O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) mal acabou de comemorar a vitória e já recebeu um pedido de R$ 28 bilhões dos prefeitos. Esse dinheiro deveria ter sido transferido pelo governo federal aos municípios para a conclusão de milhares de obras paradas, mas a União costuma postergar o repasse desses recursos para o ano seguinte.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, já se reuniu cinco vezes com a equipe de Bolsonaro e vai retomar o diálogo nos próximos dias. “São restos a pagar da União, que nós chamamos de restos a receber”, diz Aroldi, que vê no novo governo uma preocupação em resolver o problema.
Em seu discurso após a divulgação do resultado das urnas, Bolsonaro disse que as pessoas vivem nos municípios e que “os recursos federais irão diretamente do governo central para os Estados e municípios.”
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Além dos recursos para concluir obras paradas, a CNM negocia outras mudanças como por exemplo a chamada “transferência fundo a fundo”, no qual o recurso federal é depositado diretamente em uma conta bancária da prefeitura. Com isso, seriam eliminados os trâmites burocráticos hoje existentes nos ministérios responsáveis pela obra e na Caixa, que atua como agente financeiro.
Outro item da pauta é o reforço da União no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) e a própria continuidade do fundo, previsto para acabar em 2020. Os prefeitos querem ainda assento nos diversos conselhos do governo federal e um diálogo permanente.
Esses pedidos convergem com ideias em discussão na equipe de Bolsonaro. Segundo um colaborador, a ideia é mesmo fortalecer as prefeituras para que elas liderem a retomada da atividade econômica e do emprego.
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A nova divisão de recursos e responsabilidades seria amparada numa nova lei complementar, que já está em estudo. Ela regulamentaria o artigo 23 da Constituição Federal, que lista 12 tarefas de competência partilhada entre as três esferas de governo. Por exemplo, proteção do meio ambiente, programas de construção de moradias, combate à pobreza. Embora a Carta seja de 1988, essa questão até hoje não recebeu uma lei específica.
A falta dessa regulamentação gera uma descoordenação do setor público e prejudica a prestação de serviços aos cidadãos, comentou o professor Daniel Vargas, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Não há clareza na divisão de competências.”
O problema é que não há dinheiro para isso, segundo alerta o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. “A equipe econômica [de Bolsonaro] está se iludindo com uma proposta que pode fazer sentido teórico, mas é desprovida de viabilidade fiscal”, disse. “Não estão fazendo as contas.”
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Ele diz que, se forem somadas as despesas de pessoal, previdência, educação, saúde e juros, todas obrigatórias, o valor ultrapassa a previsão de receitas para o ano que vem. “Vão transferir o quê?”, questionou.
Constituição
Número dois do Ministério da Fazenda quando a Constituição foi elaborada, Mailson lembra que a afirmação que “as pessoas vivem nos municípios” era repetida por políticos como Orestes Quércia e Franco Montoro. A Carta de 1988 elevou a transferência de recursos para prefeituras e governos estaduais, com a promessa de acabar com a política do “pires na mão”. Mas, diz ele, não foi o que se viu.
Ele chegou a discutir com o então senador paranaense José Richa a possibilidade de incluir, na Constituição, a transferência de novas responsabilidades para os Estados e municípios: “Chegamos à conclusão que não tinha o que transferir.”
Em defesa das prefeituras, Aroldi diz que o governo central transferiu muitas de suas responsabilidades aos municípios, na prática. Mas isso não é acompanhado dos aportes financeiros necessários. Ele acredita que a situação pode ser equacionada no novo governo. “Se não tem o dinheiro para resolver todos os problemas, precisamos ter cuidado para fazer mais com o pouco que tem.”
Para Vargas, da FGV, a transferência de mais dinheiro não necessariamente vai resolver o problema dos municípios. Ele observa que eles vivem o “paradoxo da inacapacidade”, ou seja, os que têm questões mais graves a resolver são os que têm menor capacidade de fazê-lo.
“Temos problemas muito graves para resolver, antes de criar novos”, afirmou Mailson. Ele alerta que haverá uma “erupção” de Estados entrando em falência.
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