A eleição presidencial deste ano possivelmente será decidida entre os candidatos do PT e do PSDB. E não importa o nome de quem vai com concorrer pelos dois partidos nem mesmo se eles atualmente estão mal colocados nas pesquisas. Tampouco que haja um sentimento popular favorável à renovação na política e que os dois partidos, que disputam entre eles a Presidência desde 1994, estejam envolvidos em casos de corrupção. A aposta é do cientista político Alberto Carlos Almeida, sócio do Instituto Brasilis e autor dos influentes livros A Cabeça do Brasileiro (2007) e A Cabeça do Eleitor (2008).
Agora, Almeida acaba de lançar O Voto do Brasileiro (Editora Record), no qual traz dados eleitorais e socioeconômicos para argumentar que, desde 2006, o eleitor brasileiro vota de acordo com um padrão comum nas democracias ocidentais que coloca petistas e tucanos como favoritos para chegar ao segundo turno.
Desde 2006, voto no Brasil segue um padrão que tende a se repetir
A tese de Almeida é de que, no primeiro governo de Lula (2003-2006), a população mais pobre passou a identificar claramente o PT como o partido que a defende, em função das políticas sociais como o Bolsa Família. E os segmentos da população de classe média, que não se sentem atendidos pelos programas petistas, passaram a se identificar com a sigla mais fortemente de oposição ao PT: o PSDB.
Isso promoveu uma estratificação do voto no Brasil. Os dados de todas as eleições presidenciais a partir de 2006, quando Lula se reelegeu, mostram isso. O PT vence onde há mais pobres: notadamente o Nordeste (que Almeida chama de “cidadela” petista). O PSDB leva a maioria dos votos onde a classe média é mais forte – especialmente em São Paulo (a “cidadela” tucana), o Sul e o Centro-Oeste.
No livro, Almeida traz mapas que indicam um espelhamento, nas eleições de 2006, 2010 e 2014, entre o voto e o Índice de Desenvolvimento Humano (que mede renda, escolaridade e acesso a serviços de saúde). Localidades mais pobres e menos escolarizadas votam no PT. As mais ricas e escolarizadas, nos tucanos.
E isso se repete mesmo em condições econômicas diferentes. No período analisado, o desemprego variou de 6,8% a 10,4% da população economicamente ativa; o país cresceu de 0,5% a 7,6%; e a inflação esteve entre 3,1% e 6,4% ao ano.
Padrão brasileiro é o mesmo das principais democracias ocidentais
Para Almeida, isso significa que o eleitor brasileiro passou a agir conforme um padrão clássico nas democracias: quem precisa de mais serviços do Estado tende a votar em candidatos do principal partido de centro-esquerda; os que não dependem dos governos, na sigla de centro-direita mais importante.
No livro, o autor mostra dados que indicam a repetição desse padrão, com a alternância no poder entre os principais partidos dos dois espectros políticos, em 25 eleições dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália e França – com uma única exceção: a vitória de Emmanuel Macron para o governo francês em 2017 (ele se elegeu num partido recém-criado).
Estrutura partidária do PT e do PSDB explica dificuldade de outros candidatos romperem o ciclo
Almeida diz ainda que a dificuldade de candidatos de outros partidos de esquerda ou de direita de romperem o ciclo tradicional de alternância de poder entre as grandes siglas se explica pelo capital político que as legendas mais fortes construíram. São partidos mais estruturados, com máquinas partidárias robustas, muitos políticos em cargos públicos, líderes capazes de se comunicar com as massas e de mobilizar a opinião pública.
São esses atributos que fazem a diferença em uma eleição presidencial. Eles levam Almeida a concluir que a tendência é de que candidatos de outros partidos de esquerda e direita (Ciro Gomes, Marina Silva ou Jair Bolsonaro) terão dificuldade para tirar o candidato petista (mesmo que não seja Lula) e o tucano (ainda que Geraldo Alckmin não esteja bem colocado nas pesquisas) do segundo turno da eleição de outubro.
Leia a entrevista da Gazeta do Povo com Alberto Carlos Almeida
A Gazeta do Povo entrevistou Alberto Carlos Almeida sobre o livro e a eleição deste ano. Confira os principais trechos:
O senhor acaba de lançar livro O Voto do Brasileiro, em que defende a tese de que a eleição presidencial tem uma tendência ser decidida no segundo turno entre PT e PSDB. Por que, diante de tanto clamor popular por renovação e do envolvimento dos dois partidos em escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato, o senhor acredita que haverá novamente esse confronto, que ocorre desde a eleição de 1994?
