A lista de 56 partidos que aguardam liberação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para sair do papel revela um lado que vem tentando reconquistar espaço político. Defendendo pautas como a redução da maioridade penal, liberdade de porte de armas e prestando homenagens ao regime militar, legendas como o Partido Militar Brasileiro e a antiga Arena mostram que parte de 1964 ainda reverbera em 2017.
Com ideais conservadores e fortes ligações com o Exército, seja em sua composição ou mesmo na parte ideológica, esses partidos buscam o que chamam de um “resgate” de conceitos que dizem ter se perdido desde a redemocratização. “Os valores permanecem o mesmo do Regime Militar: a ética, o patriotismo e a disciplina. Queremos a civilidade de volta”, explica o idealizador e presidente nacional do Partido Militar Brasileiro, o capitão José Augusto Rosa.
Para sair do papel, esses partidos precisam coletar pelo menos 487 mil assinaturas
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Influência militar
Pelo menos quatro possíveis novos partidos resgatam a memória do Regime Militar ou se aproximam da figura dos militares. São eles:
Partido Militar Brasileiro;
Arena;
Partido da Segurança Pública e Cidadania;
União para a Defesa Nacional.
Deputado federal por São Paulo pelo Partido da República, Rosa diz não ter medo que o que chama de “Revolução de 1964” macule a imagem da sigla que tenta criar. Na verdade, ele acredita que a presença do título “militar” no nome do partido faça com que a população confie mais na ideia. “Os militares são os profissionais mais respeitados, mais até do que a Igreja. Todas as pesquisas mostram isso”, afirma.
Apesar do nome, contudo, a ideia do Partido Militar não é limitar a filiação apenas a membros do Exército. Segundo Rosa, que foi oficial da PM, a ideia é utilizar essa imagem de ordem e disciplina que a instituição tem junto à população para mostrar seus ideais e atrair quem pensa igual.
Na mesma linha, o Nova Arena tenta ressuscitar o antigo partido que apoiou os militares durante a Ditadura. Em sua página no Facebook, o grupo é acompanhado por mais de 12 mil pessoas e traz diversas mensagens em memória do governo militar, incluindo fotos de presidentes como Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo e textos que glorificam o período.
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Os argumentos usados por esses partidos para defender o regime é o mesmo, ou seja, de que o Brasil vivia um “estado de ordem” durante as duas décadas em que os militares estavam no poder. Creditam a corrupção à redemocratização, relembram as grandes obras e afirmam que naquela época se vivia com “civilidade e respeito”. “Nesse período, o Brasil foi a sétima potência mundial. Tínhamos investimentos, segurança e respeito às autoridades. A coisa funcionava”, dispara Rosa ao lembrar do chamado Milagre Econômico.
Conservador sim, nacionalista nunca
Embora não faça questão de afastar a imagem do Partido Militar da memória do regime que durou de 1964 a 1985, Rosa diz não acreditar que a legenda carrega ideais nacionalistas. Para ele, o termo vem carregado de um radicalismo com o qual ele não concorda. “Prefiro dizer que somos apenas de direita”, diz o parlamentar que considera o seu novo partido o único verdadeiramente de direita do Brasil.
Ainda assim, algumas de suas pautas vão um pouco além da ideia de Estado mínimo e outros ideais liberais, sobretudo na segurança pública. “Queremos uma política de segregação para criminosos reincidentes. Tem que tirar da sociedade e deixar apodrecer na cadeia”, afirma. Segundo o deputado, quem acredita na “recuperação do marginal” é a esquerda.
Essa não é a única posição polêmica do Capitão Augusto Rosa em relação ao seu partido. Os possíveis números que representariam a sigla nas urnas já é quase uma provocação a grupos mais progressistas. “Pensamos no 18, por causa da maioridade penal que queremos derrubar; em 64 em homenagem à Revolução e no 38 por causa do três oitão, que é a arma mais famosa”, revela. E a referência ao revólver não é por acaso. “Queremos derrubar o estatuto do desarmamento. O cidadão de bem tem que se armar”.
Para o cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Cervi, o surgimento desses partidos que resgatam os anos de chumbo está diretamente ligado à memória seletiva de quem não viveu aquele período diretamente. “No fim da Ditadura, a situação era tão negativa, com economia desequilibrada e política corrompida, que os seus defensores não davam as caras por vergonha. Aquela geração acabou e agora surge outra que não se sente responsável por aquilo e, por isso, traz o debate de volta”, explica.
Segundo Cervi, nem mesmo a ideia de Estado mínimo que esses partidos defendem existia durante o regime. “Esse foi o momento em que o Brasil mais teve empresas estatais. Quadruplicamos em uma década”, relembra.
Entre 1964 e 1985, foram criadas 47 companhias gerenciadas pelo governo federal. “E como tinha muita intervenção do Estado na economia, isso dificultava a vida do empresariado. E foi por perder esse apoio que o governo militar começou a ruir”.
Coletando assinaturas
Para sair do papel, esses partidos precisam coletar pelo menos 487 mil assinaturas de eleitores que apoiam a criação de uma nova legenda. Esse valor corresponde a 0,5% do total de votos válidos para a ultima eleição da Câmara. E o verdadeiro desafio das siglas é arregimentar todo esse número.
De acordo com o deputado capitão José Augusto Rosa, a maior complicação são os empecilhos criados pelo próprio TSE. “Tínhamos 560 mil assinaturas, mas o Tribunal anulou 300 mil delas”, explica o presidente do Partido Militar. “Mas até o final do ano, devemos ter todas as que faltam”.
Rosa segue tão confiante na regularização do partido que até pensa em lançar seu próprio candidato à presidência. No caso, ele diz já ter feito o convite ao também parlamentar Jair Bolsonaro (PSC) para disputar o cargo sobre a sua bandeira.