O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o país não vai tremer caso haja uma condenação de Lula, cujo julgamento em segunda instância está marcado para 24 de janeiro. Para ele, parte da comoção é estratégia política do PT, que deseja construir a tese de que é perseguido.
FHC diz que a explicação para a popularidade de Lula, mesmo condenado, é a falta de informação de parte da população, o que alimenta o populismo. O ex-presidente avalia que a Lava Jato demonstrou que havia um sistema de corrupção amplo, que ia além de indivíduos. Para ele, no entanto, o PSDB não estava no centro desse sistema, apesar das denúncias contra o senador tucano Aécio Neves. Leia a seguir a entrevista com FHC:
Estamos há menos de um mês do julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Do ponto de vista da sociologia e da política, qual seria o impacto para o país de uma eventual condenação de um ex-presidente da República?
Do ponto de vista do país, é sempre ruim. É ruim para o país e para a memória, mas não acredito que a população vai tremer nas suas bases por causa disso. Não acho que o país vai tremer em função disso. É claro que existe também uma estratégia política do PT: a perseguição. Se o julgamento terminar em condenação, tem que aceitar.
Como o sr. explica o fato de o Lula liderar as pesquisas?
Pega o caso do Peru. O fujimorismo é a força predominante até hoje, e o Fujimori está na cadeia (estava até o dia 24, quando recebeu indulto humanitário do atual presidente Pedro Pablo Kuczynski). O próprio Perón teve um momento assim. É curioso ver que em países como os nossos, com um nível educacional relativamente pouco desenvolvido, as pessoas têm muitas carências. Aqueles que dão às pessoas a sensação de que atenderam às suas carências ganham uma certa permissão para se desviar da ética. É pavoroso, mas é assim. É populismo. É a cultura que prevalece nesses países. A nossa está em fase de mudança. Aqui a sociedade já tem mais informação. Nos regimes parlamentaristas tem menos chance de que isso aconteça. Tem mais filtros. A emoção global não leva de roldão. Pode alguém irromper, mas difícil é governar depois.
O senhor disse que o PSDB precisa fazer autocrítica. Qual seria?
Acho que o PSDB está, à sua maneira, fazendo. Mudou a direção e, ao mudar, escolheu pessoas com responsabilidade. Não que os outros não tivessem. Aécio (Neves, senador por Minas Gerais e ex-presidente do PSDB) não é um irresponsável. Fez coisas positivas para o PSDB. Mas o partido tem que dizer que, se houve erro de algum peessedebista, problema dele. O partido não tem que se solidarizar com o erro de seus filiados. A Lava Jato foi um marco importante na vida brasileira, o que não quer dizer que não tenha excessos aqui e ali. Acho um pouco exagerada essa vontade de vingança que existe hoje.
Além do caso da JBS, que envolve o Aécio, o partido ainda enfrenta, mais recentemente, os impactos do acordo de leniência da Camargo Corrêa e da Odebrecht, na qual ambas as empresas reconhecem cartel em obras nos governos tucanos em São Paulo. Qual o tamanho da avaria no caso do PSDB?
Esse é o ponto. A Lava Jato demonstrou ao país, e isso deixou todo mundo horrorizado, que aqui se montou um sistema de poder político baseado na propina. Não é só uma questão de fulano ou beltrano roubou. É muito mais grave do que isso. As instituições ficaram comprometidas. O PSDB não participou desse sistema nem em São Paulo. No caso de São Paulo, se houve algum malfeito no Rodoanel (uma das obras em investigação - teria havido cartel para linhas de metrô também), não foi o PSDB que fez ou o governador que organizou.
Aqui não se organizou esquema. Não tem um tesoureiro do PSDB que pegou dinheiro. Houve um cartel, mas contra o governo.
Há uma crítica recorrente que as denúncias de corrupção em São Paulo não recebem o mesmo tratamento do que em outros Estados ou no plano federal.
Teve processo em São Paulo. Talvez não tenha produzido o mesmo auê, ou escândalo, talvez por isso: não conseguem envolver o núcleo político e porque não tem a bênção do governo.