O PSL era mais um entre tantos partidos pequenos que compõem a confusa cena política nacional. Tudo mudou a partir de março do ano passado, quando o hoje presidente Jair Bolsonaro ingressou na sigla. Desde então o partido recebeu cerca de 15 mil novos filiados e teve um desempenho mais do que expressivo na última eleição, quando conquistou não apenas a Presidência da República, mas também três governos estaduais (Santa Catarina, Rondônia e Roraima), 52 vagas na Câmara e quatro no Senado.
A performance avassaladora do PSL veio acompanhada de interrogações. Afinal, grande parte dos eleitos era formada de novatos – de certo modo, o próprio Jair Bolsonaro entra para essa lista, por até então não ter disputado nenhuma eleição para o Poder Executivo. Na Câmara e no Senado, a renovação foi ainda mais expressiva, com muitos dos novos parlamentares não tendo nenhuma experiência anterior com um mandato eletivo.
Além disso, ao longo do período entre a eleição de outubro e os dias atuais o PSL entrou no foco do debate público por questões não agradáveis ao partido. A mais importante delas envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente da República, citado juntamente com assessores em relatórios de movimentações financeiras suspeitas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A relação interna no PSL também teve momentos de caráter até tragicômico, como conversas “bélicas” via Whatsapp vazadas à imprensa e a polêmica viagem à China de parte da bancada.
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Todo o cenário mostra o PSL como um partido plural, com lideranças variadas e um grau de imprevisibilidade que pode influenciar de maneira decisiva o governo Bolsonaro. Quem são as principais personalidades do partido que comanda o país?
Os filhos
Dois dos filhos do presidente estarão no Congresso Nacional: além de Flávio, o outro é o deputado federal Eduardo, que iniciará seu segundo mandato por São Paulo. Eduardo retornará ao Congresso como o deputado mais bem votado da história do país, após ter sido escolhido por 1,84 milhão de eleitores.
Eduardo teve uma atuação como deputado tida como discreta – as polêmicas que colecionou ao longo dos últimos anos ocorrem em função de episódios ocorridos fora do parlamento, como a declaração de que bastava “um cabo e um soldado para fechar o STF” e a utilização de um boné com os dizeres “Trump 2020” em uma visita aos EUA.
Ele foi líder da bancada do PSL na Câmara por um breve período, entre outubro e dezembro do ano passado. Sob o efeito da expressiva votação, acabou considerando uma candidatura à presidência da Câmara, o que foi posteriormente descartado. Deve atuar, durante a próxima legislatura, como uma espécie de líder informal do governo na Câmara, defendo as pautas do presidente da República e articulando com os colegas sempre que necessário.
Já Flávio era considerado, até a série de notícias que têm afetado sua reputação, o mais ponderado entre os filhos do presidente da República. Havia construído uma carreira política desde 2006, em que acumulou mandatos como deputado estadual, e que incluiu uma competitiva candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016.
Também animado com a votação recebida em 2018, buscou se posicionar nas eleições internas para o comando do Senado – e criticou o maior medalhão da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL). Afirmou que o alagoano era “uma pessoa que certamente não representa isso, essa nova forma de fazer política”. Acabaria, semanas depois, defendido pelo mesmo Renan, que definiu Flávio como “um moço que quer trabalhar, que quer fazer um bom mandato”.
Recentemente, Flávio negou a hipótese de deixar o mandato em função do caso Coaf. Tem ganhado apoio de líderes do PSL em todo o período – a postura dos colegas de partido é evitar pré-julgamentos e de garantir ao filho do presidente o “direito à ampla defesa”.
O “pai da criança”
A candidatura presidencial de Jair Bolsonaro não foi a primeira da história do PSL. O partido havia disputado o posto maior da República em 2006. A diferença de votos entre a experiência do passado e a mais recente materializa a magnitude do efeito que Jair Bolsonaro causou na legenda: se em 2018 foram 46,27 milhões votos ao candidato a presidente do PSL, em 2006 foram meros 62 mil.
O presidenciável naquela ocasião foi Luciano Bivar. Hoje, ele é deputado federal eleito por Pernambuco e presidente nacional do partido.
“O Bivar é o pai da criança”, resume o deputado federal Carlos Manato (PSL-ES), que se candidatou sem sucesso ao governo do seu estado em 2018 e, portanto, não cumprirá mandato no Congresso Nacional na próxima legislatura. A “criança” em questão é a adesão de Bolsonaro ao PSL e a consequente transformação do partido em agente decisivo da política nacional.