No caso do PT, você tem as pesquisas de opinião que mostram o Lula liderando e um porcentual muito grande [de eleitores] dizendo que votaria no candidato dele [se o Lula não for candidato].
E o PSDB? O ex-governador paulista Geraldo Alckmin está mal nas pesquisas...
PSDB ficou associado ao impeachment [de Dilma Rousseff] e ao governo Temer. E o governo está muito mal avaliado. Além disso, a avaliação do Alckmin na saída do governo de São Paulo é uma avaliação que não é ruim, mas não é boa: 36% de ótimo ou bom, segundo o Datafolha. É um porcentual que cria dificuldades pra ele. Nas pesquisas que fazem no estado de São Paulo, o Alckmin está empatado com o Bolsonaro, e atrás do Lula.
Nesse sentido, o Alckmin teria mais dificuldades para chegar ao segundo turno do que o candidato do PT, seja ele quem for? Poderia haver um candidatos de outros partidos no segundo turno? Algo que ocorreu na França, com o Macron e a Marine Le Pen [candidata da extrema direita]?
Eu mostro no livro que há divisão clássica que acontece em todos os países do mundo, entre centro-esquerda e centro-direita. Isso se repete em 25 eleições nos países democráticos. Mas aí tem o fenômeno Macron... Mas o Macron, no segundo turno, foi a esquerda. E a Marine Le Pen, a direita.
Então dá pra dizer que a eleição brasileira será necessariamente entre um candidato de esquerda e outro de direita?
Eu acho que sim. Porque o Nordeste é um bloco muito homogêneo de pobreza. O Sudeste o Sul são mais heterogêneos, mas são mais ricos. E isso se reflete no voto.
Em outro livro do senhor, A Cabeça do Eleitor, o senhor afirma que governantes com avaliação abaixo de 50% têm dificuldades para se eleger ou eleger o candidato que apoiam. A ex-presidente Dilma deixou o governo com uma avaliação muito ruim, de menos de 10% de aprovação. Isso poderia ter influência nessa eleição, prejudicando o candidato do PT?
Antes da Dilma sair [do governo], as pesquisas mostravam que a maioria dava vitória ao Alckmin sobre o Lula. O que isso indica? Que a maioria vota na oposição. Quando o Temer assume a Presidência e o PSDB apoia o novo governo, o Lula ultrapassa o Alckmin nas pesquisas. Isso indica que a maioria ainda vota na oposição. O que o impeachment de 2016 fez foi trocar o nome próprio da oposição: se antes era o PSDB, depois virou o PT.
Isso significa que quem for apoiado pelo Temer, que é muito mal avaliado, vai perder?
Onde o Temer estiver, perde a eleição. Eu vejo muita gente falando que o PMDB vai dar tempo de tevê para o candidato que apoiar e que isso é bom. Mas o adversário vai dizer: “Você tem o apoio do PMDB, do Temer”. E ele vai perder a eleição.
O senhor se refere ao Nordeste como “cidadela” do PT, um “território” que é difícil de ser conquistado pelos adversários. Isso significa que os votos que são de Lula tendem a migrar para o candidato que ele apoiar se tiver sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral?
Sim, porque o voto no Nordeste não é só do Lula. Você tem três governos estaduais lá que são do PT: Bahia, Ceará e Piauí. E o Maranhão é do PCdoB, que é uma espécie de partido coligado ao PT. E tem ainda o Ricardo Coutinho, do PSB, que governa a Paraíba; e o Paulo Câmara, também do PSB, de Pernambuco. Então há no Nordeste uma configuração de governadores de esquerda, que estão no PT ou poderiam estar no PT. E tudo isso não é do Lula. É o voto de quem atende os pobres.
Mas o PT é forte no Nordeste principalmente em função do Bolsa Família. O Bolsa Família foi expandido durante o governo Lula. Mas não é só ele. Houve uma melhoria de renda no Nordeste em grande parte por causa da regra do salário mínimo [criado no governo do PT que garantiu reajustes acima da inflação]. Você tem um porcentual muito grande de pessoas no Nordeste que ganham salário mínimo e até menos. Então ficou a percepção de que o PT atende os pobres. Quando o Lula e o PT defendem os pobres, eles pensam: “O PT está do nosso lado. E eu não voto em quem está do outro lado”.
O senhor fala que a cidadela do PSDB é São Paulo...
