| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Menos direitos para ter mais empregos. Essa é uma das teses que o candidato a presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) defende. Para ele, a medida dá voz a empresários.

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Em entrevista na noite de terça-feira (28) ao Jornal Nacional, da TV Globo, Bolsonaro justificou seu voto contrário ao projeto que estendeu os direitos dos empregados domésticos (a PEC das Domésticas) com essa mesma máxima, alegando que a medida tira empregos e torna mais cara a mão de obra.

O deputado pode estar certo pelo menos em um ponto, segundo tese de mestrado em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV) de 2016. Porém, Bolsonaro deixou de citar os efeitos positivos da regulação para os empregados que mantiveram seus empregos, como maior formalização e maiores salários. 

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Na dissertação “Labor Rights, Formality and Spillovers: Evidence from Brazil” (Direitos trabalhistas, Formalidade e Efeitos Colaterais: As Evidências Brasileiras), o autor Pedro Oliveira Monteiro Pires estuda os resultados da alteração na lei trabalhista pela chamada PEC das Domésticas (Emenda Constitucional 72/2013) e conclui que, até dois anos após a alteração da lei, o principal efeito da nova regra foi reduzir a demanda por trabalhadores domésticos. 

A medida também teria aumentado os custos de contratação tanto dos trabalhadores com carteira como dos informais, reflexo também da maior atenção midiática sobre os direitos trabalhistas dos domésticos pós-PEC, concluiu a tese.

O discurso de Bolsonaro sobre a PEC: hoje e em 2012

No Jornal Nacional, Bolsonaro argumentou que votou contra a PEC das Domésticas para “proteger” os trabalhadores de serem demitidos ou forçados à informalidade, indo na contramão de todos os deputados que votaram a lei.

“Foi para proteger. O que eu defendia são os mesmos direitos, de forma gradativa. Levou milhões de senhoras, e alguns homens que exerciam trabalho doméstico, a serem diaristas. E grande parte das diaristas sequer estão recolhendo pra sua previdência. Muita gente teve de demitir porque não teria como pagar. Muitas mulheres perderam emprego pelo excesso desses direitos”, disse.

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Porém, em 2012, dias depois da aprovação da PEC na Câmara, Bolsonaro justificou de outra forma seu voto contrário. Na época, a “proteção” aos trabalhadores não era a maior preocupação do deputado, mas sim o aumento do custo para os empregadores. Ele mesmo se colocava, como exemplo, no lado do empregador de mão de obra doméstica para criticar a PEC. 

“Certos sites de sindicatos de trabalhadores domésticos fazem simulações. Uma doméstica que ganha R$ 900 ao mês, ao final do ano, caso ele (empregador) venha a demitir, ultrapassa de R$ 12 mil de encargos trabalhistas. Ou seja, quem tem duas empregadas vai botar uma para fora. Quem tem uma, vai reduzir o salário”, disse o deputado, em 11 de dezembro de 2012. “Chega a ser um absurdo aqui, se minha babá tiver um filho até seis anos de idade, eu tenho de pagar creche para o filho da babá do meu filho. É inexplicável a irresponsabilidade”, afirmou Bolsonaro em discurso no plenário da Câmara, na época da votação.

PEC das Domésticas teve ganhadores e perdedores

O desemprego total no país cresceu de 2013 a 2016, o que pode dificultar a análise específica sobre o comportamento do nível de emprego somente entre domésticas. Porém, dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social mostram forte aumento no número de pedidos de seguro-desemprego entre trabalhadores domésticos no ano seguinte à aprovação da PEC.

De 2010 a 2013, o total de empregados domésticos que requisitaram seguro desemprego variou de 15 mil a 17 mil ao ano, com aumento de cerca de mil pedidos por ano. Já em 2014 foram registrados 22 mil pedidos, um aumento de cinco mil pedidos em um ano.

Salário dos empregados domésticos aumentou 2% após a PEC. Taxa de formalização cresceu 2 pontos percentuais

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Apesar da redução da demanda por trabalhadores e do possível aumento no desemprego dos profissionais menos qualificados, houve beneficiados com a PEC das Domésticas.

