A parte final do interrogatório do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro, nesta quarta-feira (10), foi a mais política de todo o depoimento, quando ele revelou suas principais mágoas em relação à Lava Jato. Durante cerca de 20 minutos, Lula disse ser vítima de uma “caçada jurídica”. Culpou principalmente a imprensa, que teria construído o “monstro Lula”. Disse que seus acusadores – ele não cita nominalmente, mas se trata sobretudo dos procuradores Ministério Público Federal (MPF) – fizeram um “acordo” com os veículos de comunicação para julgá-lo. E ainda reclamou decisões do próprio Moro.
Ao fim do depoimento, Moro perguntou se Lula gostaria de dar alguma declaração. Lula disse que sim. “Primeiro, eu gostaria de dizer que eu estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou um político brasileiro já teve”, afirmou o ex-presidente – assista ao trecho do interrogatório em que Lula se refere à “caçada”. Deu a entender que essa “caçada” ocorre porque ele é um representante dos pobres. “Eu dizia para mim todo santo dia [quando era presidente] que não teria direito de errar. Que, se eu errasse, a classe trabalhadora nunca mais iria eleger alguém, alguém do andar de baixo.”
Julgamento político
Moro então tentou interromper Lula, argumentando que a oportunidade de se pronunciar livremente ao fim do interrogatório não era um momento para fazer declarações políticas. O ex-presidente argumentou que estava sendo julgado politicamente.
“Estou sendo julgado pelo que fiz no governo. Estou sendo julgado pela construção de um powerpoint mentiroso. Aquilo é ilação pura”, disse Lula. Era uma alusão à apresentação no ano passado de procuradores do MPF, que usaram o programa de computador powerpoint para acusá-lo de ser o chefe do petrolão. Segundo o ex-presidente, o MPF tinha previamente a tese política de que o PT era uma organização criminosa e que, portanto, ele seria o chefe de um grande esquema de corrupção no governo.
Veja o que Lula disse, em outra parte do depoimento, sobre a acusação de que chefiou a corrupção
“Quero que se pare com ilações e digam qual é o crime que eu cometi? (...) Não basta levantar tese e essa pessoa [o acusado] ser processado”, disse Lula. “Eu respeitei as leis como nenhum outro presidente (...) Batalhei para acabar com a corrupção.”
O papel da imprensa
O petista ainda argumentou que a tese de que ele chefiou o esquema de corrupção na Petrobras foi construída principalmente pela imprensa. “Foi feito um acordo de que não é possível condenar sem o apoio da imprensa. A imprensa criminaliza.”
Sob várias intervenções de Moro, que afirmava que a imprensa não fazia parte do processo em questão, Lula prosseguiu reclamando da cobertura jornalística. Citou levantamentos sobre reportagens contra ele publicadas pelos principais veículos de comunicação do país. Argumentou que quase não havia notícias positivas sobre dele. Segundo ele, a imprensa construiu o “monstro Lula”. “O objetivo [da imprensa] é massacrar esse cidadão, que cometeu o erro que mostrar que esse país pode dar certo.”
O ex-presidente afirmou ainda que sua família sofre por causa disso. “Tenho 71 anos de idade, cinco filhos e oito netos. E nunca ninguém respeitou meus netos, (...) que estão na escola. Eles sofrem bulying todos os dias [por causa do noticiário negativo].”
O “alerta” ao MPF e a Moro
Lula afirmou ainda que essa situação vai colocar a imprensa, a acusação e a Justiça num “impasse”. “O comprometimento da Justiça e da acusação com a imprensa está levando a um impasse: alguns canais de televisão e jornais fizeram disso [as acusações contra ele] sua peça principal de notícia. E eles estão com dificuldade de como isso vai acabar se esse Lula for inocente. Como vão voltar atrás na mentira?”
Mais para o fim do depoimento, fez alertas tanto aos procuradores do MPF quanto ao próprio juiz. Para Moro, afirmou: “Eu queria lhe avisar de uma coisa. Esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se porque os ataques ao senhor serão muito mais fortes”. Moro disse que já está sendo atacado, inclusive por blogueiros que apoiam Lula. Para os procuradores, disse: “Vocês são muito jovens e têm muito tempo de vida. A acusação tem de ser séria, não pode ser especulativa.”
As mágoas com Moro
O ex-presidente, praticamente no final do depoimento, revelou duas mágoas que sente de Moro: a autorização dada pelo para a condução coercitiva (na qual o ex-presidente foi obrigado a depor e teve sua casa vasculhada pela Polícia Federal) e a divulgação de conversas telefônicas dele com sua mulher, Marisa Letícia, já falecida. A divulgação foi autorizada pelo juiz da Lava Jato. “Eu não tinha direito de ser molestado em minha casa”, disse sobre a operação da PF que teve o petista como alvo.
“MPF quer discutir como se monta um governo”
O juiz Sergio Moro questionou Lula, durante o interrogatório, sobre a acusação do MPF de que ele seria o chefe de um esquema de corrupção que transcende a Petrobras, denominado pelos procuradores como “propinocracia”.
“Quando o Ministério Público levanta essa tese, no fundo, está querendo discutir como é que se monta um governo nesse país. Aliás, o presidente Fernando Henrique Cardoso veio aqui e deu uma explicação. Eu espero que em outros processos o Ministério Público tenha aprendido uma lição”, disse Lula.
Fernando Henrique foi arrolado no processo como testemunha de defesa de Lula no processo. Lula deu uma longa explicação sobre o sistema político de presidencialismo de coalização, e chegou a ser interrompido por Moro. “Eu não quero ser rápido”, disse Lula. “Não quero meia-verdade. Eu quero verdade inteira nesse processo. Eu não quero ilações”, disse.
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