O pesquisador Zander Navarro, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi demitido na segunda-feira (8) após questionar os rumos da instituição de pesquisa e o presidente da estatal, Maurício Lopes. Navarro classificou a decisão como “arbitrária” e disse ter constituído advogado para pedir sua reintegração ao cargo que ocupa há mais de 40 anos.
Os primeiros questionamentos públicos de Navarro foram feitos no artigo “Por favor, Embrapa: acorde!”, publicado na última sexta-feira (5) no jornal “O Estado de S. Paulo”, no qual o pesquisador critica a fragmentação das pesquisas, a falta de foco e de estratégia na Embrapa.
Ele classifica a missão da empresa de “entregar valor à sociedade” como “uma vaga afirmação de inocentes noções” e “uma fuga da realidade”, e pede ao presidente da empresa, Maurício Antônio Lopes, para “esclarecer à sociedade a inquietante pergunta: afinal, para que serve mesmo a Embrapa, uma das raras estatais totalmente dependentes do Tesouro?”.
Fábrica de salários
Reportagem publicada no domingo (7) pela Gazeta do Povo revelou que as estatais dependentes do Tesouro destinam em média 86% de seus gastos para o pagamento de salários e despesas administrativas. E que o pior caso entre as “fábricas de salários” é justamente o da Embrapa, onde 98% das despesas são destinadas ao pagamento de pessoal e gastos correntes.
No artigo que publicou no “Estadão”, intitulado “Por favor, Embrapa: acorde!”, o pesquisador demitido afirma que a Embrapa “custa US$ 1 bilhão anualmente aos contribuintes e emprega 10 mil empregados em (pasmem) 47 unidades espalhadas por quase todos os estados”. Ele compara o tamanho da empresa a uma universidade federal de porte médio, como a do Paraná ou a do Rio Grande do Sul, “com uma diferença crucial: as universidades também formam profissionais”.
Mais adiante, Navarro afirma que “a Embrapa, grosso modo, paga o dobro dos salários das universidades federais e suas pesquisas cada vez mais se afastam das demandas da produção”. “Seus pesquisadores, inexistindo uma estratégia institucional, estão encurralados diante deste chocante dilema moral: como justificar seu bem remunerado trabalho, desenvolvendo conhecimentos de escassa aplicabilidade prática?”, questionou.
Navarro também questionou a substituição de dois terços dos pesquisadores em concursos recentes e indagou “como justificar que uma gigantesca e cara empresa pública, sustentada por toda a sociedade, trabalhe cada vez mais e quase que exclusivamente para os ricos segmentos do empresariado rural?”, e finalizou: “Existe enorme resistência da direção em promover as mudanças urgentes e necessárias”.
“Falta gravíssima”, segundo a Embrapa
Após o artigo, em um comunicado encaminhado aos gestores da estatal, o presidente da Embrapa afirma que o artigo de Navarro “tipifica falta gravíssima à luz das normas de comportamento e de conduta da Empresa”. Lopes avalia que o texto prejudica, junto ao Ministério do Planejamento, o amplo processo de remodelação em curso na Embrapa nos últimos dois anos.
“Afirmações irresponsáveis, sem nenhum fundamento, contidas no artigo, podem jogar por água abaixo todo o esforço que já dura dois anos, e está prestes a ser finalizado. Assim, eu gostaria de informar a todos que a diretoria executiva tomará todas as medidas cabíveis, à luz das nossas normas e procedimentos, para que este tipo de comportamento, irresponsável e destrutivo, seja definitivamente erradicado da nossa Empresa”, relata Lopes.
Em uma carta, também encaminhada aos gestores, Navarro respondeu ao presidente da Embrapa reafirmando e ampliando as críticas já feitas no artigo. O pesquisador disse que há um anseio dos funcionários pela refundação da Embrapa.
Diante da repercussão negativa após a demissão, o presidente da estatal divulgou um último comunicado interno, no qual atribuiu a decisão à diretoria executiva pelo fato de o pesquisador “ignorar sistematicamente os códigos de ética e de conduta da Empresa”. Essa também foi a resposta da assessoria da Embrapa aos questionamentos feitos pela reportagem sobre a demissão. Sobre o artigo de Navarro, a estatal informou que não faria comentários além do esclarecimento anterior já feito.
Questionado sobre a demissão polêmica e as críticas feitas por Navarro, o ministro Blairo Maggi, da Agricultura, pasta à qual a Embrapa é ligada, afirmou que o assunto é interno da estatal e que não vai se pronunciar.
Mudança
“Estou fazendo a mudança dos meus papéis e me deram hoje (terça-feira) para deixar a sala após uma demissão sumária”, disse o pesquisador Zander Navarro, por telefone, antes de deixar a unidade da Embrapa em Brasília (DF) depois de ser demitido.
“Fui demitido da Embrapa por emitir minha opinião, mas já constituí um advogado, porque é um ato de violência não poder ter opinião, ainda mais em uma empresa de pesquisa, de ciência, onde se supõe haver questionamentos.”
Navarro classificou o presidente da estatal, Maurício Lopes, como autoritário. Mas minimizou essa postura atribuída a Lopes, considerada por ele como “uma tradição entre muitos que comandaram a Embrapa”.
Segundo Navarro, como os servidores da empresa de pesquisa não são submetidos ao regime das estatais, mas à legislação trabalhista como qualquer empresa privada, a possibilidade de demissões por decisão de superiores gera grande temor dos funcionários.
Ele foi chamado na segunda-feira ao departamento de recursos humanos da empresa, recebeu a carta de demissão, com, segundo ele, o argumento de que “repetidamente” tem sido indisciplinado e que o artigo do “Estado” “causou danos à empresa e infringe o código de ética”. O pesquisador reafirmou que recorrerá à Justiça para ser reintegrado. “Vou pedir a reintegração e tenho forte esperança em voltar”, concluiu.
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