Ao justificar o seu pedido de vista no julgamento que limita o alcance do foro privilegiado, nesta quinta-feira (23), o ministro Dias Toffoli afirmou ter dúvidas sobre as consequências da restrição do foro e lembrou que o tema “tem sido debatido por toda a sociedade brasileira há muito tempo”, destacando o avanço das discussões no Congresso Nacional.
“Instado a discutir, e mais que discutir, deliberar, porque já há uma proposta de emenda constitucional aprovada no Senado Federal que já foi remetida à Câmara e cuja admissibilidade ocorreu nesta semana. A partir daí deve-se formar comissão especial que terá o prazo de 40 sessões para proferir parecer e esse parecer é enviado à deliberação”, frisou o ministro, referindo-se à aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de uma PEC que acaba com o foro.
Apesar da citação, Toffoli deixou nas entrelinhas se o pedido de vista significava um aceno ao Congresso para que delibere sobre o tema antes do STF. O fato é que a Suprema Corte já formou maioria entorno da proposta do ministro-relator Luis Roberto Barroso de dar direito ao foro privilegiado a políticos apenas e tão somente se o crime do qual forem acusados tiver sido cometido no exercício do mandato e for relacionado ao cargo que ocupam. Essa regra valeria para todos os políticos, sem exceção.
Seguiram o voto de Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia, presidente do STF, na primeira parte do julgamento, em maio. Nesta quinta, seguiram o entendimento os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello. Ainda faltam os votos de três dos 11 ministros para que o julgamento seja encerrado. Alexandre de Moraes votou parcialmente a favor, enquanto Toffoli , Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (que está de licença médica) ainda não votaram.
Decisão ao sabor das circunstâncias?
Juristas consultados pela Gazeta do Povo divergem do entendimento do STF e concordam que o melhor seria aguardar uma manifestação do Legislativo sobre o tema, em nome da harmonia entre os poderes. Na avaliação de Carol Clève, advogada e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a “prerrogativa de função não se trata de uma ‘vantagem’ estendida ao político, trata-se, em verdade, de uma garantia conferida à instituição para fins de se assegurar sua independência frente aos outros poderes”.
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“Não vejo com bons olhos a atual interpretação do STF no sentido de que o chamado ‘foro privilegiado’ deve ficar restrito aos crimes cometidos durante o mandato e em função deste. Isso porque, como disse, a regra não traz ressalvas. A decisão, a meu ver, é consequencialista e dada ao sabor das circunstâncias, o que não é saudável. Se há a intenção de se restringir o foro, essa discussão deve ocorrer no Legislativo”, ponderou a advogada.
Para Guilherme de Salles Gonçalves, mestrando em Direito Constitucional pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil, há um equívoco em se falar de impunidade quando se trata da prerrogativa de foro. “Há um equívoco sério em presumir que o julgamento por tribunais, ou por tribunais superiores, significa impunidade. Em primeiro lugar, isso significa qualificar os tribunais e o Judiciário Superior como conivente com a impunidade. Em segundo lugar, se ignora que ser julgado já em segunda ou terceira instância significa menos direito a recursos”.
O advogado Rafael Thomaz Favetti, que já foi secretário-executivo no Ministério da Justiça, afirma que o Supremo vem desenhando um modelo mais restritivo ao foro privilegiado há, pelo menos, dez anos, mas que a palavra final virá mesmo, em algum momento, do Congresso. Ele pontua “que há uma visível manifestação do Legislativo ante ao ativismo do Judiciário”. Favetti argumenta que a queda de braço “entre o Supremo e o Congresso já se viu outras vezes, como no caso do número de vereadores nos municípios e limitação dos juros para instituições financeiras, ambos os casos modificados por PEC após decisão do tribunal”.