Bivar cumpriu mandato de deputado federal entre 1999 e 2003 e, nos últimos quatro anos, na condição de suplente, ocupou por algumas ocasiões a mesma função no parlamento. A experiência política, dentro e fora do Congresso, o credencia a ser um dos “gurus” da nova bancada do PSL. A expectativa do partido é que ele seja contemplado com uma vaga na mesa diretora da Câmara. A indicação será um dos frutos do acordo que o PSL fez com o DEM em troca do apoio ao atual presidente da Câmara e candidato à reeleição, Rodrigo Maia (RJ).
O polêmico e provável líder
Delegado Waldir (GO) é o atual líder do PSL na Câmara e deve permanecer no posto durante o restante de 2019. Ele iniciará em fevereiro seu terceiro mandato como deputado federal. Ingressou no PSL no início do ano passado, também na esteira da chegada de Jair Bolsonaro.
Foi o candidato a deputado federal mais votado em Goiás em 2018 – assim como fora em 2014. A votação expressiva o levou a falar em presidir a Câmara. Os planos acabaram abortados após a constatação de que o restante dos deputados tenderia a se opor a ver o PSL comandando a Câmara além da Presidência da República.
Waldir é um deputado de discursos polêmicos e que se elegeu com uma pauta focada na segurança pública. Quando foi candidato pelo PSDB em 2014, apresentou-se no horário eleitoral dizendo que seu número era o “4500; 45 do calibre, 00 da algema para o bandido”. Em 2018, no PSL, o 4500 se transformou em 1700 – mas foi mantida a ideia de que a primeira parte da numeração representa o calibre, e a segunda “a algema para o bandido”.
Apesar do estilo forte, Waldir é celebrado pelos colegas de PSL, especialmente os mais novos, que o enxergam como a figura ideal para prosseguir na liderança do partido na Câmara.
O campeão de votos no Senado
Se delegado Waldir é a figura mais expressiva do PSL na Câmara, no Senado a vaga fica com o Major Olímpio (SP). Ele é um dos quatro senadores eleitos pelo partido – os outros são o já citado Flávio, filho do presidente da República; Selma Arruda (MT) ; e Soraya Thronicke (MS), ambas estreantes em Brasília.
Olímpio foi eleito em outubro com mais de 9 milhões de votos, a maior votação em números absolutos de todo o país para o Congresso. Superou, entre outros adversários, um medalhão da política, o vereador Eduardo Suplicy (PT), que havia sido senador por 24 anos.
Olímpio foi um dos aliados iniciais do projeto presidencial de Jair Bolsonaro. A condição não o deixou longe de polêmicas internas, em especial com a deputada federal eleita Joice Hasselman (SP), que disputou com ele a pré-candidatura para o Senado e posteriormente foi alvo de trocas públicas de farpas.
O Major se colocou recentemente como candidato à presidência do Senado, buscando puxar para si a condição de “candidato do governo”. A mobilização acabou gerando controvérsias entre ele e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que tem articulado em favor de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Em recente entrevista coletiva, Olímpio disse, em referência ao ministro: “Eu acho que o governo tem de ser governo. Se alguém estiver com condutas partidárias, muitas vezes pode atrapalhar o governo”.
A “bancada explosiva”
Os conflitos internos – tornados públicos – do PSL indicaram que a bancada tem uma peculiar tendência a turbulências. Se disputas por poder são típicas em todos os grupos partidários, no PSL elas ganham contorno especial pelo perfil da maior parte dos seus integrantes, que estão apenas começando na política.
É o caso dos deputados federais eleitos por São Paulo Alexandre Frota e Joice Hasselmann. Antes da política, ambos ganharam notoriedade, respectivamente, como ator e jornalista. Os dois já se envolveram em disputas judiciais de diferentes perfis. Recentemente, Frota foi condenado por difamação e injúria por causade uma postagem em que relacionava o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) ao crime de pedofilia. Já Joice foi alvo de uma declaração forte de Major Olímpio, que disse que “não há racha [no PSL] quando todos são contra ela”.
Recentemente, a futura parlamentar chamou de “malandros” os deputados e senadores que receberam o auxílio-mudança, benefício correspondente a R$ 33,7 mil. O presidente Jair Bolsonaro, por ter ocupado o cargo de deputado federal até ser empossado no comando da República, foi um dos contemplados com o pagamento.
Os novatos
Ao longo da campanha eleitoral, candidatos a deputado e a senador por todo o Brasil utilizaram o slogan “o candidato do Bolsonaro”, na tentativa de amplificar sua votação. Deu certo para muitos – o caso mais notório foi o de Hélio Lopes, conhecido como “Hélio Negão” ou mesmo “Hélio Bolsonaro”, amigo pessoal de longa data do presidente da República, que se converteu no deputado federal mais votado do Rio de Janeiro.
