A empresa que atestou a segurança da barragem que se rompeu em Brumadinho no dia 25 de janeiro prestou também serviços de consultoria para a Vale, segundo o Wall Street Journal, o que configuraria conflito de interesses. O jornal afirma que funcionários da Tüv Süd Brasil atuaram como consultores para o descomissionamento de minas da Vale.
Também teriam feito relatórios de pesquisa com a empresa e participado de conferências com trabalhadores da mineradora. Fiscais de segurança de barragens, seguindo padrões internacionais, devem mostrar independência em relação ao cliente.
A reportagem diz que, apesar disso, é comum que companhias assumam o papel duplo de consultoras e fiscais de segurança no Brasil. Empresas nos Estados Unidos são proibidas por lei de oferecer várias formas de consultoria para empresas cujas demonstrações financeiras auditam. No Canadá, que também tem uma grande atividade de mineração, as diretrizes sugerem que auditorias externas devem ser realizadas por organizações independentes e sem viés.
Na última terça (29), uma operação conjunta do Ministério Público de Minas Gerais, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal levou à prisão dos engenheiros da Tüv Süd Brasil André Yum Yassuda e Makoto Namba e dos funcionários da Vale César Augusto Paulino Grandchamp, Ricardo de Oliveira e Rodrigo Arthur Gomes.
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Após o rompimento da barragem, a validade dos laudos que atestaram a segurança da estrutura foram questionados. Um deles dizia que o risco da Barragem I, da mina do Córrego do Feijão, era baixo, embora afirmasse que o dano potencial seria alto. A investigação deve apurar se os documentos foram fraudados ou se houve imperícia ou negligência no processo de vistoria.
Em 2018, Namba, venceu um prêmio por um projeto de gestão de risco geotécnico (aplicação técnica de pesquisas geológicas) de barragens de rejeito, concedido pela ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica). Foi concedido a uma equipe de seis engenheiros, da qual Namba faz parte, pelo estudo de caso da barragem de Itabiruçu, em Itabira (MG, a 160 km de Brumadinho).
Conflito de interesse
A barragem da Mina Córrego do Feijão não recebia novos rejeitos de minério desde 2015 e seria desativada de forma definitiva. A licença para o reaproveitamento dos rejeitos e o encerramento das atividades foi obtida em dezembro.
O número de mortos em Brumadinho já chegou a 115 e o de desaparecidos, a 248, segundo balanço mais recente do governo de Minas Gerais.
Uma porta-voz da Vale afirmou ao Wall Street Journal por email que a Tüv Süd Brasil trabalha como auditora externa para a companhia, o que significa que é independente, mas não respondeu ao questionamento sobre o conflito de interesses. Também disse que a barragem de Brumadinho foi inspecionada repetidamente e que foi fiscalizada por outras empresas, inclusive pela Vale, que afirmou em janeiro que a estrutura não corria risco de rompimento.
Já a Tüv Süd Brasil disse que concluiu as avaliações na barragem que rompeu em junho e setembro de 2018, mas não comentou os outros serviços prestados.
A publicação lembra que a mesma empresa que atestou a segurança da barragem que rompeu em 2015 em Mariana, também desenvolvia projetos para o mesmo reservatório de resíduos. A VOGBR Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda afirmou à época que a inspeção de segurança que conduziu foi baseada em dados fornecidos pela Vale e que foi rigorosa.
Também diz que a Tüv Süd já foi acusada de conflito de interesse em 2008, quando um órgão federal da Alemanha questionou auditoria da empresa para a indústria de energia nuclear do país.
Nove simulados de emergência em 175 barragens
Relatório da mineradora Vale revela que, em 2018, a empresa fez apenas nove simulados de emergência em barragens de rejeitos de minérios de ferro, apesar de possuir 175 estruturas em todo o país. Os dados estão em uma apresentação de sustentabilidade feita pela empresa que, um mês antes da tragédia em Brumadinho (MG), garantia que “todas as barragens de minério de ferro da Vale estão seguras e operando dentro dos limites normais”.
De acordo com a empresa, o simulado tem objetivo de “testar recursos, rotas de fuga e pontos de encontro das localidades que estão definidos em nossos planos”. Mesmo com o teste, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25, provocou ao menos 115 mortes. Peça fundamental do plano de emergência, as sirenes de alerta da Vale não funcionaram nesse caso.
Segundo o relatório da mineradora, em 2018, foram realizados os chamados Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração em três estados: Minas, Pará e Mato Grosso. Para este ano, o relatório tinha 15 exercícios do tipo planejados.
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A empresa produziu até uma história em quadrinhos mostrando como funciona o plano de emergência. Um dos personagens usados para exemplificar o sistema de segurança frisa a importância das sirenes: “O acionamento das comunidades está previsto por meio de sirenes, caso seja percebida alguma situação que represente ameaça. Nessa hipótese, todos deverão se dirigir aos pontos de encontro”.
A barragem que se rompeu em Brumadinho foi um dos locais onde foi realizada a simulação de emergência. De acordo com publicação de junho no site da Vale, 109 pessoas participaram - 82% do esperado. Do simulado também participaram órgãos como Defesa Civil, Polícia Militar e a Feam (agência ambiental mineira). Como a sirene não tocou, as pessoas não tiveram a chance de agir conforme as instruções do plano.
Na publicação da empresa, com um intertítulo “comunidade tranquila”, a Vale trouxe o depoimento de uma moradora da região que participou da simulação. Segundo ela, o teste lhe dava mais segurança e tranquilidade.
O relatório da Vale ainda cita uma série de medidas de segurança, como 100% das barragens de minério de ferro com declaração de estabilidade emitida pelos órgãos externos. No caso de Brumadinho, a polícia prendeu, na terça-feira (29), engenheiros e funcionários que atestaram a segurança da estrutura.
A mineradora menciona no documento que tem o objetivo de reduzir continuamente o número de barragem de rejeitos: “Em 2018, reduzimos o nosso portfólio de 150 para 136 estruturas”. Procurada, a Vale não respondeu aos questionamentos da Folha de S.Paulo.
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