O presidente Jair Bolsonaro (PSL) se elegeu com um forte discurso de renovação. Mas os fantasmas da “velha política” insistem em rondar e desgastar o novo governo, que não completou nem um mês. A suspensão da investigação contra Fabrício Queiroz – ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia do Rio de Janeiro – é mais uma atitude de pessoa próxima do presidente que se choca com o discurso moralizador da campanha eleitoral. Flávio, filho de Bolsonaro, foi quem pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a paralisação da investigação argumentando que ele, por ser senador eleito, tem direito a foro privilegiado – prática criticada pelo presidente quando era pré-candidato e pelo superministro da Justiça, Sergio Moro.
Além da suspensão da investigação do caso Queiroz, outros atos do atual governo contrariam o discurso de Bolsonaro contra as velhas práticas da política: as indicações de amigos e parentes de integrantes da alta cúpula do Planalto – inclusive do próprio presidente – para cargos públicos com alta remuneração; e o acordo costurado para a escolha do novo presidente da Câmara dos Deputados .
Fique por dentro: Por que o STF suspendeu a investigação contra ex-assessor de Flávio Bolsonaro
Bolsonaro: foro é ‘porcaria’. Moro: foro é ‘escudo’ de criminosos
À primeira vista, o caso Queiroz até pode parecer não ter relação direta com o governo. A suspensão da investigação foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. Contudo, quem pediu ao STF a paralisação da investigação foi o senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente – o que por si só já desgasta a imagem do pai.
Além disso, um dos principais argumentos do filho para pedir a paralisação da investigação contraria o discurso do presidente. Flávio defende que o caso tem de ser analisado pelo Supremo porque ele teria foro privilegiado, já que irá se tornar senador. Bolsonaro costumava ser um crítico dessa prerrogativa de função, apontada como uma das causas da impunidade de políticos no país.
“Dos 513 deputados, 450 vão ser reeleitos. Por que eles têm de ser reeleitos? Pra continuar com foro privilegiado”, disse Bolsonaro em 2017, quando ainda era pré-candidato, num vídeo em que aparece ao lado de seu filho Flávio (que não fala nada). Na gravação, Bolsonaro insinua que o foro beneficia todos os parlamentares, com uma única exceção: ele próprio – que àquela época era processado no STF. “Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado.” Curiosamente, na gravação, Bolsonaro criticava o ministro do STf Luiz Fux.
Assista: O vídeo em que Bolsonaro diz que o foro privilegiado é uma porcaria
Não foi apenas Bolsonaro que criticou o foro privilegiado na atual cúpula do Planalto. Ex-juiz da Lava Jato, o ministro da Justiça, Sergio Moro, é um ardoroso defensor do fim da prerrogativa de função para todas as autoridades.
Por mais de uma vez, Moro discursou contra o foro. “É necessária a revisão do instituto do foro privilegiado. Primeiro porque ele é contrário ao princípio fundamental da democracia que é o princípio do tratamento igual”, disse o ex-juiz em dezembro de 2017. Em abril de 2018, Moro afirmou que o foro funciona como um “escudo” para aqueles que cometem crimes – já que o STF costuma ser lento no julgamento dos casos envolvendo políticos. Na mesma ocasião, o atual ministro defendeu a aprovação de uma emenda constitucional para acabar com o foro privilegiado no Brasil.
Criticas de todos os lados
A suspensão da investigação contra Fabrício Queiroz, com base na argumentação de que Flávio Bolsonaro tem foro privilegiado, foi alvo de críticas nesta quinta-feira (17) de outro expoente da Lava Jato: o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná. “Com todo o respeito ao ministro Fux [que acatou o argumento de Flávio], não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o STF”, disse Deltan. No ano passado, o Supremo decidiu que um político só tem direito a foro no STF se o crime do qual é acusado tiver sido praticado durante o exercício do mandato de senador ou deputado federal – o que não é o caso de Flávio.
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Ex-procurador-geral da República responsável por denunciar o ex-presidente Michel Temer ao STF, Rodrigo Janot ironizou a suspensão do inquérito numa postagem em sua conta no Twitter: “Heinnnnn?????”.
As contradições entre o discurso e a prática da família Bolsonaro no caso Queiroz também não escaparam de críticas de aliados – além, como já era esperado, da oposição. “Entrar com pedido para ser investigado em foro especial é no mínimo suspeito”, afirmou o deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do Movimento Brasil Livre (MBL) – que apoiou a candidatura de Bolsonaro a presidente. Segundo Kataguiri, o pedido de Flávio Bolsonaro “cheira mal”.
Nomeações de amigo de Bolsonaro e filho de Mourão causaram desgaste
A paralisação da investigação contra Queiroz não é o primeiro caso que expôs Bolsonaro a críticas por descumprir a promessa de campanha de moralizar a política. O próprio presidente foi alvo de questionamentos quando se tornou pública a informação de que seu amigo particular Carlos Victor Guerra Nagem, conhecido como Capitão Victor, foi indicado pela direção da Petrobras para a gerência executiva de inteligência e segurança corporativa da estatal – cargo com salário de cerca de R$ 50 mil. Bolsonaro defendeu a indicação, dizendo que Capitão Victor tem capacitação técnica. E ironizou a imprensa “por não estar indicando inimigos para postos em meu governo”.
Dias antes, o governo já havia sido criticado pela promoção de Antonio Hamilton Rossell Mourão ao cargo de assessor especial da presidência do Banco do Brasil. Rossell é filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Com o novo cargo, passou a ganhar R$ 36,3 mil mensais – antes, sua remuneração era de cerca de R$ 12 mil. O vice também defendeu o filho. Mas a indicação pegou mal entre aliados e na própria Esplanada. A avaliação foi de que o governo estava descumprindo uma das promessas de campanha de Bolsonaro: o fim das indicações políticas.
PSL apoia investigado na Lava Jato para a presidência da Câmara
O acordo do PSL, partido de Bolsonaro, para apoiar a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados também provocou mal-estar entre aliados e apoiadores de Bolsonaro. Maia é investigado pela Lava Jato. Também foi aliado do ex-presidente Michel Temer (MDB), outro personagem de um passado que o novo presidente prometeu superar. São dois personagens vistos como representantes da “velha política” que Bolsonaro prometeu superar.
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