A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a soltura do ex-ministro José Dirceu tem como pano de fundo a discussão jurídica sobre o alcance das prisões preventivas. Por três votos a dois, a Segunda Turma do STF entendeu que a manutenção da prisão do petista resultaria em execução antecipada da pena após condenação em primeira instância – ou seja, que ainda está sujeita a apelação. Já pelo ponto de vista da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, a detenção de José Dirceu era uma forma de evitar a reincidência de crimes.
Leia mais: Com tornozeleira e sem passaporte: confira 6 exigências de Moro para soltar José Dirceu
Mas o que diz a legislação? De acordo com o artigo 312 do Código Penal, a prisão preventiva só poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Em entrevista à Gazeta do Povo, em março de 2016, o advogado especializado em direito Penal Ivan Xavier Vianna Filho explicou que, tecnicamente, há duas fases para avaliar se é necessária restrição de liberdade. A primeira se refere a dois pressupostos de natureza lógica “absolutamente necessários, mas não suficientes”, que são a materialidade e o indício de autoria. A materialidade é a identificação dos fatos, prova segura de que ocorreu um crime. E os indícios de autoria são as provas que demonstram que há ligação do suspeito com o crime cometido.
A segunda fase, que é decisiva para que a prisão ocorra, se caracteriza pelo fato de o investigado incorrer em um ou mais dos seguintes itens:
Garantia da ordem pública: quando a permanência do suspeito em liberdade representa riscos para sociedade, ou seja, ele pode continuar praticando crimes.
Inviabilização o curso das investigações: quando a prisão visa a garantir que a instrução penal corra normalmente, ou seja, tem a finalidade de evitar que o investigado destrua provas, intimide ou alicie testemunhas.
Assegurar a aplicação da lei penal: tem a finalidade de evitar a fuga do suspeito.
Professor de Direito Penal na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Thiago Bottino também detalhou à Gazeta do Povo que é preciso haver indícios concretos desses itens. “Não podemos falar de algo que pode ocorrer em tese, tem de ser algo comprovado”, diz. Por exemplo: o simples fato de que o investigado pode, em tese, destruir provas ou intimidar testemunhas não é suficiente par a justificar uma prisão. É preciso que haja um indício concreto de que ele está fazendo ou pretende fazer isso.
Recentemente, no despacho da 38ª fase da Lava Jato, realizada dia 23 de fevereiro, o juiz Sergio Moro rebateu as críticas às prisões preventivas. “Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Operação Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”, escreveu Moro.
Quanto tempo pode durar uma prisão preventiva?
A prisão preventiva pode ser decretada tanto durante as investigações, quanto no decorrer da ação penal. Assim como a prisão temporária e a em flagrante, é um tipo de prisão provisória, uma medida cautelar. Enquanto a prisão temporária tem prazo limitado de cinco dias, prorrogáveis por igual período, a preventiva não tem prazo determinado. O período que o réu fica em prisão provisória é descontado da pena após a condenação.
Em entrevista à Gazeta do Povo em março de 2017, o jurista René Ariel Dotti defendeu que as prisões preventivas sejam mantida enquanto a investigação ocorra, ainda que leve um tempo razoável. Um exemplo é Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro da construtora que leva o sobrenome da sua família, que está preso desde junho de 2015. “Ele é um acusado de extraordinário poder econômico, com grande capacidade criminosa. Ele pode destruir provas e neutralizar testemunhas pelo poder que tem. Nesse caso, justifica-se a preventiva”, observa Dotti.
Delações premiadas
O jurista explica ainda que, quando há negociação de delação premiada, um dos compromissos do delator é não interpor recurso, o que inclui não impetrar habeas corpus. De acordo com as negociações da defesa de Odebrecht com o Ministério Público federal (MPF), ele deve permanecer preso até dezembro de 2017.
Dotti, que é advogado da Petrobras na operação, alerta que os limites para a preventiva seriam os prazos estipulados no Código de Processo Penal, como o tempo que deve decorrer para se ouvir testemunhas, emitir a sentença e julgar a apelação, por exemplo. Realizados esses tipos de trâmites, a prisão provisória não deve mais se justificar, na opinião dele. “Tudo em função da razoável duração do processo”, considera Dotti.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink