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Ocupação de prédio abandonado: proposta de Haddad é aproveitar imóveis públicos sem uso para habitação. | Brunno Covello/Gazeta do Povo
Ocupação de prédio abandonado: proposta de Haddad é aproveitar imóveis públicos sem uso para habitação.| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

Ocupações, assentamentos e pessoas em situação de rua são apenas três das consequências da falta de moradia adequada. O déficit habitacional no Brasil chega a 7,7 milhões de unidades, de acordo com o levantamento mais recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2015, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) - realizada pelo IBGE.

A taxa de déficit habitacional nada mais é que o número de moradias que seriam necessárias para que todas as famílias de determinada região vivessem em ambientes dignos. No Brasil, quase um milhão de moradias são consideradas precárias. Mas há outros problemas, como o excesso de pessoas dividindo a mesma casa e famílias que comprometem a maior parte de sua renda com o pagamento de aluguel.

Segundo o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Luciano Guimarães, “a estatística não leva em conta as centenas de milhares de unidades vazias ou subutilizadas existentes nos centros de nossas grandes cidades, inclusive prédios públicos”, escreveu em artigo publicado no Correio Braziliense, em setembro.

Dos dois candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno em 2018, apenas Fernando Haddad (PT) incluiu em seu programa de governo uma proposta para a questão do déficit habitacional brasileiro. “O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) será retomado com modificações relevantes para que possa ser uma ferramenta que contribua com a estratégia da nova política urbana”, diz o plano de governo. Além de moradia, o texto aborda o desenvolvimento urbano, mobilidade e acessibilidade.

Como resolver o déficit habitacional

No Brasil, a lei nº 11.124/2005 criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). É papel da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) “identificar e disponibilizar áreas vazias ou subutilizadas da União para o desenvolvimento de projetos de provisão de moradia para a população”, diz o site do órgão.

Uma das críticas mais contundentes feita ao Minha Casa, Minha Vida é o fato de que, em muitos casos, os conjuntos habitacionais do programa foram construídos nas periferias, longe de lugares com infraestrutura de transporte e saneamento, por exemplo.

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O presidente do CAU/BR não quis comentar especificamente o programa apresentado por Haddad, mas falou sobre o problema como um todo. O Conselho e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) elaboraram em julho deste ano uma carta aberta aos candidatos que continha “53 propostas estruturantes para cidades saudáveis e inclusivas”.

Para Guimarães, essa crítica ao Minha Casa, Minha Vida é feita porque “é inadmissível se pensar numa política pública para moradia que não leve em conta a infraestrutura”. Em seu plano de governo, Haddad afirma que vai “privilegiar a localização dos conjuntos habitacionais em áreas consolidadas, dotadas de infraestrutura urbana e mais próximas dos empregos”. Diz, ainda, que boas práticas ambientais serão incorporadas aos projetos e que o “subsídio localização” poderá ser implementado para “incentivar a produção de habitação social bem localizada”.

Do governo para o “povo”

Além da construção de novas unidades habitacionais, o candidato ainda defende que “imóveis desocupados e sem destinação dos três níveis de governo e de autarquias federais deverão ser utilizados para a produção de habitação social”. Esse aspecto da proposta também vai ao encontro da opinião do CAU/BR. Guimarães avalia que essa é uma experiência que vem sendo feita em outros países.:

“Principalmente nas áreas centrais, onde existe infraestrutura de saneamento e grande circulação de pessoas. É inadmissível que essas construções fiquem paradas, sem utilização. Nada mais justo que se faça um estudo de reuso desses espaços públicos.”

Para ele, a questão da segurança pública também passa por esse tipo de medida. “Moradia é fundamental. Ninguém vai criar condições de valorização do centro das cidades sem levar junto a questão habitacional. Fazem parte da segurança urbana a iluminação pública e ter pessoas circulando, usando os espaços. O policiamento é importante, mas é só uma parte nessa questão de cidades seguras.” Ele ainda pontua que, quanto mais a população usa os espaços públicos, maior a sensação de segurança de quem passa por eles.

Proposta de aproveitar vazios urbanos não é nova, mas raramente é aplicada pelos municípios.Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Quando Haddad era prefeito

Não é de hoje que a questão habitacional faz parte das propostas de Fernando Haddad. Quando foi prefeito de São Paulo, entre 2013 e 2016, o agora candidato a presidente desenvolveu um projeto de Parcerias Público Privadas (PPP) para habitação popular.

