A recessão, a queda do preço do petróleo, a redução dos gastos do governo e a Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e agentes do governo, tiveram efeito devastador no emprego. Nas dez maiores empresas citadas na Lava Jato – somente entre funcionários diretos e terceirizados dessas companhias –, o corte de vagas entre o fim de 2013 (antes da deflagração da Lava Jato, em março de 2014) e dezembro de 2016 foi de quase 600 mil pessoas. Analistas apontam que o efeito foi ainda maior, quando se consideram as vagas indiretas.
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Empresas do setor de óleo e gás, como a Petrobras, foram afetadas pela redução da cotação do petróleo, que hoje está próxima de US$ 50. Já as grandes construtoras e incorporadoras tiveram de lidar com o alto endividamento da população, que deixou de comprar imóveis, e com a conclusão - ou interrupção - de projetos de infraestrutura, diante da deterioração das contas do governo.
A conta de 600 mil postos de trabalho fechados mostra um impacto considerável - equivalente a 5% do total de pessoas que entraram na fila do desemprego entre 2013 e 2016, que foi de 11,2 milhões. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de desocupados no país era de 1,1 milhão em dezembro de 2013; no fim de 2016, o número havia crescido para 12,3 milhões.
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Após um período de longa bonança, as companhias envolvidas na Lava Jato vivem momentos de dificuldade e tentam se reestruturar. As construtoras Queiroz Galvão, Engevix, OAS e Mendes Júnior estão entre as que pediram recuperação judicial. A Sete Brasil, empresa criada pela Petrobras para a construção de sondas de petróleo, está na mesma situação.
Falta de equilíbrio
Os cortes de vagas são impressionantes, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), porque muitos projetos de expansão se basearam em previsões pouco realistas. Pires afirma que, após a descoberta do petróleo do pré-sal, instalou-se um clima de euforia que levou à tomada de decisões de governo - e de negócio - sem sentido econômico.
Pires cita como exemplos a determinação de que a Petrobras fosse operadora dos campos do pré-sal e a criação da Sete Brasil. “A Petrobras não tinha condições de fazer o trabalho de exploração sozinha. Essa decisão espantou investimentos estrangeiros que hoje seriam bem-vindos”, frisa o diretor do CBIE. O sinal verde para a construção das sondas do pré-sal, lembra Pires, foi baseada em uma previsão de produção de quase 5 milhões de barris de petróleo por dia até 2020. Em 2013, a projeção foi reduzida a 4,2 milhões; dois anos depois, houve novo corte, para 2,8 milhões de barris diários.
Essa falta de critério, segundo o economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper, influenciou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que acelerou a concessão de empréstimos, e também o Banco do Brasil e a Caixa, que inflaram o crédito mesmo quando a economia já dava sinais de exaustão. “O que essa gastança nos trouxe de benefícios? Acho que esse modelo de desenvolvimento mostrou que é preciso dosar a participação do Estado na economia”, diz Lazzarini.
Os efeitos colaterais da Lava Jato – o desemprego, a revelação de intricados esquemas de corrupção e o abalo à reputação de grandes companhias – levaram, pelo menos momentaneamente, a uma mudança no curso da economia. Hoje, diz o professor do Insper, o lema é a redução de gastos públicos e a abertura de vários setores a investimentos externos, entre eles infraestrutura e companhias aéreas.
A manutenção deste caminho não é garantida, na visão de Lazzarini. Ele acredita que ainda há risco de uma “guinada” populista no país como reação à crise. “Basta ver o que aconteceu nos Estados Unidos, com Donald Trump. Quando se olham os candidatos para a eleição presidencial de 2018, é muito difícil fazer uma previsão para onde vamos.”
Principais cortes
Por seu porte, a Petrobras fez os maiores cortes em termos absolutos entre as companhias consultadas, mas houve reduções relativamente maiores, como o da Engevix, que diminuiu seu efetivo em 85%.