O eleitor de São Paulo, que não tem necessidade de políticas sociais, pensa: “O PT está defendendo os pobres. Eu não sou pobre. As políticas do PT não me atingem. Então vou votar no outro”. E quem não é pobre, não se sente representado pela esquerda, é o voto anti-PT. E isso é o PSDB.
São seis eleições seguidas para o governo de São Paulo que o PSDB ganha. É muita força. O PSDB tem uma máquina política em São Paulo. Tem deputados estaduais, que negociam com o governador e indicam diretores de escola, de postos de saúde, de hospitais, influenciam na distribuição de publicidade. E a contrapartida deles é fazer campanha [para os candidatos tucanos nas eleições majoritárias, como a de presidente].
Ou seja, a máquina partidária é muito importante numa eleição. É isso que enfraquece os candidatos Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes – que estão em partidos sem tanta estrutura?
Exatamente. Eles estão tendo dificuldades enormes. A Marina já está falando em ter um vice do próprio partido. Ela não consegue expandir apoios. O Bolsonaro fala que 100 deputados federais apoiam sua candidatura. Mas desses 100, quando fizeram um evento, só 13 apareceram. Isso ocorre porque eles não acreditam que esses candidatos vão ter condições de vencer.
Qual será o papel da corrupção na eleição? PT e PSDB estão envolvidos em denúncias da Lava Jato. Por que ainda assim eles tendem a estar no segundo turno?
A corrupção já está tendo um papel nesta eleição. Ela causou o impeachment, que foi apoiado pelo PSDB. E o PSDB ficou associado ao Temer. A corrupção provocou um grande embaralhamento do cenário. Se não fossem esses escândalos, tudo estaria mais claro. Mas o PT e o PSDB tendem a estar no segundo turno porque a maioria dos eleitores – não todos – considera que todos os políticos são corruptos.
O Brasil hoje está polarizado. No livro, o senhor fala que o discurso de ódio de classe social é simplesmente uma oportunidade de ganho no “mercado eleitoral”. Isso é mais um discurso para arregimentar um exército de cabos eleitorais ou é algo que de fato existe?
Eu fico me perguntando até onde essa história do ódio de classe não é uma discussão das pessoas mais ricas, da elite politizada, uma coisa de Facebook. Quando eu converso com outras pessoas, de outros meios, não vejo o ódio de que tanto falam. Acho que o discurso do ódio é exatamente isto: um elemento do mercado eleitoral. Você cria uma divisão para reunir os seus.
O livro também traz um dado interessante. Mesmo que um país se desenvolva economicamente, fique rico, ainda assim haverá a divisão entre esquerda e direita. Por que a esquerda não “desaparece” quando um país fica mais rico, considerando que os mais ricos tendem a votar na direita?
Essa divisão sempre existirá porque a pobreza é relativa. Sempre haverá gente mais pobre e mais rica, mesmo nos países desenvolvidos.
Pesquisas eleitorais
A última pesquisa eleitoral Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e divulgada em junho, mostra que Lula lidera, com 33% das intenções de voto, e que Alckmin é o quarto ou quinto, dependendo do cenário, com índices de 4% a 6%. Essa pesquisa foi realizada entre os dias 21 a 24 de junho com 2.000 entrevistados de 16 anos ou mais em 128 municípios brasileiros. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos porcentuais e o nível de confiança, de 95%. A pesquisa foi registrado no TSE: BR-02265/2018.
Pesquisa Ibope com os eleitores paulistas mostra que, no estado de São Paulo, Lula lidera com 24%, enquanto Bolsonaro e Alckmin estão tecnicamente empatados, com 17% e 13% respectivamente (já que a margem de erro da pesquisa é de 3 pontos porcentuais). Essa pesquisa foi realizada entre 23 e 26 de junho com 1.008 eleitores paulistas. O intervalo de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro, de 3%. A pesquisa, encomendada pela Companhia Rio Bonito Comunicações, foi registrada no TRE-SP com o protocolo N.º SP 06856/2018 e no Tribunal Superior Eleitoral sob protocolo N.º BR 03598/2018.
A pesquisa Datafolha que mostrou que Alckmin deixou o governo com 36% de avaliação positiva foi realizada entre os dias 11 e 13 de abril de 2018. Foram entrevistadas 1.954 pessoas com 16 anos ou mais em 68 municípios paulistas. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais e o intervalo de confiança, de 95%. A pesquisa, encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo, foi registrada Tribunal Superior Eleitoral com o protocolo SP 04706/2018.
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