À época da campanha pela Prefeitura da maior cidade do país, ele tinha três metas referentes ao problema da moradia na capital paulista. A primeira era de entregar 55 mil unidades habitacionais durante os quatro anos de mandato. Segundo apurou a agência de fact checkin Lupa , Haddad cumpriu 57,6% dessa meta e entrou 14,9 mil casas. O restante das unidades, ainda segundo a Lupa, continuava em obras quando ele deixou o cargo.

A segunda meta era a de beneficiar 200 mil famílias com um programa de regularização fundiária. A Lupa verificou que essa meta foi cumprida integralmente. A terceira meta era a urbanização de favelas. O objetivo era atender 70 mil famílias e foram cumpridos 69,6% da meta, também segundo a Lupa.

A importância de cidades bem estruturadas

Transformar cidades que cresceram sem planejamento em ambientes que respeitem a dignidade e as necessidades de seus habitantes não é tarefa que possa ser realizada tendo em conta apenas moradia. Mas é perfeitamente possível. Luciano Guimarães cita alguns exemplos bem sucedidos de urbanização, como o da Companhia Habitacional do Distrito Federal (Codhab-DF).

Por lá, dez escritórios prestam assistência técnica para habitações de interesse social. Assim, os beneficiários dos programas habitacionais conseguem, gratuitamente, projetos arquitetônicos para suas casas. O “Ações Urbanas Comunitárias”, por sua vez, revitaliza espaços antes abandonados e os transforma em espaços de lazer, praças e hortas por meio de mutirões.

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O projeto tem ainda outras frentes de atuação. A experiência deu tão certo que chegou a ser apresentada no 26º Congresso Mundial da União Internacional dos Arquitetos.“A nossa profissão tem como princípio á há séculos a questão da funcionalidade, da segurança, da localização, do atendimento aos interesses do usuário e da estética, da beleza”, explica o presidente do CAU/BR.

Para ele, é preciso mudar a cultura de planejamento das cidades. “Não vamos resolver isso delegando a responsabilidade aos municípios. Eles não têm recursos financeiros para enfrentar essa demanda. Temos que ter essa mudança de cultura, valorizar as leis que temos e construir condições para implementá-las. Não falta legislação nem conhecimento técnico, mas é preciso ter planejamento, gestão e menos interferência politica em toda a questão da urbanização.”

Quantos imóveis da União estão vagos?

Para implementar um projeto que adeque edifícios públicos para uso como moradia, Fernando Haddad vai precisar, primeiro, descobrir quantos imóveis, afinal de contas, a União detém. Há uma planilha pública no site da SPU, mas ela pouco ajuda. Ela lista mais de 688,3 mil imóveis espalhados por todo o território nacional. Desses, 674,4 mil estão marcados como de propriedade da União. Os demais são apenas administrados por ela, como esclarece o Ministério do Planejamento.

Do total, 19,5 mil estão marcados como “sem registro” na coluna que mostra sua situação de utilização, enquanto 668,8 mil levam a etiqueta “em uso”. Isso quer dizer que a SPU não informa se essas unidades estão ou não sendo utilizadas, se estão ocupadas ou abandonadas. Nessa mesma coluna, nenhum recebe a etiqueta de “vago” ou “desocupado”.

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Os números são confusos. Uma matéria da Agência Pública, publicada em junho deste ano, afirma que a SPU informou à reportagem que, em dezembro de 2017, 10,3 mil dos imóveis da União estavam vagos. De acordo com a mesma matéria, pouco mais de 2,6 mil desses imóveis estavam indicados nos dados públicos da secretaria. Na época eram 16 mil unidades sem informação sobre a utilização.

Gil Castello Branco, economista e secretário-geral da Associação Contas Abertas, afirma que a confusão com esses dados não é novidade. “Ninguém entende esses números deles. Há um descaso absoluto com o patrimônio da União, isso há muitos anos. Então, como ninguém consegue levantar, você precisa pedir a informação para o Ministério e aceitar os dados que eles fornecem mal e porcamente. Qualquer imobiliária do país é mais organizada.”

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