Desde quando as armas da Taurus passaram a apresentar problemas, como disparos acidentais e defeitos de fabricação, as polícias intensificaram as tentativas para comprar armas estrangeiras e quebrar o “monopólio” da fabricante brasileira. A Taurus acabou se tornando a principal fornecedora de armas para as polícias e Forças Armadas devido às leis vigentes, que permitem uma espécie de reserva de mercado às únicas duas empresas nacionais fabricantes de pistolas calibres 9 milímetros (mm), ponto 40 e ponto 380 credenciadas pelo Ministério da Defesa a fornecer esses equipamentos ao poder público. Mas a Polícia Federal e os estados do Paraná, do Distrito Federal e do Ceará, para citar alguns exemplos, se aproveitaram de brechas na legislação e dos problemas com as armas nacionais para conseguir comprar pistolas de marcas internacionais.
Os grupos de elite da Polícia Civil do Paraná receberam em abril do ano passado um lote de 160 armas da marca Glock, de origem austríaca. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), unidade de elite da Polícia Militar do Paraná, está usando o armamento da Glock desde dezembro de 2016, quando recebeu 865 pistolas. O investimento total nos dois lotes foi de R$ 1,5 milhão.
Na época, a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) do Paraná justificou a necessidade de comprar pistolas Glock ao histórico de falhas das armas da Taurus e ao preço baixo (um terço do valor da similar nacional). O Exército, porém, só autorizou a compra para os grupos de elite das polícias do Paraná.
Caso similar aconteceu no Distrito Federal. A Polícia Militar comprou 200 pistolas automáticas Glock calibre 9 mm para uso do Bope. A compra foi feita em junho do ano passado, sem necessidade de licitação, e custou R$ 402,18 mil. O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) também comprou no ano passado 30 pistolas Glock, calibre .40. O valor do contrato foi de R$ 46,5 mil.
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Em ambos os casos, as instituições do Distrito Federal justificaram a escolha da Glock devido à segurança do equipamento, que conta com travas automáticas e diminui sensivelmente as chances de disparos acidentais. “A pistola Taurus vem constantemente apresentando falhas de segurança em seus projetos, ocasionando disparos acidentais, rajadas descontroladas, trazendo insegurança em seus operadores”, afirmou o MPDF em contrato. A Imbel, a outra fabricante nacional credenciada a fornecer o equipamento, também foi descartada porque não atendia aos requisitos técnicos de segurança.
Além do Paraná e do Distrito Federal, o estado do Ceará também conseguiu autorização para comprar pistolas estrangeiras, apesar de elas ainda não estarem em uso. Em fevereiro deste ano, o governo local assinou contrato para compra de 4.140 pistolas da empresa alemã SIG Sauer, sendo duas mil para a Polícia Civil e o restante para a Polícia Militar. O valor do contrato foi de R$ 6 milhões e foi fechado após a companhia alemã vencer em novembro a licitação internacional autorizada pelo Exército.
Na ocasião, a Secretaria de Segurança do Ceará afirmou que economizou 50% aos cofres públicos ao comprar as pistolas calibres ponto 40 e 9 mm da SIG Sauer. Além disso, destacou a qualidade das armas da empresa SIG Sauer, usadas por 96 países.
As armas da SIG Sauer, porém, ainda não estão sendo usadas pelas polícias do Ceará, segundo o promotor de Justiça Ricardo Rocha. Além de elas ainda não terem sido entregues, o Ministério Público do estado entrou com uma ação para suspender a licitação, já que identificou falhas no certame. Segundo Rocha, as armas SIG Saur compradas pelo governo não atendiam a todos os padrões exigidos no edital e não tinham as travas internas de segurança necessárias – uma das justificativas para se fazer a licitação internacional. A ação ainda está sendo analisada pela Justiça.
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Polícia Federal usa pistolas estrangeiras desde 2003
Além dos estados, a Polícia Federal (PF) é outra instituição que tenta “quebrar o monopólio” da Taurus. Ela usa desde 2003 pistolas Glock calibre 9mm e, em 2007, adotou a marca como padrão. A PF, porém, conseguiu autorização para as compras, pois alegou em 2003 que não havia produto similar nacional, e em 2005 comunicou “deficiências técnicas” nas armas da Taurus. Em 2014, quanto tentou fazer uma nova compra, mas teve o pedido barrado pelo Exército, que alegou haver uma pistola similar da Taurus, que deveria ter preferência à internacional.
Brecha da lei e problemas nas armas
Para conseguir comprar armas internacionais, as polícias se aproveitam de brechas na lei. O Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados pelo Exército (R-105), a Portaria n.º 620 de 4 de maio de 2006 e a Lei n.º 12.598 de 2012 estabelecem que a compra de produtos controlados pelo Exército deve ser feita de empresa nacional credenciada pelo Ministério da Defesa. As únicas empresas credenciadas a fornecer pistolas calibres 9 milímetros (mm), ponto 40 e ponto 380 são a Taurus e a estatal Imbel.
As legislações permitem a importação apenas quando não há produto nacional similar e caso caracterizada a urgência ou relevância da compra, após avaliação do órgão competente. Então, sempre que querem comprar uma arma estrangeira, as polícias e Forças Armadas precisam usar esses argumentos para tentar convencer o Exército, que pode liberar ou não.
O diversos problemas nas armas da Taurus nos últimos anos ajudaram na argumentação das instituições de segurança. Mas, apesar das recentes liberações, a Taurus segue sendo a principal fornecedora de armas para polícias e Forças Armadas do Brasil, até pelo seu histórico de décadas de prestação desse serviço.
Procurada para comentar a reportagem, a Taurus não respondeu aos questionamentos.
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