Os 35 partidos políticos oficiais existentes no Brasil pagam suas contas e despesas amparados por um dispositivo criado em 1965: o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o chamado Fundo Partidário. “Vitaminado” a partir de 2015, quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a doação de empresas aos partidos e para campanhas eleitorais, o Fundo Partidário distribuiu um total de R$ 888 milhões às legendas em 2017. Para 2018, ano eleitoral, o valor de recursos públicos destinados às agremiações deve chegar a R$ 2,5 bilhões, considerando a soma do Fundo Partidário com o Fundo Eleitoral.
Esse montante, entretanto, não precisaria ser bancado pelo dinheiro do contribuinte se os partidos políticos conseguissem arrecadar recursos com seus próprios filiados. É o que mostra um estudo feito pelo Movimento Transparência Partidária, que projetou diferentes cenários de contribuições financeiras a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2015.
De acordo com o estudo, naquele ano seria possível arrecadar até R$ 6 bilhões se todos os filiados aos partidos políticos contribuíssem mensalmente com R$ 30 à sua legenda. Num cenário menos otimista, se 25% dos filiados contribuísse com R$ 5 por mês, seria possível arrecadar quase R$ 250 milhões por ano. Na projeção mais otimista o valor é 6,7 vezes maior que o do Fundo Partidário e 3,5 vezes maior que o do Fundo Eleitoral, de R$ 1,7 bilhão.
De cada 10 mil filiados, apenas 34 contribuem financeiramente com seu partido
A realidade dos partidos, no entanto, não chega perto da projeção feita pelo Transparência Partidária. Hoje, a cada 10 mil filiados a partidos políticos, há pouco mais de 34 contribuições de diferentes valores. A arrecadação equivale, em média, a pouco mais de R$ 33 milhões – 3,5% da receita total dos partidos em 2017 (R$ 954 milhões). “O envolvimento financeiro [do filiado] é praticamente inexistente”, diz o coordenador do estudo, o cientista político Marcelo Issa. Para ele, a contribuição é um bom indicativo de participação na política partidária.
De acordo com dados do TSE, os partidos que, proporcionalmente, mais arrecadam são o PPL e Novo, que têm mais de 15% de suas receitas totais provenientes das contribuições de seus filiados, além do PT – única sigla com mais de um milhão de filiados que chega a esse porcentual de contribuição.
Os demais partidos grandes estão muito longe disso. O PMDB fica em 1,1%. DEM, PSDB e PDT têm 0,1% . E PTB e PP não tiveram nenhuma contribuição de filiados em 2015.
Para Martin Esteche, membro do diretório estadual do PT no Paraná, uma das explicações para o partido ser o único com mais de um milhão de contribuintes está na “formação política desenvolvida pelo partido”. “Mas não é a maioria da militância que é orgânica”, diz.
Partido que abriu mão de usar verba pública é obrigado a recebê-la
Em tempos de descrença com a classe política e necessidade de corte de gastos públicos, a recusa em usar os recursos do Fundo Partidário virou discurso moralizador e eleitoral. Essa, ao menos, é uma das apostas do Novo, partido oficializado em 2015 que defende o liberalismo e a redução do Estado. O Novo não utiliza dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral e financia suas atividades apenas com a contribuição dos filiados.
Apesar de não usar verba pública, o Novo é obrigado a receber os valores. Hoje, a legenda vive um impasse jurídico: deseja devolver o dinheiro à União, mas não quer que ele seja redistribuído para outros partidos. Enquanto isso, armazena o montante todo mês numa conta criada especialmente para esse propósito.
Campeão em receitas totais em relação à somatória do próprio financiamento ao lado de PT e PPL, o Novo é o único dos três que obriga seus filiados a contribuir com pelo menos R$ 30 mensais.De acordo com o vice-dirigente da legenda no Paraná, Antenor Demeterco, a outra parte do financiamento da legenda é via contribuições voluntárias e eventos promovidos pelo partido – como palestras sobre empreendedorismo. “Exigir a contribuição faz com que os filiados se sintam no direito de cobrar”, diz. “É como se eles fossem nossos clientes.”
Dados do TSE apontam que o Novo fechou 2017 com pouco mais de 13 mil filiados. O PT tem 1,5 milhão de pessoas ligadas à legenda. Além do Novo – que não tem representação na Câmara dos Deputados –, oito legendas na casa foram contrárias à criação do Fundo Eleitoral: PR, PSB, PPS, PHS, PV, PSol, Rede e Podemos.
Valor do Fundo Partidário cresce sem parar desde 1994
Desde 1994 – quando há dados disponíveis no TSE –, o valor do Fundo Partidário destinado às legendas brasileiras cresceu ininterruptamente. Uma lei de 1995 dispõe uma série de regras e autoriza o gasto com campanhas eleitorais, entre outras coisas.
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, entre 2006 e 2016 foram R$ 4,4 bilhões pagos pelo Fundo Partidário. Após a proibição das doações por empresas, praticamente dobrou o valor destinado aos partidos. De R$ 439 milhões em 2014, os recursos para as legendas saltaram para em torno de R$ 800 milhões nos anos seguintes.
Esse dinheiro pôde ser usado nas eleições de 2016 – o que deve se repetir em 2018, mesmo com a aprovação do Fundo Eleitoral de R$ 1,7 bilhão.
Para o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Cervi, o interesse da maioria das siglas em ampliar o financiamento público, e não pedir dinheiro diretamente aos filiados, não é à toa. Segundo ele, a segunda opção implica uma relação mais estreita com o eleitor, que se sentiria no direito de cobrar. “Até existem cursos de formação política nos partidos, mas na hora que de escolher um candidato, eles vão atrás do radialista ou do pastor, por exemplo”, diz. “Isso também desestimula a participação.”
Novas exigências para ter acesso à verba partidária ameaçam o funcionamento de siglas nanicas
O PT é a legenda campeã em recebimento de recursos do Fundo Partidário em 2017. Foram mais de R$ 98 milhões – à frente do PSDB e do PMDB, ambos com cerca de R$ 80 milhões.
As outras 32 legendas ficaram com pelo menos R$ 1 milhão. De acordo com a regra de distribuição, 5% do Fundo é dividido em partes iguais a todos os partidos que atendam aos requisitos constitucionais e 95% é distribuído na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados.
Isso vai mudar neste ano. Em 2017, o Congresso Nacional aprovou uma série de exigências mínimas para que os partidos tenham acesso aos recursos financeiros e à propaganda em meios de comunicação. Entre os principais requisitos estão o mínimo de 1,5% dos votos para deputados federais em nove estados, com pelo 1% dos votos em cada uma das 27 unidades da federação. Ou eleger nove deputados federais, sendo um por cada estado.
Esse porcentual aumentará até 2030. A partir de então será preciso pelo menos 3% dos votos ou a eleição de 15 parlamentares. Se a regra fosse aplicada hoje, poderiam deixar de existir siglas como PCO, PCB, PPL, PSTU, PRTB, PMN, PSDC, Patriota (antigo PEN), PRP, Podemos (antigo PTN), PSL, Avante (antigo PTdoB) e PHS.
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