| Foto: EVARISTO SA AFP

Por três votos contra dois, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder o habeas corpus e soltar o ex-ministro José Dirceu, que estava preso preventivamente há quase dois anos no âmbito da Operação Lava Jato. Votaram pela manutenção da prisão apenas os ministros Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, e Celso de Mello. Os votos que determinaram a soltura de Dirceu foram dados por Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, o último responsável pelo desempate. 

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Dirceu teve a prisão preventiva decretada em agosto de 2015 e já foi condenado duas vezes pelo juiz federal Sergio Moro, que conduz a Lava Jato na primeira instância. Segundo a decisão do STF, caberá a Moro definir medidas alternativas, como a prisão domiciliar ou o uso de tornozeleira eletrônica, para substituir a detenção preventiva de Dirceu.

Na tentativa de “pressionar” a decisão do Supremo, a força-tarefa da Lava Jato adiantou a apresentação da terceira denúncia contra José Dirceu para poucas horas antes da votação que decidiria pela soltura do ex-ministro. De acordo com a denúncia, o petista teria recebido R$ 2,4 milhões pagos pelas empreiteiras Engevix e UTC entre 2011 e 2014. Porém, o movimento da força-tarefa foi criticado pelo ministro Gilmar Mendes, que votou pela soltura de Dirceu. Já a decisão do STF não agradou Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da força-tarefa, que classificou como “incoerente” o entendimento do colegiado.

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Justificativas

De um lado ficaram os que acreditaram que há ainda o risco de José Dirceu cometer novos crimes e ainda representa um risco à ordem pública. Os ministros que votaram pela manutenção do cárcere também se opuseram ao argumento da defesa de que excesso de prazo, já que se trataria de crimes complexos e de grandes proporções.

Já os três votos vencedores seguiram a linha de que a gravidade dos crimes cometidos não pode ser o fator decisivo para a prisão preventiva. Além disso, os ministros também entenderam que falta atualidade para que Dirceu fosse mantido preso, já que o último pagamento recebido pelo ex-ministro teria ocorrido cerca de um ano antes da prisão ter sido decretada. 

Confira alguns dos argumentos utilizados pelos ministros para justificar cada voto:

Edson Fachin - votou pela manutenção da prisão

Ordem pública e pluralidade de crimes

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“No caso concreto, a prisão foi imposta a fim de assegurar a ordem pública [...] A esse respeito, a jurisprudência é no sentido de que o fundado receio da prática de novos delitos pode configurar risco à ordem pública e, por consequência, legitimar a adoção da medida gravosa.”

“Cumpre enfatizar que a sentença condenatória, indicativa dos pressupostos da medida constritiva, reconheceu, em grau exauriente, que o paciente teria praticado 05 (cinco) crimes de corrupção passiva, 08 (oito) crimes de lavagem de dinheiro, bem como a realização do delito de pertinência a organização criminosa [...] Vale dizer, o édito condenatório sugere a significativa pluralidade de eventos criminosos atribuídos ao paciente, indicando que sua atuação não constitui fato isolado no contexto das ações tidas como delituosas.”

“O risco da prática de novas condutas semelhantes não me parece constituir mero desdobramento despido de base empírica [...] As particularidades da apuração sinalizam que o receio parece fundado, diante da pluralidade de condutas atribuídas ao paciente e da gravidade concreta dessas infrações penais.”

Habitualidade e envergadura dos delitos

“A prova do recebimento de propina mesmo durante o processamento da Ação Penal 470 reforça os indícios de profissionalismo e habitualidade na prática do crime, recomendando, mais uma vez, a prisão para prevenir risco à ordem pública.”

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“Dito de outro modo, a envergadura lesiva dos delitos contra a Administração Pública também admite a adoção da medida extrema. De tal modo, a periculosidade social associada a condutas de tal jaez pode configurar risco à ordem pública, descabendo potencializar a ausência de violência como se significasse, necessariamente, ausência de proporcionalidade da medida gravosa.”

“Cabe reiterar que não se está aqui a examinar a procedência ou improcedência das acusações. Contudo, o montante descrito, relacionado apenas aos fatos imputados ao paciente na mencionada ação penal, impressiona, sendo que as cifras milionárias bem sinalizam a gravidade concreta das infrações. 

“Com efeito, a expressão econômica das vantagens indevidas supostamente recebidas evidencia que não se está diante de cenário processual ordinário. Nessa perspectiva, a imensa lucratividade decorrente de condutas dessa natureza fortalece a necessidade de emprego de medida cautelar idônea.”

Excesso de prazo

“Quanto ao alegado excesso de prazo, do mesmo modo, esta colenda Turma tem posicionamento firme no sentido de que a complexidade dos fatos apurados permite o alongamento do trâmite processual sem que isso configure constrangimento ilegal [...] Estamos, aqui, a tratar da criminalidade do colarinho branco.”

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Dias Toffoli - votou pela soltura

Gravidade dos crimes x medidas cautelares

“Não há como se ignorar a gravidade das condutas supostamente praticadas. Porém, como já destacado por esse Colegiado [...], por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar.”

“Assentadas essas premissas, e melhor sopesando os elementos que conduziram à decretação e à manutenção da custódia do paciente, à luz da gravidade dos crimes, entendo que subsiste o periculum libertatis, mas que ele pode ser obviado com medidas cautelares diversas e menos gravosas que a prisão, o que também repercutirá significativamente no direito de liberdade do réu.” [...] “voto pela concessão da ordem para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares dela diversas (CPP, art. 3194 ), a serem estabelecidas pelo juízo de origem.”

Excesso de prazo

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“Anoto que a constrição cautelar do paciente somente foi decidida e efetivada no mês de agosto de 2015, ou seja, 10 (dez) meses após o último pagamento atribuído a ele pelo juízo de origem, datado de outubro de 2014.”

