Cinco ex-ministros da Saúde divulgaram neste fim de semana uma declaração conjunta contra a reformulação da Política de Saúde Mental aprovada no último dia 14 pelo Ministério e Conselhos Estaduais e municipais. No documento, Arthur Chioro, Agenor Álvares da Silva, Alexandre Padilha, José Gomes Temporão e Humberto Costa, que ocuparam o cargo durante os governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, afirmam que as mudanças representariam um retrocesso para uma política pública reconhecida e premiada internacionalmente.
“Como gestores consideramos absolutamente inaceitável que diante das atuais dificuldades financeiras que comprometem gravemente a gestão dos serviços públicos, os gestores estaduais e municipais aceitem dar reajuste a hospitais privados, e novos aportes a entidades como comunidades terapêuticas em detrimento da rede pública de CAPS e dispositivos comunitários de atenção”, afirma o grupo.
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As mudanças foram aprovadas na quinta-feira, 14, por uma comissão que reúne o Ministério da Saúde e representantes de secretários estaduais e municipais de saúde. A proposta fortalece o atendimento em hospitais psiquiátricos, contrariando a lógica das últimas três décadas, que é priorizar a rede de cuidado multidisciplinar e ambulatorial e promover uma redução gradual da internação.
A resolução garante a manutenção dos leitos de hospitais psiquiátricos, amplia os valores pagos para internação nessas instituições e, além disso, estimula a criação de novas vagas para esses pacientes em hospitais gerais. A estratégia também prevê uma expressiva expansão do credenciamento de comunidades terapêuticas , instituições em sua maioria ligada a grupos religiosos e que prestam serviços para dependentes químicos.
As mudanças foram discutidas nas últimas reuniões da Comissão e, de acordo com o coordenador da área de saúde mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, visam atender a uma demanda sanitária. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirma que as mudanças serão boas “para os usuários e para o Brasil”.
Histórico
Até agora, a política em vigor previa o fechamento gradual de leitos em hospitais psiquiátricos no país, com base no que estabelece a lei da reforma psiquiátrica, de 2001. O texto prioriza o atendimento por meio da oferta de vagas em Caps (centros de atenção psicossocial) e hospitais gerais.
Questionado, o coordenador nacional de saúde mental, Quirino Cordeiro, nega que haja intenção de ampliar o número de leitos. “A ideia é que utilize esse parque já instalado”, diz.
Ele reconhece, porém, que a pasta não tem um número exato dos leitos em funcionamento no país, o que poderia abrir brecha para reativação de antigas estruturas. Dados de 2015 apontam cerca de 18 mil leitos nestes locais. Em 2002, eram 53 mil.
Para Cordeiro, ainda que não haja um número exato, o total de leitos é insuficiente. “O Brasil tem hoje um número muito menor do que países desenvolvidos. Estamos numa situação em que podemos não ter leitos para internar pacientes com quadro agudo”, afirma.
Além da manutenção dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados, a nova resolução de saúde mental também prevê a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
O modelo atual estabelece que no máximo 15% dos leitos nesses hospitais sejam destinados a pacientes com transtornos mentais, para evitar incentivo à hospitalização. A ideia é que esse percentual passe a 20%, com limite de até 60 vagas por hospital, as quais devem ser localizadas principalmente em enfermarias especializadas.
A proposta, no entanto, é vista com preocupação por defensores da reforma psiquiátrica, que temem que a medida incentive a manutenção da internação e a criação de pequenos “manicômios”.
Cordeiro nega e diz que a pasta pretende estabelecer diretrizes para regular o tempo de internação, sobretudo em hospitais especializados.
Uma das possibilidades é que, após determinado período, haja redução do valor pago em diárias a cada dia de internação. “Nossa ideia é dar suporte para internação de curta permanência. Não queremos paciente morando em hospital psiquiátrico.”
Ele diz que, para isso, o governo pretende aumentar em R$ 10 mil mensais o valor pago a serviços de residência terapêutica, destinados a antigos pacientes que ainda moram em hospitais.
Outras mudanças
Ao mesmo tempo em que reforça o papel dos hospitais, a nova política também prevê a incorporação de novos tipos de serviços à rede de atendimento. Um deles é a criação de um novo modelo de Caps para atendimento de usuários de álcool e drogas na região das cracolândias, o qual deve ter funcionamento 24h e oferta de novos leitos.
O objetivo é atender usuários com quadro de intoxicação grave, entre outros problemas. “Hoje, entre o indivíduo sair da cracolândia e conseguir atendimento, há um ‘gap’. Essa estrutura estará preparada para dar atendimento em situações mais graves”, diz Cordeiro.
Já nos casos em que o paciente opte por continuar o tratamento de forma voluntária, a ideia é que ele possa ser encaminhado a comunidades terapêuticas, afirma.
Até então, esse tipo de estrutura, a maioria vinculadas a entidades religiosas, recebia financiamento só do Ministério da Justiça, sem serem reconhecidas como modelo de tratamento em saúde.
Agora, o Ministério da Saúde também deve passar a financiá-las, em conjunto com os ministérios do Trabalho, Desenvolvimento Social e Justiça. Com isso, a previsão é que o número de vagas passe de 4.000 para 20 mil. “Isso vai ajudar a aumentar a oferta para recuperação de drogados”, afirmou o ministro Ricardo Barros.
Segundo ele, a previsão é que o reajuste nas diárias aos hospitais psiquiátricos e os novos serviços custem R$ 300 milhões por ano. Hoje, o orçamento da saúde mental é de R$ 1,3 bilhão.
Protestos
A aprovação das mudanças ocorreu durante reunião de uma comissão de gestores do SUS na sede da Opas (Organização Pan-Americano de Saúde), em Brasília, e em meio a protestos.
Após a leitura da proposta, a discussão e votação duraram menos de dez minutos. Representantes de entidades como do Conselho Nacional de Saúde chegaram a pedir a palavra, mas foram impedidos de participar.
Enquanto isso, do lado de fora, cerca de 30 manifestantes protestavam e carregavam cartazes com dizeres como “Nada de prisão, manicômio é regressão” e “Não aos hospitais psiquiátricos”.
Seguranças também bloqueavam o acesso a uma lista de participantes. “É o assassinato da reforma psiquiátrica”, disse Larissa Dall’Agno da Silva, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental.
Membros dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde elogiaram as mudanças. “Ela não muda a política de saúde mental, mas fortalece”, afirmou o presidente do Conass, que representa os Estados, Michele Caputo Neto.
O ministro chamou as críticas de “inadequadas”. “As mudanças vão ajudar uma área que não estava indo bem e que havia cobrança da sociedade para ajustar. Acabamos de escrever o texto e já estão criticando uma coisa que nem sabem o que é. Isso é pura ideologia e não mundo real. É gente que acha que tem que ser do jeito que quer, e não como precisa ser. Faremos do jeito que precisa ser.”
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