Ficou mais difícil e lento o processo para receber valores de ações das empresas telefônicas estatais compradas antes da privatização das teles (em 1998) e que até hoje aguardam pagamento. Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram nesta semana que cada um dos mais de 500 mil processos que ainda estão na Justiça sobre esse tema terão de ser analisados individualmente. Os processos, referentes a 1,5 milhão de linhas telefônicas, cobram o pagamento de cifras bilionárias.
O STJ decidiu que não estabelecer repercussão geral no questionamento de um cliente que processa a Brasil Telecom para receber suas ações. Caso a repercussão geral tivesse sido fixada, o entendimento final desse caso teria de ser adotado para os demais processos contra as telefônicas privatizadas.
No caso em questão, o antigo “dono” de uma linha telefônica reclama que a empresa cobra a apresentação de papelada com mais de 20 anos para dar sequência ao processo. Também afirma que a telefônica pede pagamentos de taxas que “não existem” para fazer o pagamento. Segundo o advogado do caso, Sérgio Roberto Vosgerau, a cobrança de documentos em papel e outras questões administrativas impostas pela empresa ocorre com outros casos além do que ele defende.
A “herança maldita” da privatização
Essa é uma das heranças do processo de privatização das Teles, realizado em 1998, quando os donos de linhas telefônicas começaram a ingressar com processos na Justiça para receber os valores referentes às suas ações.
Entre 2001 e 2010, decisões judiciais já garantiram o pagamento dos valores e definiram a forma de cálculo. Mas a Brasil Telecom (que ficou com o passivo da maioria das empresas estaduais privatizadas) questiona detalhes administrativos sobre os processos, o que emperra o pagamento dos valores aos acionistas.
A empresa exige a apresentação de comprovantes de pagamento ou contratos (em papel) para pagamento dos valores devidos pelas ações. Os contratos dessas linhas – que davam também direito a ações das companhias telefônicas – foram firmados entre 1962 e 1998, o que torna quase impossível que os acionistas ainda tenham a papelada que comprove o quanto pagaram.
Empresa pede pagamento de taxa que não existe, diz advogado
Vosgerau sustenta que as empresas telefônicas se apegam a questionamentos administrativos, como a falta de comprovantes de pagamentos ou a falta de pagamento de taxas que não são claramente explicadas, para postergar os pagamentos.
“Está se buscando que o STJ reafirme o dever da informação da companhia, até porque ela tem a posição sobre seus acionistas em seus sistemas”, explicou o advogado.
Entre os entraves apresentados pelas empresas para postergar o pagamento está a cobrança sobre uma taxa pelo serviço de levantamento de dados do acionista no sistema da empresa de telefonia. Mas o advogado afirma que a Brasil Telecom não é clara sobre qual seria essa taxa e como ela deve ser recolhida, impossibilitando que os acionistas paguem.
“Essa taxa não existe. Como você quer que o cliente pague algo se ela não existe? Há vários requerimentos na justiça pedindo informação da taxa e isso nunca foi dado”, afirma Vosgerau.
Para os advogados do caso, o procedimento de cobrança da taxa e a falta de clareza são “comportamento abusivo” da empresa, que não cria tal procedimento administrativo para pagamento do custo do serviço para postergar o acerto de contas com o acionista.
“De fato, mesmo quando o interessado expressamente solicita que a companhia de telefonia forneça a guia para pagamento do ‘custo do serviço’, como no presente caso, ainda assim a empresa ignora o pedido de fornecimento de informações, sendo nítida a intenção de frustrar futura ação judicial”, sustentam os advogados, em memorial sobre a ação encaminhada ao STJ.
Processo ainda pode ser longo para quem já ingressou com ação
Somente quem já tem ação na justiça cobrando o pagamento do valor de suas ações poderá se beneficiar a partir da decisão do STJ, isso porque já teria prescrito o prazo para questionamento judicial.
Mesmo para as ações que já se arrastam há 20 anos, ainda há pelo menos mais um capítulo para o recebimento dos valores e que ainda nem foi iniciado. Apesar de decisões judiciais já terem reconhecido a fórmula de cálculo do valor das ações, há juros e correção monetária que ainda terão de ser acertados entre a Brasil Telecom e os acionistas das antigas teles.
O pleito dos compradores de linhas telefônicas se assemelha ao que ocorreu com o caso das poupanças que tiveram perdas nas mudanças dos planos econômicos. Com direitos a receber desde os anos 1980, o desfecho do caso só ocorreu neste mês, e os pagamentos ainda poderão demorar mais alguns anos, sendo feitos em parcelas.
Assim como no caso do pagamento das perdas das poupanças, o processo de negociação e posterior execução pode ser longo. Além disso, a Brasil Telecom está em processo de recuperação judicial, o que dificultará o pagamento dos acionistas.
O cálculo de quanto é devido a cada acionista é complexo e individualizado. Dependerá da data de compra, se pagou a vista ou em parcelas, qual foi a inflação no período que pagou pelas ações e pela linha. Sobre esse valor, incidirão os juros e a correção monetária, que correm há décadas. O potencial é de que a cifra total seja bilionária, mas os acionistas terão de disputar o pagamento no processo de recuperação judicial.
Procurada, a Brasil Telecom não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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