Algumas empresas esperam uma chance de voltar à ativa. É o caso da Sete Brasil, que chegou a movimentar 15 mil trabalhadores nos estaleiros que contratava para construir suas sondas, segundo fontes. Hoje, a atividade da Sete se resumiria a 20 funcionários. A companhia aguarda a aprovação de seu plano de recuperação no início de maio. Segundo a reportagem apurou, a expectativa é contratar até 2 mil trabalhadores para a retomada das sondas. Procurada, a Sete Brasil não quis comentar nem fornecer dados oficiais sobre sua força de trabalho.
Além da Lava Jato: crise é justificativa de empreiteiras para demissões
Algumas das empresas consultadas destacaram que, além da Lava Jato, outros fatores contribuíram para a redução de seus quadros. A Odebrecht lembrou da crise que abateu o país nos últimos anos e disse estar “comprometida em voltar a crescer e contribuir com as comunidades nos locais onde atua”.
A Andrade Gutierrez, por sua vez, afirmou que seus dados são afetados por reduções de ritmos de obras ou o encerramento das mesmas - justificativa que também se aplica às demais construtoras. A Promon também afirmou ter sido afetada pela redução dos investimentos em infraestrutura no país.
Petrobras concentrou cortes em terceirizados
Diante de prejuízos recordes e de um forte aumento em seu endividamento, a Petrobras substituiu, nos últimos anos, sua política expansionista do início desta década por um movimento de fortes cortes de custos. Isso inclui a redução do total de profissionais da companhia, com impacto bem maior no pessoal terceirizado.
Como os profissionais concursados têm direito à estabilidade no emprego, a companhia teve de recorrer a programas de desligamento voluntário para reduzir este contingente. Conseguiu diminuir, em três anos, seu quadro de contratados em 20%. No fim de 2013, a companhia tinha 86.111 funcionários no Sistema Petrobras, número que caiu a 68.829 em dezembro do ano passado.
Segundo a Petrobras, o Plano de Negócios e Gestão atual da companhia prevê o corte de gastos operacionais e a readequação de seus investimentos. A empresa também vem fazendo um programa de desinvestimentos. Em 2016, vendeu, por exemplo, seu negócio de gasodutos à canadense Brookfield, por US$ 5,2 bilhões. A petrolífera se prepara para se desfazer do controle da BR Distribuidora, dona de postos de combustíveis, e de outros ativos.
A empresa afirmou que seus programas de desligamento já resultaram na saída de 14.241 empregados, segundo dados atualizados até abril deste ano. “A redução do número de empregados está no contexto de ajustes que estão sendo feitos pela Petrobras para redução de seu endividamento, o maior entre empresas da indústria de petróleo e gás no mundo”, explicou a companhia. “O contexto econômico mundial e do setor também reflete na estratégia da companhia. É incorreto associar a redução dos empregados direta e unicamente à Operação Lava Jato.”
Embora tenha restrições para reduzir seu quadro de funcionários concursados, a empresa tem total liberdade para cortar os terceirizados - contingente que, nos últimos anos, compôs a maior parte de seu quadro de colaboradores. Em dezembro de 2013, segundo dados enviados pela própria companhia, havia quatro terceirizados para cada funcionário próprio, ou um total de 360.180 trabalhadores. A Petrobras concentrou a maior parte de seus cortes nos funcionários terceirizados. Em dezembro do ano passado, a empresa tinha 117.555 terceirizados, ou 1,7 para cada colaborador próprio.
A companhia informou que mudou sua metodologia de contabilização dos funcionários terceirizados, excluindo, a partir de dezembro de 2015, os trabalhadores que atuam fora de suas instalações próprias da conta.
Para sobreviver, grupo Engevix controla até gasto de luz
O ex-sócio do grupo Engevix, Cristiano Kok, costumava usar uma frase para explicar a rápida ascensão da empresa nos últimos anos: “Não somos ambiciosos, somos oportunistas”, disse ele, numa entrevista concedida ao ‘Estado’ em fevereiro de 2012, após vencer o leilão do Aeroporto de Brasília, com ágio de mais de 600%. Esse conceito, no entanto, custou caro ao grupo, que hoje vive a ressaca da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história do País.
