O julgamento que resultou na derrota do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo tribunal Federal (STF) durou mais de 10 horas, nesta quarta-feira (4). Durante a longa sessão, os ministros trocaram farpas, protagonizaram uma conversa raivosa no intervalo e teve até ministro com medo de ser visto como “petista”. Sem falar na comprometedora marca de batom no rosto de um dos ministros.
Veja alguns dos principais bastidores da sessão do STF que deixou o caminho livre para a Lava Jato decretar a prisão de Lula e selar seu destino nas eleições de 2018:
Conversa raivosa no intervalo
Após a ministra Rosa Weber proferir seu voto, decisivo para negar o pedido da defesa de Lula, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, iniciou um intervalo, o segundo do dia. Enquanto ministros e advogados esvaziavam o plenário do STF, três ministros foram vistos conversando reservadamente, num canto do plenário. Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, os três favoráveis à concessão do habeas corpus para livrar Lula da cadeia.
Lewandowski gesticulava e esboçava semblante fechado. Mexia as mãos em ênfase, os punhos cerrados. Para advogados e expectadores do julgamento, o tom da conversa expressou a decepção dos ministros com o voto de Rosa, contrário à tese que defendiam.
Expectativa de pedido de vista
Correu entre advogados no plenário do STF, após o voto de Weber, a expectativa de que um pedido de vista poderia ser a estratégia adotada pelos ministros defensores da concessão do habeas corpus para favorecer Lula. No intervalo da sessão, após o voto de Rosa Weber, circulou entre advogados – e posteriormente entre a militância petista – a informação de que ministros estudavam pedir vista para deixar a decisão em suspensa, o que favoreceria Lula. O pedido de vista não ocorreu e a sessão foi encerrada mais de quatro horas depois desse intervalo.
Alexandre de Moraes versus Batocchio
Ainda no começo da sessão, o ministro Alexandre de Moraes deu uma resposta atravessada ao advogado do petista Luiz Roberto Batocchio. Após a conclusão do voto de Moraes (pela prisão de Lula), o defensor pediu a palavra ao plenário do STF para dizer que o ministro não teria analisado todos os pontos do pedido. Alexandre de Moraes retrucou, em tom forte, que ele havia tratado de todos os pontos do pedido, mas que Batocchio não havia escutado. “Talvez pelo nobre advogado ter ficado conversando durante o voto, não entendeu o que foi dito", disse Moraes. No plenário, ouviu-se um leve burburinho entre os espectadores, pelo constrangimento de Batocchio com a resposta dura.
Esplanada: militares, ruralistas, intervencionistas e rezas
A chuva espantou os manifestantes na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O forte esquema de segurança, com grades separando os militantes pró e contra Lula, barreiras de policiais e cavalaria, não foi colocado em teste. Entre os grupos que foram à Esplanada, chamou atenção o grande número de apoiadores da intervenção militar, com faixas e cartazes. Grupos religiosos promoveram “rezaços”, com orações pela prisão de Lula. O movimento ruralista, que estava em Brasília para pedir mudanças no projeto que concedeu parcelamento de dívidas previdenciárias do setor, ajudou a engrossar o movimento contra Lula.
O general Augusto Heleno, que foi o primeiro chefe da missão militar brasileira no Haiti, passou no meio dos manifestantes. O deputado federal e pré-candidato a presidente da República Jair Bolsonaro participou de atos, subiu em carro de som e agradou aos ruralistas. Bolsonaro defendeu que o produtor rural se arme e a utilize caso suas terras sejam invadidas, em um cutucão a grupos como o Movimento Sem Terra (MST).
Barroso e as drogas
Durante seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso (que foi contra a concessão do habeas corpus de Lula), citou diversas vezes crimes relacionados às drogas. Em resposta a Gilmar Mendes, que disse que proibir a prisão já em segunda instância ajudaria os mais pobres no sistema carcerário, Barroso criticou, dizendo que o STF não estava ali falando dos mais pobres. O ministro usou exemplos de “moleques” pegos com maconha e outros casos de porte de drogas como a antítese dos grandes casos de corrupção ou crime do colarinho branco.
Gilmar e seus amigos petistas
Gilmar Mendes, conhecido por sua posição política contrária ao PT, teve de explicar porque estava votando de forma a favorecer o ex-presidente Lula. Em seu voto, afirmou que a culpa da divisão do país e do tom de raiva entre defensores de Lula e opositores é dos próprios petistas, e pediu “desculpa aos amigos petistas” para fazer tal análise.
O ministro afirmou que tinha sido indicado pela Corte pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e relembrou momentos que na visão dele teriam iniciado o embate partidário no país, como ataques verbais ao então governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), feito por líderes petistas. “Covas precisa apanhar nas urnas e nas ruas”, disse Gilmar, repetino frase atribuída a José Dirceu.
Marco Aurélio : “risco é acharem que sou petista”
Favorável ao pedido de Lula, o ministro Marco Aurélio Mello admitiu que contava com o voto de Rosa Weber em favor do petista. No final da sessão, após proferir seu voto, disse que acreditava que o placar do julgamento de ações amplas sobre a possibilidade de prisão em segunda instância, de julgamento em 2016, se repetiria nesta quarta.
O ministro ainda ironizou ter votado em favor de Lula. Antes da proclamação do resultado, ele interrompeu Cármen Lúcia e disse que acreditava que os ministros votariam conforme suas convicções e não de acordo com a maioria (em menção ao voto de Rosa Weber) e disse: “Perigo é acharem que sou petista”.
Barroso e a marca de batom
O ministro Luís Roberto Barroso protagonizou um momento de leveza na sessão. Ele interrompeu sua fala após receber um aviso de sua assessoria: estava com uma marca de batom no rosto. Barroso brincou: “Me avisaram do meu gabinete que eu estava com uma marca de batom, um beijo no rosto. O único problema que eu não preciso nessa altura da minha vida”.
Toffoli disse que era da ministra Rosa Weber, que havia cumprimentado os colegas com um beijo. Barroso riu e disse que “então estava justificado”.
Toffoli improvisou
O ministro Dias Toffoli, que votou em favor de Lula, afirmou que havia preparado voto de mais de seis horas, mas que iria falar livremente. Teceu longo voto falando sobre a Constituição (recorreu ao texto e citou textualmente). Marco Aurélio em diversos momentos trouxe trechos da legislação, interrompendo Toffoli e promovendo um bate-bola entre os dois, para reforçar as posições do colega.
Petistas calados
Ao menos quatro deputados petistas assistiram a sessão de dentro do plenário: Wadih Damous (RJ), ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Paulo Teixeira (SP); Patrus Ananias (MG) e Léo de Brito (AC). Durante a sessão, eles evitaram comentar os votos e ficaram calados. No intervalo da sessão, a defesa de Lula também evitou comentar o andamento da sessão. Os advogados se reuniam no plenário, definindo sua linha de atuação.