A falta de gestos de aproximação com o mercado foi uma dos fatores que mais incomodou Fernando Haddad (PT) ao longo da campanha eleitoral. Mestre em Economia, o presidenciável ouviu por diversas vezes do PT – em especial de alas mais próximas ao ex-presidente Lula – que esse movimento afastaria o eleitor de esquerda. Agora, no fim do jogo, conseguiu acrescentar em seu novo plano de governo um leve aceno ao mercado, falando em autonomia do Banco Central.
A quase uma semana do segundo turno, o próprio Haddad tem dificuldades em não acreditar na ideia de que o mercado já "comprou" seu adversário Jair Bolsonaro. "Ele repete por aí, claro, que ainda dá tempo. Fala isso inclusive pra nós, mais próximos. Mas é complicado. A essa altura do campeonato, todos já temos dificuldade de vislumbrar uma virada. Ele já aparenta isso", disse um integrante da cota pessoal de Fernando Haddad na campanha do PT.
Ao longo dos últimos meses, o ex-prefeito de São Paulo teve alguns economistas ao seu lado. Seu predileto, com quem mais se identifica, é Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. Barbosa, contudo, não ficou no quadro oficial da equipe de campanha. Nunca empolgou muito o mercado. Participou, porém, da elaboração da parte econômica do plano de governo, ao lado de Marcio Pochmann, Luiz Gonzaga Beluzzo e Guilherme Mello – além de, claro, o ex-presidente Lula.
Haddad começou a conversar com economistas pró-mercado, mas PT barrou
Na tentativa de diversificar a discussão e buscar interlocutores, Haddad começou a conversar com economistas afastados do campo político petista e mais alinhados ao pensamento pró-mercado, como o presidente do Insper, Marcos Lisboa – que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2005, no governo Lula, e depois foi dirigente do Itaú Unibanco –, e Samuel Pessoa. Essa tentativa de Haddad foi, contudo, barrada pelo PT, que não permitiu nenhum aceno até esta semana.
"Era arriscado perder um eleitor que tínhamos garantido. Numa eleição como essa, não dava para correr riscos", afirmou um petista defensor dessa tese. "Agora, na véspera, é difícil recuperar um eleitorado já convencido pelo outro lado", retrucou um integrante do partido mais alinhado ao pensamento do presidenciável que, desde o início gostaria de ter buscado uma conversa com investidores.
Na semana passada, Haddad tentou pessoalmente – e com recados do ex-presidente Lula – integrar o empresário Josué Alencar, filho do vice-presidente na gestão de Lula, José Alencar, aos quadros da sua equipe. A missão do empresário seria justamente assumir a interlocução com o mercado financeiro. Josué, porém, rejeitou a oferta. O empresário foi um dos nomes mais disputados pelos concorrentes nessa eleição para a vaga de vice – também procurado por Geraldo Alckmin, em julho, e rejeitou a vaga na chapa tucana.
Mercado se preocupa com a promessa do PT de revogar o teto de gastos públicos
O mercado se preocupa com o discurso do PT de que – entre outras coisas – vai revogar o teto para gastos públicos e sobretaxar bancos que cobrem juros considerados altos. Tais propostas fazem bancos, corretoras e investidores relembrarem medidas intervencionistas típicas do mandato de Dilma Rousseff, que legou ao país uma das maiores recessões da história.
Em meio a essa desconfiança, o coordenador da campanha petista, Jaques Wagner, acredita que, Haddad vencendo, "o mercado vem". "Parece uma fala dúbia para quem vem a público pedir que o partido admita erros", disse um outro nome da ala mais próxima a Haddad.
Enquanto isso, o candidato petista se aproxima da última semana da eleição praticamente cercado de radicais na própria campanha. Conseguiu colocar no plano de governo do PT que não haverá intervenção no Banco Central, em substituição ao trecho do documento inicialmente protocolado na Justiça Eleitoral, que falava na construção de um novo indicador para a meta de inflação.
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