A assinatura pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) do decreto que flexibiliza a posse de armas, nesta terça-feira (15), mostrou uma harmonia que até o momento não havia aparecido no governo federal. Bolsonaro firmou o documento próximo de seu vice, general Hamilton Mourão (PRTB), e de dois de seus ministros mais importantes: Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Sergio Moro (Justiça). Em meio a um governo que se iniciou com trombadas, conflitos internos e trocas públicas de farpas, viu-se ali um raro momento de paz na nova gestão.
O alinhamento do governo nessa questão pode , inclusive, ser o primeiro passo para alterar o Estatuto do Desarmamento nas casas parlamentares.
“Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito de defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma”, disse Bolsonaro, durante a solenidade, se referindo à caneta usada no ato – o mesmo termo foi reforçado posteriormente em uma campanha veiculada pelo governo nas redes sociais.
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Em seu perfil no Twitter, Bolsonaro reforçou os argumentos em defesa da medida: “Por muito tempo, coube ao Estado determinar quem tinha ou não direito de defender a si mesmo, à sua família e à sua propriedade. Hoje, respeitando a vontade popular manifestada no referendo de 2005, devolvemos aos cidadãos brasileiros a liberdade de decidir.”
Com o ato, o governo Bolsonaro garantiu não apenas um momento de unidade do governo mas também uma marca para caracterizar o início da gestão, como fizeram seus antecessores no Palácio do Planalto.
Próximas etapas
Apesar de modificar o panorama da compra de armas no Brasil - principalmente por alterar o conceito de “efetiva necessidade”, que segundo os apoiadores do Bolsonaro deixava o processo com caráter excessivamente subjetivo - o decreto assinado nesta terça-feira não alterou alguns pontos-chave do Estatuto do Desarmamento, como as restrições ao porte de armas em ambientes públicos. Não à toa, defensores do maior acesso a armas consideraram tímido o texto divulgado nesta terça.
“Tudo o que nós falamos durante a campanha será posto em discussão. Esse fato das armas é algo que nós debatemos bastante, e já começamos a cumprir”, declarou à Gazeta do Povo o líder do PSL na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO). “O decreto é uma demonstração contundente que o presidente está disposto a resgatar, a cumprir compromissos de campanha”, endossou o também deputado federal João Campos (PRB-GO).
Com isso, fica aberto o caminho para que a discussão seja instalada dentro do Congresso Nacional - ambiente em que governistas também esperam avanços em relação ao tema. “Temos hoje um congresso mais conservador, que tem muita simpatia por essas teses”, disse o deputado Campos.
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Já o líder do PSL diz que o partido pressionará a presidência da Câmara para que as propostas sobre o tema, entre elas uma do deputado Peninha Mendonça (MDB-SC), que revoga o Estatuto do Desarmamento, sejam colocadas para votação. “O PSL vai se empenhar para isso”, diz Waldir.
O deputado, no entanto, avalia que a questão econômica deve permanecer como o foco inicial dos parlamentares governistas. “Queremos que isso [mudanças no Estatuto do Desarmamento] vá à votação, mas as nossas prioridades no momento são as reformas da previdência e a tributária”, declarou.
O deputado federal Domingos Sávio (PSDB-MG), que é favorável ao maior acesso a armas, mostrou ressalvas à maneira como o governo conduziu o caso. “A medida é boa, mas eu faria uma campanha educativa, até para esclarecer a população de que o que se está fazendo não é nenhuma grande mudança. Eu acho que o governo perdeu a oportunidade de fazer isso. Esclarecer que não é uma sangria desatada”, disse.
“Até acredito que tem gente do governo que está gostando desse cenário. Porque durante a campanha criou-se uma expectativa de ‘o Bolsonaro vai permitir que as pessoas de bem se armem’, e de repente estão querendo passar essa ideia, o que não é verdade”, acrescentou o tucano.
Flexibilização era compromisso de campanha
A defesa da ampliação do acesso a armas por pessoas sem antecedentes criminais foi uma das principais bandeiras de Bolsonaro quando ele exerceu mandato de deputado federal, e foi também compromisso durante a campanha do ano passado. O então candidato a presidente fez diversos pronunciamentos sobre o assunto, que ganhou destaque em seu programa de governo.
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“Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!” e “EUA, Áustria, Alemanha, Suécia, Noruega, Finlândia, Israel, Suíça, Canadá, etc, são países onde existe uma arma de fogo na maioria dos lares. Coincidentemente, o índice de homicídios por armas de fogo é muito menor que no Brasil. No Canadá, são 600 homicídios por ano! Em Israel 110 e Suíça 40!” são trechos da proposta de governo que a coligação encabeçada por Bolsonaro apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Reações
Siglas de oposição a Jair Bolsonaro anunciaram que vão contestar, na Justiça, a medida divulgada nesta terça. O PSOL divulgou que vai apresentar um projeto de decreto legislativo contra o que considerou uma “flexibilização no Estatuto do Desarmamento” e que vai pedir ao Ministério da Justiça esclarecimentos sobre as motivações que levaram à edição da norma.
Já o PT comunicou que ingressará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a norma, que segundo o partido tem traços de inconstitucionalidade. Em entrevista à imprensa, o líder do partido na Câmara, Paulo Pimenta (RS), atacou a iniciativa:
“Esse decreto mergulhará o País num caos de violência, mergulhará o País numa espécie de faroeste, onde aqueles que têm dinheiro poderão adquirir grandes quantidades de armas e munição, e as pessoas de menor poder aquisitivo serão vítimas não só de grupos armados, mas também do poder econômico que vai viabilizar a compra de maneira descabida”.
Marca registrada dos Governos: do Plano Collor ao Decreto das Armas
A busca por um projeto de impacto que marque o início do governo foi também realizada por políticos que antecederam Jair Bolsonaro na chefia do Executivo nacional.
Logo em seu segundo dia de gestão, em 16 de março de 1990, o então presidente Fernando Collor divulgou seu ambicioso plano para conter a hiperinflação, que, entre outras medidas, previa a mudança do nome da moeda nacional e a restrição dos saques a Cr$ 50 mil. A proposta, que ficou conhecida como Plano Collor, não diminuiu a inflação e colaborou para que a popularidade de Collor permanecesse sob risco até o impeachment.
Já Fernando Henrique Cardoso, no começo de 1995, deu início às negociações para a quebra dos monopólios em setores como as telecomunicações - iniciativa que, posteriormente, abriu caminho para as privatizações, uma das maiores marcas da gestão tucana.
Luiz Inácio Lula da Silva lançou em janeiro de 2003 o Fome Zero, projeto que buscava garantir refeições a todos os brasileiros. A proposta acabou não alcançando os objetivos esperados mas preparou o terreno para o Bolsa Família, em vigor até os dias atuais.
O fortalecimento da Petrobras, vitimada por escândalos de corrupção durante a gestão de Dilma Rousseff, foi uma das medidas iniciais da gestão de Michel Temer. Ainda como presidente em exercício, o emedebista nomeou Pedro Parente para o comando da estatal. Celebrado pelo mercado por conta de seu trabalho durante o governo FHC, Parente foi considerado o nome ideal para sanar a empresa.