Um acordo entre bancos, associações que representam poupadores e o governo pode encerrar uma das mais abrangentes disputas judiciais da história do Brasil. Deve ser apresentada em agosto uma proposta de pagamento das perdas provocadas pelos planos econômicos do fim dos anos 80 e início dos anos 90 que atingiram dezenas de milhares de pessoas que tinham depósitos em cadernetas de poupança.
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A negociação envolve a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), a Advocacia-Geral da União (AGU) e representantes de poupadores. É provável que o valor das indenizações seja bem menos reluzente do que se estimava. Os cálculos indicam que os poupadores devem receber em torno de R$ 11 bilhões, bem abaixo de estimativas que anteriormente variavam de R$ 150 bilhões a R$ 340 bilhões.
A princípio, o acordo beneficia os poupadores filiados a alguma das associações representadas na negociação pela Frente Brasileira pelos Poupadores (Febrapo) ou pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec), mas é provável que seus termos sejam usados também para beneficiar ações avulsas. O pagamento deve ser parcelado e o valor, calculado com desconto nos juros devidos pelos bancos.
Do lado dos representantes de poupadores, o acordo é visto como uma chance de superar uma ação judicial que não tem prazo para ser julgada, mesmo que isso traga algum desconto no cálculo do valor a receber. “O nosso maior receio é com a demora pelo julgamento. Muitos poupadores vêm morrendo. São pessoas que tinham poupança na década de 1980 e 1990, diz Estevan Pegoraro, presidente da Febrapo. “Temos habilitado muito herdeiro no processo. Por conta disso estamos motivados a fazer acordo. Queremos indenizar de forma imediata. Se não for dessa forma, muitos filhos vão receber o valor da ação de seus pais, e não é isso que queremos.”
Para os bancos, o acordo tiraria um enorme passivo de seus balanços. Enquanto tramitam as ações de cobrança das perdas das cadernetas, as instituições bancárias são obrigadas a manter provisões que, no fim, são um peso no seu desempenho financeiro.
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Em declarações recentes, a ministra da AGU, Grace Mendonça, afirmou que o assunto pode mesmo estar chegando a seu ponto final, com o pagamento das indenizações. À Gazeta do Povo, a ministra afirmou que a AGU quer fazer um acordo, e que “está trabalhando” para que isso ocorra já em agosto. Os bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa, donos dos maiores passivos, já teriam concordado com o pagamento.
Ainda há movimentações da Febraban, no entanto, para tentar na Justiça evitar ou postergar o pagamento. Uma das condições para esse acordo acontecer é estabelecer a data de corte para as ações, evitando que o passivo aumente.
Sem um acordo, o pagamento dependeria de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STF). No STF, tramitam quatro recursos extraordinários com repercussão geral e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A decisão da corte pode servir para balizar outras decisões sobre o caso. Porém, entre pessoas que participam das ações, há pouca esperança de que a corte paute os casos e os julgue, com falta de quórum para julgá-los. “Não acredito que isso vá ser julgado tão logo pelo STF. Até por isso estamos concordando com um acordo, o que seria mais interessante para todos os lados”, afirmou Estevan Pegolaro.
No STJ, o assunto será analisado pelo ministro Raul Araújo, em recurso especial. Nesse processo, dependendo da decisão, apenas parte dos poupadores serão beneficiados. Nos bastidores, há quem diga que a Febraban ainda não fechou o acordo pois está tentando voltar forças na sua equipe de advogados para defender sua posição no STJ, o que reduziria drasticamente os custos para os bancos com o pagamento de indenizações.
Em nota, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec), um dos integrantes da Febrapo, se mostra crítico a essa movimentação. “Se a Febraban tentar, novamente, limitar pagamentos apenas a afiliados (como está a ocorrer no Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial 1.438.263/SP, de relatoria do ministro Raul Araújo), o Idec se manterá em intensa luta pelos consumidores”, diz a nota do instituto, que fala que tem se “defendido” de “investidas” contrárias ao acordo por parte da Febraban.
O Idec informa ainda que são divulgados de forma errada informações de que o impacto das decisões pode chegar a R$ 50 bilhões. “O pior cenário a ser enfrentado pelos bancos é de R$ 12 bilhões, incluindo poupadores afiliados ou não ao Idec, constantes ou não de lista. Se o STJ limitar o pagamento apenas a poupadores em lista, este número cairia para pouco mais de R$ 2,5 bilhões”, diz o Instituto.
A própria Febrapo já afirma que aceita negociar os termos de um possível acordo com a Febraban. “Está faltando agora a Febraban sentar conosco e decidir como pagar”, afirmou Pegoraro. Entre as propostas estaria a definição de um teto para ser pago de uma só vez, como por exemplo para os poupadores que têm até R$ 50 mil a receber. Pagamentos de valores acima disso poderiam ser parcelados.
Entenda o que causou o debate na Justiça, que já dura mais de 20 anos
Plano Verão
O plano econômico de janeiro de 1989 determinou que os saldos das cadernetas de poupança em fevereiro daquela ano fossem atualizados com base no rendimento acumulado das Letras Financeiras do Tesouro (LFT) e não mais pelo IPC (Índice de Preço ao Consumidor). Com isso, os bancos não creditaram a diferença devida no percentual de 20,46% nas cadernetas de poupança com aniversário entre 1º a 15, no mês de fevereiro de 1989. Todos os consumidores que possuíam caderneta de poupança com aniversário entre 1º a 15 de janeiro de 1989 e que mantiveram saldo na conta até a remuneração do mês seguinte, ou seja, fevereiro de 1989, tem direito de receber os valores.
Plano Collor
Instituído em março de 1990, converteu os cruzados novos em para cruzeiro, mas determinou o bloqueio de valores excedentes a NCz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos) de todas as contas-poupança e a remuneração dos valores bloqueados pelo Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF) e não mais pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC). A data de início desse bloqueio é questionado, com perdas e os detentores de algumas contas, a depender da data de aniversário, e eles podem pedir o ressarcimento da diferença entre IPC e BTNF. Em outros casos, houve perda de até 44,80% dos rendimentos.
Plano Bresser
Lançado em junho de 1987, fez com que milhões de cidadãos deixassem de receber cerca de R$ 2 trilhões referentes à diferença de 8,08% não contabilizada pelos bancos no mês subsequente. A Justiça reconhece o direito do poupador que mantinha, em junho de 1987, saldo em caderneta de poupança com aniversário na primeira quinzena do mês.
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