A mudança na legislação criou, segundo o mestrando pela FGV, tanto “perdedores como vencedores”. Aqueles que conseguiram se manter empregados como trabalhadores domésticos tiveram benefícios com a aprovação da PEC, como aumento salarial, enquanto os que foram demitidos ou deixaram seus empregos sofreram consequências negativas.

“Devido à política, trabalhadores domésticos experimentaram um aumento em seus salários e na taxa de formalização. Além disso, algumas mulheres com baixa qualificação foram empurradas para fora do mercado de trabalho e direcionadas a empregos de qualidade mais baixa”, afirma, em tradução livre, o trabalho publicado em inglês.

Também teria ocorrido aumento de salários em alguns casos. Segundo o estudo, o salário dos empregados domésticos aumentou 2% após a PEC, e teria sido registrado um aumento de 2 pontos percentuais nas taxas de formalização desses trabalhadores. Por outro lado, o nível de emprego doméstico geral se reduziu como resultado da mudança de legislação, forçando os trabalhadores (especialmente mulheres) menos qualificadas para outros empregos.

O custo para o empregador aumentou

A teoria de Bolsonaro de que a PEC das Domésticas aumentou o custo de cada trabalhador tem respaldo na tese de mestrado apresentada por Pires. O autor calculou que o impacto da aprovação da Emenda elevou o custo total com o empregado em 20%. Um salário-base de R$ 1 mil antes da emenda custava um total de R$ 1.405,20 para o empregador. Após a aprovação da PEC, o valor passou para R$ 1.693,53. 

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Outro dado apresentado na dissertação foi o aumento das disputas judiciais trabalhistas. Com dados no Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT-2), o pesquisador identificou um salto nas disputas judiciais de trabalhadores domésticos, que passam de uma média de 9,6 mil ao ano (de 2006 a 2012), para mais de 11,4 mil ao ano após a PEC. 

 

“Portanto, o principal efeito da EC 72/13 entre abril de 2013 e maio de 2015 foi o aumento do custo de contratação de trabalhadores domésticos informais, devido à difusão de informação e um efeito de empoderamento dos trabalhadores”, conclui o estudo.

O custo de trabalhadores formais também teria aumentado, segundo a pesquisa, principalmente como reflexo da regulação das horas extras. Esses dois fatores aumentaram os custos de se empregar um doméstico. 

Incertezas sobre os reais efeitos para diaristas 

Outra pesquisa também mostra alguns efeitos positivos da ampliação de direitos trabalhistas dos domésticos mensalistas, com aumento de formalização, redução na jornada de trabalho e nenhum efeito sobre os salários, que não foram reduzidos. Os dados são do estudo “Efeitos da Ampliação dos Direitos Trabalhistas sobre a Formalização, Jornada de Trabalho e Salários das Empregadas Domésticas”, elaborado por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) e publicada em outubro de 2016.

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“A legislação impactou de forma distinta as empregadas domésticas mensalistas e diaristas. Para as mensalistas, observa-se um aumento na formalização e de redução da jornada de trabalho. No entanto, não se encontra efeito sobre os salários”, afirmam os pesquisadores, que avaliam que para as diaristas não foi encontrado nenhum efeito da mudança de lei, nem positiva nem negativa.

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Os pesquisadores são cautelosos ao analisar se com a mudança mais empregadas mensalistas tornaram-se informais ou diaristas. “Observa-se um aumento na probabilidade de ser diarista e uma mudança das características das mensalistas em relação às diaristas, o que poderia estar associado à substituição da empregada mensalista por diarista. Dessa forma, não é possível afirmar se o aumento da formalização para as mensalistas se deve a uma transição da informalidade para a formalidade entre as mensalistas ou se houve uma mudança de composição do grupo de mensalistas”, concluem.

Para as mensalistas, o estudo identificou que aumentou a probabilidade de terem carteira assinada após a aprovação da PEC, em torno de 6,3 pontos percentuais, logo após a aprovação da lei. Também houve um aumento da formalização entre as empregadas domésticas nos seis meses após a EC 72 (de 3,6 pontos percentuais).

O estudo diz não ser possível identificar se houve maior formalização entre as diaristas, mas que foi percebida “uma redução na probabilidade de formalização das diaristas entre setembro de 2013 e setembro de 2014”.

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