A um ano de uma das corridas eleitorais mais incertas da história do Brasil, uma coisa é absolutamente certa: ela terminará profundamente marcada pela Operação Lava Jato. Desde o risco de judicialização da corrida eleitoral até impactos na percepção do eleitor em relação aos eleitores, o maior e mais duradouro escândalo político da história do país foi essencial na definição do atual cenário político.
Para ser mais preciso, é possível dizer que a operação já está afetando as eleições em curso. Na teoria, a corrida presidencial começaria no segundo semestre do ano que vem. Extraoficialmente, já começou.
Na prática, pelo menos quatro pré-candidatos já estão, em maior ou menor grau, em campanha pelo país: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PEN, que pode mudar o nome para Patriota), João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). Além dos citados, Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) também são vistos como potenciais candidatos no momento, e o PSD brinca com a ideia de lançar Henrique Meirelles como candidato.
Dos citados, apenas dois estão, de fato, sendo investigados pela operação. O ex-presidente Lula é réu em quatro processos resultantes da Lava Jato e já foi, inclusive, condenado em um deles – outros três processos criminais, no âmbito da Operação Zelotes, tramitam contra ele. Já Alckmin foi delatado por três executivos da Odebrecht como beneficiário de caixa dois, e é alvo de inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ambos negam as acusações.
Mais do que afetar campanhas específicas, porém, a Lava Jato foi um dos moldes mais decisivos do cenário eleitoral das próximas eleições. Elementos essenciais da disputa, como a alta rejeição dos políticos, o crescimento da direita e o ressurgimento de Lula, estão intrinsicamente ligados aos desdobramentos da operação.
Descrença
O primeiro efeito visível é a descrença generalizada nos políticos – o que pode aumentar o nível de imprevisibilidade das eleições. Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da MDA Pesquisas, publicada no dia 19 de setembro, mostrou que todos os principais pré-candidatos possuem uma rejeição maior de 50% entre eleitores que declararam conhecê-los – Lula, Gomes, Alckmin, Marina e Aécio Neves (PSDB) possuem também rejeição acima de 50% em níveis absolutos.
Um cenário parecido foi verificado nas eleições americanas de 2016, entre Hillary Clinton e Donald Trump. Em análise publicada nesta quinta-feira (21), Nate Silver, do site FiveThirtyEight, ponderou que a alta rejeição de ambos gerou um alto número de eleitores indecisos.
Como resultado, o momento eleitoral variou muito acima do normal – na prática, em uma eleição encarada como “pior de dois males”, as intenções de voto variaram em consonância com o escândalo mais recente, gerando uma corrida imprevisível e fortemente influenciada por fatores externos, ao invés de propostas, ideias e projetos. Não que isso não ocorra normalmente, claro; a questão, nesse caso, é o grau de impacto desses fatores.
Além disso, a rejeição ao político tradicional também abre espaço para candidatos menos tradicionais – sejam candidatos de vertente extremista, sejam candidatos sem uma carreira política tradicional, ou os dois. Bolsonaro, um exemplo do primeiro caso, passou quase 30 anos em um extremo do espectro político no qual dificilmente conseguia atingir o eleitor médio. Hoje, coloca-se como uma das candidaturas mais competitivas.
Já Doria, que se elegeu prefeito de São Paulo de maneira similar, apresenta números parecidos a de seu “inimigo íntimo” Alckmin em pesquisas de opinião. Ao contrário do “rival”, na política desde os anos 1990, Doria construiu sua carreira fora dos ambientes políticos tradicionais, se cacifando como um empresário/celebridade e, ironicamente, usando politicamente sua distância do mundo político.
Guinada à direita
É importante reparar, entretanto, que nem todo tipo de candidato “outsider” está se beneficiando da descrença generalizada na política tradicional. Candidatos de partidos à esquerda do PT, como PSol ou o PSTU, aparecem tão pouco competitivos como sempre foram. O fato é que, junto com outros fatores, a Lava Jato favoreceu o fortalecimento do conservadorismo – é possível falar em uma “guinada à direita” no campo político.
Ao atingir em cheio o PT, partido visto como sinônimo da esquerda por grande parte da população, a Lava Jato favoreceu essa guinada. É verdade que o PT está longe de ser o único partido investigado pela operação – que também atingiu em cheio o ecumênico PMDB e o conservador PP, e envolveu nomes de filiados de vários partidos do governo e até mesmo da oposição.
Entretanto, foi dentro do governo petista que os escândalos ocorreram – e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), sob liderança de petistas, a começar pelo próprio Lula. Isso favoreceu uma identificação entre a esquerda em geral e a corrupção por parte do eleitorado, o que seguramente favoreceu essa guinada conservadora.