“Logo, a decisão daquela autoridade judiciária lastreou-se em argumentos frágeis, pois, ainda que amparada em elementos concretos de materialidade, os fatos que deram ensejo ao aventado risco de reiteração delitiva estão longe de ser contemporâneos do decreto prisional. Em consequência, por ter sido decretada muito tempo após a última intercorrência ilícita noticiada, o título não deve subsistir por esse fundamento.”

Antecipação da pena

“A presunção de inocência, aqui, imbrica-se com outros direitos individuais, uma vez que a prisão provisória derivada meramente da imputação se desveste de sua indeclinável natureza cautelar, perde seu caráter de excepcionalidade (CF, art. 5º, LXVI), traduz punição antecipada - violando o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) - e resulta no tratamento do imputado como culpado.”

“Em suma, descabe a utilização da prisão preventiva como antecipação de uma pena que nem sequer foi confirmada em segundo grau, pois, do contrário, estar-se-ia implementando verdadeira execução provisória em primeiro grau, contrariando o entendimento fixado pela Corte.”

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Ricardo Lewandowski - votou pela soltura

Direito de defesa e excesso de prazo

“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento, nem lhe negar o direito de defesa que a lei lhe assegura [...] A verdade é que já se vão quase dois anos de prisão cautelar, sem que haja sequer previsão de julgamento pelo TRF-4, não se podendo impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente pela decisão de segunda instância.”

“Há jurisprudência para vários lados, diversas direções e como vi o ministro Toffoli fazer referência, em direito penal e no direito processual, cada caso é um caso. Não existem teses definitivas aplicáveis mecanicamente, é preciso sempre sopesar os fatos em concreto.” 

“É claro que a conduta é grave, ninguém aqui no STF compactua com corrupção” [...] A utilização de medidas alternativas afigura-se adequada e suficiente para um só tempo garantir-se que o paciente não volte a delinquir e sobretudo preservar-se a presunção da inocência.”

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“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento nem negar-lhe de utilizar dos meios de defesa que a Constituição e as leis lhe asseguram.” 

“A prisão dilatada no tempo, que dura quase dois anos, afronta o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.”

Antecipação da pena

“Não se pode impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente eventual condenação no segundo grau. A prisão acaba representando uma punição antecipada, sem uma condenação em segundo grau.”

Celso de Mello - votou pela manutenção da prisão

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Combate à corrupção

“Não fosse a ação rigorosa, mas necessária do poder judiciário, é provável que corrupção e lavagem estivesse perdurando até o presente momento. Quer sejam violentos ou não, a prisão justifica-se para interrompê-los, para proteger a sociedade de sua reiteração.”

Gravidade dos crimes e ordem pública

“A magnitude dos valores desviados torna isso isento de dúvida, a presença da garantia da ordem pública como fundamental da medida acauteladora. Fato inquestionável, não fosse ação rigorosa, mas necessária do Judiciário, é provável que corrupção e lavagem de dinheiro estivesse perdurando até o momento. A prisão cautelar justifica para interromper [crimes/ e proteger sociedade de sua reiteração.”

“Torna-se inviável a conversão de prisão preventiva em medidas cautelares alternativas [...] pela periculosidade social do réu e na sua habitualidade delitiva, em face da probabilidade real da prática de delitos gravíssimos, tanto a corrupção passiva, como a lavagem de dinheiro, como a vinculação a organização criminosa.”

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Gilmar Mendes - votou pela soltura

Aplicação da constituição x pressão popular

“Não podemos nos ater, portanto, à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual. E isso remete à própria função da jurisdição em geral, da Suprema Corte em particular. A missão de um tribunal como o Supremo é aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária.”

“O caso mais importante em termos penais julgado originariamente por esta Corte [mensalão] não teve prisão preventiva decretada, e esse fato tem sido esquecido. Não é clamor público que recomenda a prisão processual. Não é o momento para ceder espaço para o retrocesso [...] Debruçamo-nos durante sete meses, suspendendo todas as suas atividades de Plenário, para julgar o caso, observamos todos os ritos e procedimentos, e as penas só foram aplicadas após a decisão final.”

“Às vezes temos de atuar contramajoritariamente, até para proteger as pessoas de seus próprios instintos e a missão do STF é aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião pública.”

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“A prisão preventiva precisa ser adequada e proporcional, e, no caso, o acusado ainda está em estado de presunção de inocência.”

“Pressão” dos procuradores

“A imprensa publica que as razões que os valorosos procuradores de Curitiba dão para a data de hoje é porque nós julgaríamos o habeas corpus hoje, ministro Fachin. Já foi dito da tribuna pelo advogado de defesa, Roberto Podval. Se nós devêssemos ceder a este tipo de pressão, quase que uma brincadeira juvenil, são jovens que não têm a experiência institucional nem vivência institucional, então eles fazem esse tipo de brincadeira… Se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos, ministro Lewandowski, de ser ‘supremos’. Nem um juiz passaria a ser ‘supremo’. Seriam os procuradores. Quanta falta de responsabilidade em relação ao Estado de Direito. O Estado de Direito é aquele em que não há soberanos, todos estão submetidos à lei.”

“Não se pode imaginar que se pode constranger o Supremo Tribunal Federal, porque esta Corte tem uma história mais do que centenária. Ela cresce neste momento. Esta é a sua missão institucional.”

“Creio que hoje o tribunal está dando uma lição ao Brasil. A pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República pressionar, e não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando nós quebramos isto, nós estamos semeando o viés autoritário, é preciso ter cuidado com esse tipo de prática.”

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