O caso do tríplex no Guarujá, que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a cadeia, pode sofrer uma reviravolta inesperada. Ao determinar, na última terça-feira (24), que trechos da colaboração premiada de executivos da Odebrecht que tratam de pagamentos de despesas do petista sejam encaminhados à Justiça Federal de São Paulo, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) abriram uma brecha para a defesa do petista pedir a anulação da condenação imposta pelo juiz Sergio Moro e pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).
No julgamento, a maioria dos ministros da Segunda Turma do STF concluiu que os depoimentos da Odebrecht que embasam os processos do sítio de Atibaia e da compra de um terreno para o Instituto Lula não têm relação direta com os crimes investigados na Petrobras. Portanto, Moro não seria o juiz natural da causa, daí a decisão de remeter os casos para São Paulo. O entendimento reforça a tese da defesa do ex-presidente, de que os casos de Lula não têm conexão com a Lava Jato e não deveriam ser julgados pelo juiz do Paraná.
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Em despacho sobre os embargos de declaração, o próprio Moro reconhece que a propina para Lula, na forma do apartamento tríplex, não tem ligação explícita com o escândalo de corrupção da estatal. “Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”, diz o magistrado na sentença.
A defesa de Lula já entrou com dois recursos nos tribunais em que pede a absolvição do ex-presidente ou a nulidade de todo o processo do tríplex. Entre as irregularidades apontadas pela defesa no processo está justamente o fato de Moro não ser o juiz natural da causa.
Lula foi condenado por Moro a 9 anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal acusava o ex-presidente de receber propina da OAS através da compra e reforma do tríplex no Guarujá. Moro não fez, na sentença, nenhuma conexão entre contratos da Petrobras com o pagamento de propina pela OAS. Em janeiro último, Lula foi condenado em segunda instância pelo TRF-4 e teve sua pena aumentada para 12 anos e um mês de prisão.
Com o entendimento adotado nessa terça-feira ao decidir sobre as provas da Odebrecht, o STF dá fôlego para as alegações da defesa de Lula. “Essa é uma discussão muito forte que ainda não foi debatida nas instâncias superiores e há inúmeras teses que apontam para a incompetência do juiz Sergio Moro para julgar, não só as ações do Lula, mas uma serie de questões da Lava Jato”, aponta o doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Francisco Monteiro Rocha Júnior.
O juiz natural da causa é aquele que atua no local onde os crimes ocorreram, por exemplo. A Lava Jato acabou nas mãos de Moro porque as investigações focavam na atividade de doleiros e, entre eles, estava Alberto Youssef, que usava empresas da cidade de Londrina para lavar dinheiro. Em seguida, os investigadores encontraram indícios do envolvimento do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, no cometimento de crimes. Por isso, os crimes envolvendo a Petrobras acabaram sob os cuidados de Moro, no Paraná.
Se a tese de que Moro não é o juiz competente para tratar do caso do tríplex prosperar, o processo pode ser anulado e Lula, solto. Isso porque o petista foi preso com base no entendimento do STF sobre possibilidade de cumprimento da pena a partir de decisão em segunda instância. “Quem está preso em virtude da condenação em segundo grau, evidentemente seria posto em liberdade porque a prisão ficaria sem efeito”, explica Rocha. Se a condenação de Moro for invalidada, o julgamento do TRF-4 também perde validade. Nesse caso, Lula poderia, inclusive, ser candidato à Presidência, já que não estaria mais enquadrado na Lei Ficha Limpa.
Para Rocha, há possibilidade real de as instâncias superiores de Brasília anularem a sentença do tríplex. “Considerando todo o entendimento anterior, eu vejo uma viabilidade jurídica muito grande desses recursos serem acolhidos”, aposta.
A criminalista e professora de Direito Penal, Fernanda de Almeida Carneiro, discorda. Para ela, a questão da competência do juiz Sergio Moro para julgar o caso já foi discutida e o entendimento não pode mais ser alterado. “Esse caso específico não pode mais ser anulado sobre esse argumento”, diz. Para ela, como a questão de competência de Moro já foi julgada, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF, não pode mais gerar nulidade do processo. “Isso pode ser alegado, mas não vai ter efeito prático porque o STF e o STJ já analisaram a exceção de competência sobre os mesmos fatos”, completa.
Outros caminhos
A nulidade do processo não é o único caminho para um desfecho favorável ao ex-presidente no caso do tríplex. Em entrevista recente, o ministro Gilmar Mendes admitiu que o Supremo pode reduzir a pena do petista no caso. Para isso, o STF absolveria o ex-presidente do crime de lavagem de dinheiro, englobando todos os delitos no crime de corrupção passiva.
Outro caminho, ainda mais favorável a Lula, seria a revisão da jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância. O ministro Marco Aurélio Mello é relator de Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre o tema e pode pedir o julgamento dos casos a qualquer momento no plenário da Corte. A tendência é que os ministros revertam a jurisprudência atual, o que favoreceria o ex-presidente e o colocaria em liberdade.
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