Os escândalos também serviram de munição para o crescimento de movimentos políticos conservadores extrapartidários, como o Movimento Brasil Livre (MBL). Ao convocar protestos de grande adesão contra o governo Dilma, em 2015 e 2016, esses grupos ganharam visibilidade e popularidade.
Usando estratégias eficientes nas redes sociais, esses movimentos se posicionaram como influenciadores até mais importantes que a grande maioria dos partidos estabelecidos. Assim, foram decisivos em uma mudança de eixo no debate público brasileiro. Hoje, além de influenciar, também já participam também da política formal.
É importante frisar: a Lava Jato está longe de ser o único fator em todo esse processo. O agravamento da crise econômica a partir de 2015, as transformações culturais bruscas que ocorrem desde a popularização das redes sociais, a falta de qualidade do serviço público no país, o contexto internacional, e mais outras dezenas de fatores contribuíram para a construção desse cenário. Ainda assim, o peso da operação é imenso.
Lula lá?
E apesar de tudo isso, Lula lidera a corrida eleitoral. Um político tradicional, de esquerda, e que, ainda por cima, foi condenado pelo juiz Sérgio Moro em julho.
Na última pesquisa CNT/MDA, o petista lidera em todos os cenários no primeiro e no segundo turno. Pela metodologia do instituto, é ainda o que possui o maior “potencial positivo” – nessa conta, o instituto considera a rejeição e a possibilidade de voto apenas de eleitores que conhecem o candidato.
Isso representa uma significativa melhora de Lula desde 2016. Durante o ano passado, apesar de liderar a maioria das pesquisas de primeiro turno, o petista perdia em quase todos os cenários de segundo turno. Curiosamente, desde então, o ex-presidente se tornou réu, foi condenado, e ainda foi alvo de novas acusações – incluindo a delação de Antônio Palocci.
Parece uma grande contradição, mas não é.
Se, por um lado, as denúncias e acusações deram mais munição para seus críticos, elas também serviram como fator de mobilização para a militância do PT e anteciparam a campanha eleitoral de forma definitiva.
Mais do que isso, entretanto, o aprofundamento da Lava Jato favoreceu que o cenário político se movesse em direção a uma polarização em extremos. Ainda que, na realidade, Lula esteja longe de ser um candidato de extrema-esquerda, o PT e o ex-presidente sabem modular sua campanha e seu discurso em um tom mais agressivo – o que pode explicar, pelo menos em parte, o ressurgimento de sua popularidade.
Além disso, o impeachment, indiretamente influenciado pela operação, pode ter favorecido as pretensões eleitorais de Lula. Se Dilma ainda fosse presidente, um cenário de mau desempenho econômico e/ou potenciais reformas impopulares dificultariam a campanha do ex-presidente.
Agora, porém, Lula se coloca como um candidato de oposição. Com Temer experimentando um dos menores índices de popularidade da história do país – segundo a pesquisa da CNT citada anteriormente, ele possui incríveis 3% de aprovação --, o discurso anti-Temer e antirreformas é central na campanha do PT.
Vale lembrar que Lula governou o país no período de maior crescimento econômico do país, no qual uma fatia relevante da população melhorou sua condição social. E em uma campanha política tão extremada, o apelo à memória afetiva e o apego ao passado podem ser armas poderosas, especialmente nas áreas mais pobres do país.
Futuro incerto
É impossível dizer como a Lava Jato vai impactar no futuro dessa longa maratona eleitoral. Uma nova delação premiada, por exemplo, pode jogar o nome de algum presidenciável na lama. E se Lula até melhorou suas chances após ser denunciado, o mesmo não pode ser dito, por exemplo, sobre Aécio, que de principal líder da oposição e virtual favorito para 2018 virou um zumbi político após gravações comprometedoras no âmbito da Lava Jato.
Entretanto, com processos em andamento, é possível enxergar novos desenvolvimentos no horizonte. O caso mais claro é o de Lula: após ser condenado em primeira instância, o ex-presidente recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). É possível que, antes ou durante o período eleitoral, sua condenação seja confirmada.
Isso não configuraria trânsito em julgado, mas já poderia significar sua prisão, de acordo com jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro do ano passado – a questão pode voltar à pauta do tribunal em breve. Mais importante, isso seria suficiente para que sua candidatura pudesse ser cassada com base na Lei da Ficha Limpa.
As consequências disso para o pleito são absolutamente incertas. Desde já, o PT se prepara para a possibilidade com um discurso de que “eleição sem Lula é fraude”. Até mesmo um boicote às eleições foi aventado por militantes do partido.
Seja como for, nunca na história desse país uma única operação policial foi tão decisiva para seu futuro político. Resta saber o resultado.
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