A última sessão de 2017 da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, celebrada na quarta-feira (13), foi marcada pela tranquilidade. Com seis processos julgados em mesa e dez sustentações orais, a tarde transcorreu sem maiores incidentes, em grande contraste com o cenário que a corte deve viver logo no início do ano que vem: em 24 de janeiro de 2018, a partir das 8h30 da manhã, o TRF4 vai estar no centro das atenções, quando julgará em segunda instância os recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a condenação no processo do tríplex do Guarujá – caso seja mantida, pode até tirá-lo da corrida presidencial.
“Vai ser aqui, né? Tomara que não dê muita confusão”, esperava um taxista que trabalha em frente ao prédio do TRF4. Em janeiro, é possível que seu ponto esteja tomado por manifestantes carregando bandeiras do Partido dos Trabalhadores. Mas, ainda em dezembro, tanto os arredores quanto os corredores do alto edifício localizado no bairro Praia de Belas estavam quase vazios.
Com exceção dos magistrados e advogados interessados nos casos da quarta-feira, o cenário era de um dia como outro qualquer no tribunal. Embora os desembargadores estejam tratando dos recursos ligados aos processos da Lava Jato há quase quatro anos, a ideia de uma “República de Porto Alegre” ainda é distante da maioria dos gaúchos, para quem os principais atos do processo ainda são aqueles ocorridos em Curitiba, sob o juiz Sergio Moro.
Naquela última sessão de 2017, inclusive, três recursos do próprio Lula estavam sendo julgados pelo TRF4, em meio à pauta do dia. A 8ª Turma julgou o mérito de dois pedidos de habeas corpus feitos pela defesa do ex-presidente, pedindo acesso aos softwares utilizados pela empreiteira Odebrecht para gerenciar sua contabilidade paralela.
O desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator dos processos relacionados à Lava Jato, lembrou que o acesso aos sistemas já havia sido deferido, acabando por denegar um dos pedidos e não analisar o outro. Seu voto foi acompanhado unanimemente pelos outros dois desembargadores da turma, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus.
Por outro lado, foi dado provimento a um recurso da defesa de Lula, suspendendo a quebra do sigilo bancário de Mateus Cláudio Gravina Baldassari, um dos vendedores do prédio comprado pela Odebrecht para ser repassado ao Instituto Lula.
A rotina da Lava Jato
A normalidade com que os recursos foram julgados – da equipe do ex-presidente, apenas uma advogada estava presente, e não foi sequer apresentada sustentação oral – reflete a rotina que se tornaram os processos relativos à Operação Lava Jato no TRF4. Desde o início dos recursos, em 7 de fevereiro de 2014, centenas já passaram pelas mãos de Gebran e seus colegas: segundo a assessoria do tribunal, 893 processos da Lava Jato haviam chegado à corte até a quarta-feira passada, entre apelações criminais, correições parciais, embargos infringentes, habeas corpus, entre outros. Desse total, 795 já foram analisados e julgados, e outros 98 estão em tramitação.
O volume de recursos é a grande causa de uma mudança de rotina no TRF4, mas ela acontece principalmente nos bastidores – sobretudo no gabinete do desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator dos processos envolvendo recursos às decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A equipe do desembargador, que também lida com outras ações criminais, passou a contar com cinco servidores dedicados exclusivamente a analisar os recursos da Lava Jato.
Gebran é conhecido pelo rigor com que tem conduzido os processos da Lava Jato. Curitibano, foi colega de Sérgio Moro em uma pós-graduação realizada na UFPR no início dos anos 2000, o que levou a defesa de Lula a pedir a sua suspeição, acusando o desembargador de ser compadre do juiz. Os advogados do ex-presidente chegaram a pedir que Gebran e Moro apresentassem cópias das suas certidões de casamento e de batismo dos filhos, o que foi rejeitado.
Os outros dois desembargadores da turma também são considerados minuciosos: Victor Luiz dos Santos Laus costuma apresentar suas relatorias ponto a ponto e lidera os pedidos de vistas no tribunal, cada vez que uma informação nova é trazida à tona. Já Leandro Paulsen começou na área tributarista antes de ingressar na corte penal do TRF4 – apesar de ser o mais jovem dos três, seus votos costumam coincidir com os dos pares, considerados mais “conservadores”.
Magistrados “linha-dura”
Apesar da complexidade de casos como os da Lava Jato, no caminho até o julgamento a tramitação dos processos segue a mesma ordem de todas as outras ações criminais. “O diferencial é que os números são bem mais expressivos, os valores muito altos e a dimensão social e política da operação é mais evidente”, declarou o desembargador Paulsen, presidente da 8ª Turma, no primeiro semestre deste ano.
Os três desembargadores responsáveis pelo julgamento são conhecidos por sua celeridade, mas também apontados no meio como magistrados da “linha-dura”. Em recursos similares ao de Lula, notabilizaram-se por inclusive aumentar as penas estipuladas por Sérgio Moro na primeira instância. Segundo levantamento da revista Veja, as penas de Moro somavam 398 anos de prisão originalmente – após passarem pelo TRF4, o total subiu para 487 anos.
A reportagem buscou contato com os desembargadores da 8ª Turma, mas foi informada que os magistrados não estão se manifestando neste momento. Segundo advogados que frequentam o TRF4, a calmaria que marcou a última sessão do ano tem sido a tônica, até aqui, dos julgamentos que envolvem os recursos da Lava Jato. Nenhum deles, no entanto, teve a mesma dimensão daquele que ocorrerá em janeiro, quando estará em análise o recurso do ex-presidente Lula contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão expedida em agosto por Moro. Se mantida, o petista ficaria em desacordo com a Lei da Ficha Limpa e poderia ter sua candidatura impedida.
Invasão de Porto Alegre?
Após o anúncio da data do julgamento, lideranças petistas prometeram realizar uma manifestação gigante, “invadindo” Porto Alegre – e o tribunal – para apoiar Lula no dia 24 de janeiro. As sessões não podem ser gravadas, filmadas ou fotografadas, mas são abertas ao público. Ainda não foram detalhadas as medidas de segurança que poderão ser tomadas diante da promessa de militantes de se dirigir ao TRF4 no momento em que o recurso for julgado. A rigor, como os votos costumam ser definidos previamente, a manifestação terá efeito apenas simbólico.
Na última quarta-feira, com mais de um mês até o dia em que todas as atenções do país se voltarão para Porto Alegre e diante da última sessão antes do recesso, imperava também o clima de final de ano. Um dos advogados presentes na tarde pediu vênia para desejar boas festas aos magistrados, e complementou: “que o ano que vem seja repleto de esperanças para os brasileiros”.
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