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Os outros nomes que iniciarão sua trajetória política com um mandato na Câmara reúnem professores, profissionais da segurança pública, empresários e lideranças que se destacaram durante as mobilizações que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Coronel Tadeu, de São Paulo, é um dos membros da nova bancada da segurança. Policial militar de formação, compactua com pautas definidas como prioritárias por Bolsonaro durante a campanha eleitoral, como a ampliação do acesso a armas e o fim de progressões de pena a condenados em regime fechado.
Com formação jurídica, Tadeu traçou uma ambiciosa meta para o início de sua carreira no parlamento: quer ser presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara. Ele reconhece que a inexperiência pode afetar o começo de seu mandato, mas vê também virtudes na condição de novato: “Essa bancada vem com aquele sentimento de renovação. Espero de todos, não só os do PSL, que não mais pratiquemos as velhas práticas da política, como as negociatas por baixo das cortinas”.
Outro novato, Fábio Schiochet (SC), aponta também algumas prioridades econômicas da bancada estreante. “Queremos desburocratizar a vida dos empreendedores.”
As mulheres
Durante a corrida eleitoral, um dos dados sobre o eleitorado de Jair Bolsonaro que mais chamava a atenção era a expressiva diferença que havia entre homens e mulheres. Embora o atual presidente liderasse entre os dois sexos, a preferência masculina se mostrou, durante toda a campanha, superior à feminina.
O panorama não impediu que a futura bancada do PSL obtivesse um número expressivo de mulheres entre os integrantes. Além das senadoras Selma Arruda (MT) ; e Soraya Thronicke (MS), serão dez deputadas federais. A lista já inclui Bia Kicis (DF), eleita pelo PRP mas que migrará para o PSL logo após a posse.
O veterano conselheiro
O deputado federal Carlos Manato (PSL-ES), que define Luciano Bivar como o “pai” do PSL, é também figura central no partido. Embora fique sem mandato a partir desta sexta-feira (1.º), o político prosseguirá num papel de relevância dentro da bancada do PSL – o que se dá por motivos familiares, institucionais e informais.
A questão familiar é por causa da esposa de Manato, Soraya, eleita deputada federal em outubro. A futura parlamentar foi a sexta mais votada do Espírito Santo, escolhida por 57.741 eleitores. A eleição de 2018 foi a primeira de sua carreira.
O vínculo institucional que Manato exercerá sobre os deputados se dará pelo cargo de secretário especial do Palácio do Planalto para a Câmara, no qual passará a trabalhar a partir desta sexta. A função prevê que ele atue como uma “ponte” entre o Parlamento e o Poder Executivo. “Eu quero ter uma sala na Câmara para nela trabalhar toda terça e quarta, e poder conversar diretamente com os deputados. Sei como a Câmara funciona, e não quero que nenhum deputado atravesse a rua para procurar o Palácio do Planalto. Eu que irei até eles”, diz Manato, que encerra em 2019 seu quarto mandato.
É essa experiência que leva Manato a se colocar como um “consultor” do PSL na próxima legislatura. O deputado reconhece que a falta de vivência parlamentar da maior parte dos deputados eleitos pelo seu partido pode prejudicar o trabalho da bancada.
“Estou me prontificando a ter muito diálogo, a explicar aos novos a realidade do Congresso Nacional, que é diferente. Quando eu cheguei lá, demorei dois, três anos até entender as siglas, os lugares, como funcionam os acordos políticos, os acordos de líderes de votação, em termos de mesa diretora, de liderança, de quem pode falar, do que pode falar. Temos que reunir as pessoas mais experientes e ter um diálogo franco e aberto com os novos”, diz Manato.
O traquejo contribuiria, segundo Manato, para que crises como a “guerra do Whatsapp” entre deputados do PSL, marcada pela troca de impropérios, fossem evitadas. “ O Whatsapp é frio, não é como quando você olha no olho da pessoa e se comunica. Talvez o ideal seja conversar menos por lá. Acabar com ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite’. Parar com isso.”
O ministro
Outra figura de destaque do PSL que vai influenciar os rumos do partido no Congresso, embora não seja parlamentar, é o advogado Gustavo Bebbiano. Ele iniciou sua trajetória política como “fã” de Bolsonaro, depois se tornou amigo do então deputado e passou depois a ser um dos principais articuladores políticos do presidente. Atuou para que Bolsonaro saísse do PSC, partido pelo qual foi eleito em 2014, organizou o acerto quase concretizado do presidente com o PEN-Patriota e acabou ingressando no PSL.
Sua liderança acabou fazendo com que ele ficasse com a presidência temporária do PSL, que exerceu durante o período eleitoral. Posteriormente foi indicado para a Secretaria-Geral da Presidência da República, e é ministro desde o início do governo.