A sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisava o acolhimento ou não de uma denúncia criminal contra o deputado federal Jair Bolsonaro, candidato a presidente pelo PSL, foi suspensa nesta terça-feira (28), após um pedido de vista. O placar do julgamento marcava 2 a 2 quando o ministro Alexandre de Moraes, presidente do colegiado e último a votar, decidiu pedir mais tempo para analisar o caso. A expectativa é que o julgamento seja retomado na próxima terça-feira (4).
Bolsonaro é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por racismo e preconceito em relação a cinco grupos sociais – quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs – por declarações feitas em palestra no Clube Hebraica do Rio, em 2017.
Votaram contra o acolhimento da denúncia o relator Marco Aurélio Mello e o ministro Luiz Fux. Foram favoráveis ao pedido de abertura de ação penal os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. O presidenciável do PSL já é réu em outras duas ações no STF, por incitação ao estupro e injúria no caso envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Há dúvidas sobre o impacto desses processos nas pretensões de Bolsonaro de se eleger presidente da República.
Defesa versus Ministério Público
O julgamento na Primeira Turma começou com o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, que representou o Ministério Público na sessão, pedindo que Bolsonaro fosse tornado réu mais uma vez. Ele alegou que a palestra no Clube Hebraica não foi ouvida apenas pelas pessoas presentes e mencionou a influência de Bolsonaro nas redes sociais, afirmando haver uma “disseminação de pensamentos”. “A incitação se caracteriza pelo afã de instruir outras pessoas”.
“As palavras constroem mundos e destroem vidas. Palavra tem poder e tem limites. O discurso de ódio racista é essencialmente desumanizador”.
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Em resposta, o advogado do deputado, Antonio Pitombo, destacou o fato de que a denúncia chega em meio à eleição. Em sua argumentação, destacou que o julgamento trata de “liberdade de expressão”. “É esse o ponto. O que estou aqui a trazer é a discussão realmente constitucional e não a simplicidade da afirmação do preconceito. A cada um de nós é garantida a livre manifestação de pensamento. Ninguém pode ser privado dos seus direitos por convicção política. Não é que todos temos que aderir ao discurso. O que não se pode impedir é o direito a expressão de opinião”.
Ele admitiu que o cliente pode ter usado palavras erradas. “Ainda que o vocabulário seja horrível, toda a crítica do discurso é voltada para políticas públicas. Por mais grosseiros os adjetivos, é a democracia”. Mas pediu a rejeição da denúncia.
Após uma pausa, a sessão foi retomada com o voto do relator Marco Aurélio, que rejeitou a denúncia por racismo ao invocar a imunidade parlamentar do deputado para se expressar livremente. “Não configura conteúdo discriminatório, seja por estarem as manifestações inseridas na liberdade de expressão, seja ante a imunidade parlamentar”.
Segundo ele, trata-se de manifestações livres. “Em direito penal condutas passíveis de censura no plano moral são insuficientes para que se caracterize o crime. Sociedade livre e plural se constrói com diversas correntes de ideias e pensamentos”.
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A divergência foi aberta por Luis Roberto Barroso, que considerou que as expressões usadas por Bolsonaro na palestra para se referir a quilombolas configuram crime. “’Arrobas’ e ‘procriador’ são termos utilizados para se referir a animais irracionais, a bichos, e, portanto, eu penso que equiparar pessoas negras a bichos, eu considero, em tese, para fins de recebimento de denúncia, um elemento plausível de violação do artigo 20 da Lei de Crime Racial”, afirmou ele, que foi acompanhado por Rosa Weber.
Fuz discordou: “ele (Bolsonaro) não foi ali para expor um ponto de vista sobre os diferentes. Ele foi ali fazer discurso político, dentro do contexto que sabe fazer, que é público e notório, que é o discurso que ele tem”, disse. E completou: “o melhor remédio para combater uma má ideia é o debate público, e não a censura. Com esse discurso, esse paciente se expõe a críticas, mas ele não pode se sujeitar a uma censura penal, a uma criminalização da sua liberdade de expressão”.
Recado aos ministros
Em declaração na manhã desta terça, Jair Bolsonaro chegou a mandar o que chamou de “recado” aos ministros do STF para que respeitassem o artigo 53 da Constituição, que diz que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
“Quero mandar um recado para o STF: respeite o artigo 53 da Constituição que diz que eu, como deputado, sou inviolável por qual quer opinião. E ponto final, p...(sic). A missão do STF não é fazer leis. Eles querem agora legalizar o aborto. Não é atribuição deles e ponto final. Eles têm que ser respeitados? Têm. Mas têm que se dar ao respeito também. Não é porque a Câmara não decide que eles devem legislar. Respeito o STF, mas eles têm que respeitar o povo brasileiro”, disse o candidato.
O candidato acrescentou que os ministros do STF estão “na iminência de interpretar a perda de liberdade após condenação em 2ª instância”. Segundo ele, com a suposta aprovação, iria “todo mundo pra fora”. “É um estímulo para a corrupção”, emendou.
Discurso de ódio, diz Raquel Dodge
Com o pedido de vista, a análise do caso fica adiada por pelo menos uma semana. Ela estava prevista para ser julgada no dia 4 de setembro, mas acabou adiantada a pedido da própria defesa do presidenciável.
Bolsonaro foi alvo da denúncia de racismo em abril. Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ele “usou expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio e atingindo diretamente vários grupos sociais”, durante a palestra no Clube Hebraica.
Dodge classificou a conduta de “ilícita, inaceitável e severamente reprovável”. Primeiro, de acordo com a denúncia, Bolsonaro destilou preconceito contra as mulheres, ao dizer: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”.
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“Em seguida, Bolsonaro apontou seu discurso de ódio para os índios, impondo-lhes a culpa pela não construção de três hidrelétricas em Roraima e criticando as demarcações de terras indígenas”, ainda segundo a PGR.
Dodge disse ainda que o ataque continuou mirando os quilombolas, quando Bolsonaro disse: “Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”. O deputado também declarou que tais comunidades “não fazem nada”, “nem para procriador eles servem mais”.
Para a PGR, Bolsonaro tratou “com total menoscabo os integrantes de comunidades quilombolas. Referiu-se a eles como se fossem animais, ao utilizar a palavra arroba”.
A pena para o crime atribuído ao candidato vai de 1 a 3 anos de reclusão. A PGR também pediu também a aplicação de uma multa mínima de R$ 400 mil por danos morais coletivos.
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