Três dias depois da decretação da intervenção no Rio de Janeiro, o governo federal ainda não detalhou o que as Forças Armadas efetivamente irão fazer para garantir a segurança no estado. Mas já ficou claro o que os militares querem para que a intervenção funcione: mais dinheiro e instrumentos jurídicos excepcionais – que alguns consideram de exceção e que podem levar a abusos.
Após reunião nesta segunda-feira (19) do presidente Michel Temer (PMDB) com os Conselhos da República e da Defesa para discutir a intervenção, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que o comando do Exército pediu para que a Justiça Estadual do Rio permita que as forças de segurança cumpram mandados coletivos de busca, apreensão e captura.
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A medida autoriza que as polícias e os militares cumpram prisões ou apreensões em locais não especificados pelo juiz (o endereço residencial do suspeito, por exemplo) – como é a praxe na Justiça. Na prática, as forças de segurança poderão perseguir seus alvos legalmente em zonas amplas como bairros ou na cidade inteira. Para defensores de direitos humanos, isso abre brechas para abusos.
Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou nesta segunda que o governo estuda a possibilidade de reforçar o orçamento das Forças Armadas que atuarão no Rio. Segundo ele, a primeira alternativa seria remanejar recursos já direcionados para Exército, Marinha e Aeronáutica. Mas Meirelles não descartou que dinheiro de outras áreas do governo federal precise ser usado na intervenção.
Orçamento federal já bateu no teto, alerta ministro
“A princípio estamos avaliando com o Exército a disponibilidade que já está no orçamento para as Forças Armadas, para ver se existe a necessidade de algum custo adicional. Os homens já estavam antes à disposição do Rio e vamos trabalhar para vermos se há custos além do que está previsto”, afirmou o ministro da Fazenda.
Meirelles destacou que o orçamento federal de 2018 já está no limite do Teto de Gastos, que é uma restrição constitucional. “Portanto, qualquer despesa adicional tem de ser remanejada de outra área. Por isso vamos olhar com muito rigor o orçamento que já existe para as Forças Armadas.”
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As declarações de Meirelles vieram praticamente ao mesmo tempo que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), afirmar que a intervenção federal não implica repasses federais para as polícias militar ou civil. “Não vai entrar dinheiro nenhum para frota, para combustível”, afirmou o governador em evento no Rio.
Ele também reclamou da situação financeira do estado: “Não consigo dinheiro num estalar de dedos. Minha prioridade era pagar os salários em dia; agora vamos renovar a frota, vamos comprar 200 blindados para uso em áreas conflagradas”. Apesar do comando da PM e da Polícia Civil do Rio passar para o governo federal com a intervenção, em princípio quem vai continuar a pagar os salários dos policiais é o governo do Rio.
Pezão afirmou que até agora não foi discutido nenhum aporte novo de recurso para a segurança. “Mas vamos esperar, vamos esperar a aprovação [da intervenção] no Congresso”, disse o governador. A relatora na Câmara dos Deputados do decreto de intervenção federal no Rio, deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), afirmou que a responsabilidade pelos custos de toda a operação tem de ser do governo federal.
Em Brasília, o ministro da Fazenda deu a entender que não haverá novos repasses para o estado, embora o governo tenda a ampliar os aportes para as Forças Armadas. “A questão financeira do Rio está sendo enfrentada há muito tempo. O estado já recebeu um empréstimo [federal] há pouco tempo e negociamos nesta semana um novo empréstimo com a cessão dos royalties do petróleo”, afirmou Henrique Meirelles.
Ministro da Defesa nega que mandados coletivos sejam carta branca para abusos
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que concorda com o pedido das Forças Armadas para que a Justiça autorize mandados coletivos de busca, apreensão e captura.
“Na realidade urbanística do Rio, você muitas vezes sai com um mandado para uma casa e o bandido se desloca. Então, você precisa ter o mandado de busca e apreensão e captura coletiva, que já foi feito em outras ocasiões, para uma melhor atuação das Forças Armadas e das polícias”, disse Jungmann.
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Os mandados de busca e apreensão e de prisão amplos, que não especificam o endereço a ser averiguado, já foram alvo, em outras ocasiões, de críticas de especialistas em segurança pública e direitos humanos que entendem que essa medida abre brechas para violações.
Perguntado, ele negou que os mandados representem uma espécie de “carta branca” para que as Forças Armadas possam cometer exageros.“Não há nenhuma carta branca, nem carta negra, nem carta cinza. Os militares não estarão exercendo ou substituindo o papel da polícia. Não vamos confundir a intervenção, que é um ato administrativo por excelência, com a ação militar, que é GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. GLO é a mesma que está valendo lá desde o ano passado e há claramente uma subordinação ao Estado Maior das Forças Armadas, ao Ministério da Defesa, afirmou.