Manutenção de urnas eletrônicas pelo TSE.| Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Uma emenda apresentada pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao projeto da reforma política aprovada pelo Congresso em 2015 se transformou em um nó bilionário para a eleição deste ano. A previsão da implementação do voto impresso nas eleições de 2018 foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai analisar a constitucionalidade da determinação na sessão desta quarta-feira (6). De um lado, a Procuradoria Geral da República (PGR) argumenta que a impressão pode ferir a garantia do voto secreto, prevista na Constituição. De outro, há quem argumente que é necessário um mecanismo que possibilidade auditar o resultado das eleições.

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A emenda de Bolsonaro chegou a ser vetada pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que alegou o alto custo para implementação, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. O pontapé inicial da polêmica foi no final do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que não é possível adotar o voto impresso de forma integral em 2018.Ele afirmou que apenas 5% das urnas teriam o voto impresso nas eleições deste ano, por falta de recursos para implementação integral. O relator do caso no STF é justamente o ministro Gilmar Mendes, que deve votar contra a medida proposta por Bolsonaro.

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Essa não é a primeira vez que o STF se debruça sobre o caso. Em 2013, a Corte foi unânime ao julgar inconstitucional o artigo 5º da Reforma Eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034), que criava a exigência do voto impresso. Os ministros entenderam que a obrigatoriedade da impressão quebra a garantia do sigilo do voto.

Pela norma aprovada no Congresso, cada voto dado na urna eletrônica seria impresso e o eleitor poderia conferir se as informações do papel batem com as da tela. O voto impresso seria depositado automaticamente numa urna convencional, sem contato manual do eleitor. O procedimento custaria a Justiça Eleitoral cerca de R$ 2,5 bilhões, segundo o TSE.

Campanha pelo voto impresso

No final de janeiro, os juristas Modesto Carvalhosa, Hélio Bicudo e Maria Aparecida Cortiz recorreram à Organização dos Estados Americanos (OEA) para garantir a implementação do voto impresso em todo país nas eleições de 2018. Na petição, eles elencaram votações em que houve suspeita de fraude eleitoral e argumentam que o TSE vai descumprir a lei se não implementar a impressão em todas as urnas já nesse ano.

A associação que representa os peritos da Polícia Federal (PF) também entrou no debate. Eles redigiram um documento em que afirmam que a impressão é necessária para “aprimorar a segurança e o sistema de auditoria do processo eleitoral”, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo.

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Para o professor de direito constitucional da PUC-PR, Antonio Kozikoski, a impressão do voto pode ser útil para evitar questionamentos de fraudes eleitorais em caso de resultado apertado da votação. “A soberania popular não pode ficar a mercê de um sistema que não permita a contraprova”, argumenta. “A gente vive uma segurança institucional. Por conta de todas as movimentações dos últimos anos a gente tende a ficar mais desacreditado nas instituições. O voto impresso vem na contramão dessa desconfiança”, completa o professor.

Kozikoski garante que o voto impresso não viola a previsão constitucional do voto secreto. “Na sistemática da lei nova, o eleitor não vai sair da cabine eleitoral com uma cópia do voto. O voto dele vai cair em uma urna, ele não tem como ser constrangido lá fora”, opina.

Contra a impressão

Se há quem defenda a impressão dos votos, também há quem seja contra a medida. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, está na lista de quem acha que a impressão do voto, além de onerosa, pode mais atrapalhar do que auxiliar no processo democrático brasileiro.

No início do ano, Dodge entrou com uma ação no STF para derrubar o voto impresso. Para a procuradora, a impressão do voto “desrespeita frontalmente o sigilo de voto”. “A norma não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuízo à inviolabilidade do voto secreto”, argumenta Dodge. A PGR afirma, ainda, que o problema pode se tornar ainda mais grave em casos de falha de impressão, que exigiriam a intervenção humana na cabine de votação.

Na ação, Dodge argumenta que o voto impresso “potencializará falhas, causará transtornos ao eleitorado, aumentará a possibilidade de fraudes e prejudicará a celeridade do processo eleitoral. Elevará, ainda, (o número de) urnas em que a votação terá que ser exclusivamente manual”.

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“A utilização do voto impresso vai na contramão de todo o avanço que a Justiça Eleitoral brasileira representa”, argumenta a especialista em direito eleitoral, Ana Carolina Clève. Para ela, apesar da desconfiança sobre a confiabilidade da urna eletrônica, até agora ninguém conseguiu demonstrar a existência de nenhuma fraude. “Aliás, pelo contrário, a urna eletrônica já passou por diversos testes que atestam a segurança dos resultados eleitorais, de modo que o voto impresso é desnecessário para fins de dar maior credibilidade ao cômputo dos votos”, completa.

Voto impresso já foi testado

A primeira experiência com o voto impresso no Brasil foi nas eleições de 2002. De acordo com o Relatório das Eleições de 2002, elaborado pelo TSE, vários problemas foram detectados pela adoção da medida. Entre os problemas apontados no relatório estavam o número significativo de eleitores que saíram da cabine sem confirmar o voto impresso; demora na votação; necessidade de procedimentos de transporte, de guarda e de segurança física das urnas de lona com os votos impressos; treinamento mais complexo para os mesários, contrariando a orientação geral de simplificação do processo eleitoral; e ocorrência de problemas técnicos na porta de conexão do módulo impressor, o que a deixou vulnerável a tentativas de fraude.

Ainda de acordo com o Relatório das Eleições de 2002, nas seções com voto impresso foi maior o tamanho das filas, o número de votos nulos e brancos, o percentual de urnas com votação por cédula e o percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas apenas no módulo impressor.

Para Kozikoski, é possível driblar esses problemas em 2018. “Hoje a gente tem rastreados os pontos de possíveis problemas. Do ponto de vista operacional, a gente tem como contornar esses problemas. A gente está falando da soberania de um país e não posso colocá-la em risco alegando que a impressora vai travar”, diz o professor.