Quem vai vencer a batalha da comunicação em torno da reforma da Previdência que está em curso? Difícil apontar alguém agora, pois a proposta de emenda constitucional (PEC) tem ainda um longo caminho a trilhar até sua aprovação (ou rejeição). O fato é que o governo e a alta elite do funcionalismo público, posicionados em lados opostos, já apresentam suas armas para convencer a opinião públicas das vantagens e desvantagens de se mudar as regras de aposentadoria
De um lado, governistas e aliados dizem que corporações ligadas ao funcionalismo espalham ‘fake news’ sobre a reforma com o objetivo de manter seus privilégios. Do outro, servidores públicos falam em “confisco” e “desmonte da Previdência Social” e já estão organizados para atuar junto a deputados na apresentação de emendas que mudem substancialmente o texto da proposta.
O clima de guerra começou antes mesmo de o governo protocolar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara. Integrantes da equipe econômica antecipavam que o texto ia combater privilégios, principalmente do funcionalismo público, que, em geral, se aposenta com benefícios bem mais altos do que o restante da população, que cai nas regras do INSS.
Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, 66,5% do total de aposentados pelo INSS (iniciativa privada e aposentadoria rural) recebem um salário mínimo e 83,4% recebem menos de dois salários mínimos. Cálculo feito pela Gazeta do Povo mostra que menos de 0,1% ganha valor equivalente ao teto do regime, atualmente em R$ 5.839,45.
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Já no setor público, o cenário é o oposto. Dados do relatório de Avaliação Atuarial do Regime Próprio de Previdência (RPPS) da União mostram que aposentados do Poder Legislativo recebem, em média, R$ 26.823,48 por mês. Depois, os maiores benefícios estão no Poder Judiciário Federal (média de R$ 18.065,40) e no Ministério Público da União (R$ 14.656,32). Por último, o Poder Executivo (R$ 8.477,59). Os dados são referentes ao ano de 2017.
É a “fábrica de desigualdades” e a “máquina perversa de transferência de renda” tantas vezes citada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e que o governo vem falando em combater na reforma da Previdência. “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e a população, as menores”, disse em 2 de janeiro o ministro, ao assumir oficialmente a pasta.
O contra-ataque das corporações
O discurso do governo incomodou associações de servidores, que agiram rápido. No dia seguinte a apresentação da reforma da Previdência, parte da elite do funcionalismo veio a público para falar em “confisco”.
Fizeram referência à alíquota progressiva de 22% que será cobrada sobre a faixa de renda salarial que ficar acima do teto do funcionalismo público. A alíquota efetiva, que será de fato descontada de todo o salário, será menor. No caso de quem ganha entre R$ 20.000,01 e R$ 39.000,00, o desconto em folha vai variar de 14,68% a 16,79%. Quem recebe mais do que o teto, deverá ter desconto efetivo superior a 16,79%.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate) soltaram nota conjunta dois dias após a PEC ser protocolada criticando a reforma. Além da alíquota de 22%, as associações se posicionaram contra o sistema de alíquotas progressivas, ausência de transição para os servidores que ingressaram até 2003, mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), criação do regime de capitalização e a desconstitucionalização de vários itens da Previdência, entre outras coisas.
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“A Reforma da Previdência, como apresentada, joga para a população e para os servidores públicos a responsabilidade pela má gestão do dinheiro público, da corrupção, da sonegação fiscal e da dívida ativa da União”, diz a nota das associações, que reclamam também da falta de debate com o governo. “Medidas restritivas e excessivamente austeras gerarão aumento da desigualdade social e da pobreza, e não o contrário”, conclui o texto.
A Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social (Anasps) diz estar mobilizada para “apresentar as emendas contrárias” à reforma. Para isso, está atrás do apoio mínimo de 171 deputados, quórum necessário para protocolar uma emenda durante a comissão especial da Câmara dos Deputados. É essa a comissão que vai analisar o mérito da PEC e é durante ela que os deputados podem apresentar emendas para mudar o texto.
Governo segue no embate
Enquanto isso, o governo segue na batalha para se contrapor ao discurso das corporações. Membros do governo vêm afirmando abertamente que as corporações da alta elite do funcionalismo buscam apenas manter privilégios e, para isso, espalham inverdades sobre a Nova Previdência.
Eles também têm ressaltando as medidas que tornam a reforma mais justa para os pobres: adoção de idade mínima, redução da alíquota para quem ganha até um salário mínimo e majoração para quem recebe salários altos. A ideia da reforma, repete o governo reiteradamente, é fazer quem ganha mais pagar mais, e quem ganha menos contribuir com menos.
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“Eles [as corporações] estão dizendo publicamente o seguinte: estamos preocupados com o BPC [pago a idosos em condição de miserabilidade e pessoas com deficiência], estamos preocupados com o aposentado rural. Essa tem sido a cantilena. Isso tem sido o mantra e vem principalmente das corporações que estão se aproveitando desses pontos para dizer que a reforma é contra o pobre”, disse o secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.
Ele rebateu a tese de que a reforma prejudica os mais pobres: “Pelo contrário, [a nova Previdência] faz com que a maioria da população, dos contribuintes, que hoje são mais de 20 milhões pagando uma alíquota de 8% passem a pagar 7,5%, e quem recebe acima do teto, porque teve uma sentença judicial que contradisse, inclusive, a Constituição brasileira, que impede que se ganhe acima do teto do STF, pague 22%”.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, também atribuiu as corporações a tese de que a reforma da Previdência é dura. “Quando eu vejo algumas corporações que ganham R$ 30 mil dizendo que a reforma é dura, é dura porque não está poupando ninguém. Mas ela favorece os mais pobres. Muitas pessoas que dizem que estão defendendo os mais pobres, não estão defendendo os mais pobres. Estão defendendo benefícios que o nosso país hoje não tem como arcar mais", afirmou.
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Até o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), endossou o discurso do governo, apesar de fazer parte da elite do Legislativo. Ele disse, ainda em fevereiro, que o grande desafio seria “enfrentar as falsas informações, porque aquele que está se aposentando mais cedo e com o maior salário não vai para imprensa defender isso. Ele vai para a imprensa defender que o trabalhador que ganha um salário mínimo sai prejudicado”, afirmou Maia, antes de a proposta ser apresentada. “Não vamos deixar que algumas corporações tratem a reforma como falsas verdades. Queremos tratar dela com as verdades”, completou.
Batalha chega às redes sociais
Agora, com a reforma da Previdência apresentada ao Congresso, o embate do governo e das corporações chegou também às redes sociais. O secretário Rogério Marinho quase que diariamente escreve posts em seu perfil oficial no Twitter em favor da reforma e do combate a privilégios. “O modelo de Previdência que existe hoje é insustentável e desigual – poucas pessoas ganham muito e muitas pessoas ganham pouco. A #NovaPrevidência enfrenta esse problema”, tuitou na última quinta-feira (7).
Apoiadores da proposta, como especialistas no tema e deputados e seguidores do governo Bolsonaro, também têm feito sua parte. Eles têm postado mensagens para explicar a necessidade da reforma e, principalmente, respondem quem critica o texto apresentado.
Parlamentares ligados à oposição e até alguns procuradores da República têm usado diariamente o Twitter para criticar pontos polêmicos da reforma, como mudanças no BPC e na aposentadoria rural e a criação do regime de capitalização.
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