeito (com apenas um ano e três meses de mandato) foi o principal fator da derrota.
A partir da derrota de 2004, o desgaste do PT em Porto Alegre só foi aumentando. Chegou ao ponto de nas eleições de 2012 e 2016 os candidatos do partido ficarem em terceiro lugar.
Em meio a essa queda de popularidade, o PT ainda conseguiu eleger, em 2010, Tarso Genro (em sua segunda tentativa) governador do RS. Em 2014, no entanto, afetado pela profunda crise financeira do Rio Grande do Sul e pelos crescentes desgastes dos governos de Lula e Dilma, Tarso não se reelegeu, perdendo para José Ivo Sartori (PMDB).
É uma relação profunda do PT com Porto Alegre, a cidade do Orçamento Participativo, das bandeiras petistas, do Fórum Social Mundial e, agora, do julgamento de Lula em segunda instância.
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