Da época de bonança da empresa, cujo portfólio era recheado de grandes projetos e faturamento acima de R$ 3 bilhões, sobrou pouco. Desde que os sócios do grupo foram presos pela Polícia Federal por envolvimento no escândalo, a empresa encolheu para menos de um terço do que era antes. Vendeu ativos importantes - como os aeroportos (Brasília e São Gonçalo do Amarante/RN) e a subsidiária de energia Desenvix - e pediu recuperação judicial de um dos maiores investimentos da companhia nos últimos anos, o Estaleiro Rio Grande.
“Relançada” recentemente como Nova Engevix, a empresa hoje é comandada por José Antunes Sobrinho, que comprou no ano passado a participação dos sócios Cristiano Kok e Gerson Almada por R$ 2 e absorveu uma dívida que beirava os R$ 2,5 bilhões. Dos três, Almada foi condenado a 19 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Antunes e Kok foram absolvidos pelo juiz Sérgio Moro, mas têm outras pendências na Justiça.
Desde a negociação entre os sócios, um amplo plano de reestruturação vem sendo colocado em prática dentro da companhia, que tem ações de improbidade em andamento. A ideia é se concentrar na área de construção e em projetos de engenharia. Se tudo correr bem e a economia reagir, em dois anos, a empresa acredita que estará numa situação um pouco mais confortável, contam fontes próximas do grupo.
Com a drástica queda no faturamento, a estrutura minguou. Dos 20 mil funcionários, diretos, indiretos e subcontratados, restam menos de 3 mil pessoas na companhia. O salário de quem ficou no grupo hoje está em dia, mas o 13.º salário e os rendimentos de dezembro só foram pagos em janeiro.
Ex-executivos da empresa contam que, além da redução do quadro de empregados, a contenção de despesas tem sido rígida para todo mundo. Sem motoristas particulares, luxo para tempos tão bicudos, até os executivos têm usado Uber para transitar pela cidade. Viagens de avião só se forem marcadas com antecedência para evitar custos elevados.
Hoje até o consumo de energia elétrica passou a ser controlado com austeridade, afirmam trabalhadores que deixaram recentemente a empresa. Durante o dia, o prédio fica na penumbra, pois é proibido acender as luzes. O ar condicionado também é controlado. Se a temperatura ficar abaixo dos 25 graus, o aparelho não pode ser ligado.
Na sede do grupo, localizada no Centro Empresarial Tamboré, em Barueri, o andar térreo está praticamente desocupado. No passado, dezenas de funcionários tinham suas mesas instaladas ao redor de um agradável jardim central com luz natural e uma bela escultura suspensa. Hoje todas as mesas estão vazias. Fontes afirmam que várias salas do prédio também estão vagas - cenário bem diferente daquele que perdurou até 2013.
Jackson. Embora tenha sido criada em meados da década de 60, a empresa mudou de mãos em 1997. Naquele ano de grandes transformações, com o maior processo de privatização em curso no País, Kok, Antunes e Almada deram um grande passo. Juntos, eles propuseram ao patrão, o empresário João Rossi, a compra da empresa por algo em torno de US$ 30 milhões.
O chefe, que andava desanimado com o negócio, não pensou duas vezes. Vendeu a empresa e ainda aceitou dividir o pagamento em 100 parcelas mensais. Assim, nasceu a Jackson, a holding batizada com partes dos nomes dos sócios e que reunia os negócios da Engevix.
Nos quatro anos que antecederam a Lava Jato, o faturamento da empresa teve um salto de 141%, de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,3 bilhões. Negócios de peso entraram no portfólio da companhia, como as concessões dos aeroportos, a construção do Estaleiro Rio Grande e a Hidrelétrica de Belo Monte.
Hoje os planos da Nova Engevix, que não quis se pronunciar, são bem menos ambiciosos. A palavra de ordem é sobreviver. Para isso, porém, a empresa precisa concluir as negociações de um acordo de leniência com o Ministério Público Federal.
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